O Euro 2024 antes  dos quartos de final
Fabián Ruiz festeja golo à Geórgia (IMAGO)

O Euro 2024 antes dos quartos de final

OPINIÃO05.07.202410:00

A Espanha é um original difícil de copiar e agora voltou a mudar, modernizou-se, o que lhe acrescenta argumentos enquanto candidata. Palmas ainda para uma Suíça bem trabalhada

Se começássemos a ver os grandes torneios apenas a partir dos quartos de final, quando, em teoria, as melhores equipas são colocadas em xeque e começam a mostrar tudo o que têm, perderíamos certamente muito da competição. Por isso, apesar de a probabilidade de a Suíça ser campeã da Europa ainda ser baixa, não há melhor altura do que esta para isolá-la das demais seleções enquanto aquela talvez mais bem trabalhada do ponto de vista tático e organizacional.

Murat Yakin, que transporta apenas dois títulos de campeão helvético com o Basileia e leva já quase três anos a ouvir nas costas o Hop Suisse! em três línguas diferentes, depois de ter substituído Vladimir Petkovic após um Euro 2020 em que os rossocrociati eliminaram a França nos oitavos e foram logo depois afastados pela Espanha, levantou o edifício do seu jogo por cima dos alicerces Yann Sommer (36 anos), Akanji (28), Ricardo Rodríguez (31), Schar (32), Granit Xhaka (31) e Remo Freuler (32), garantias de enorme solidez e experiência extrema.

Daí para a frente, aproveitou a versatilidade de Aebischer, capaz de operar tanto na ala como no corredor interior, consoante o momento fosse defensivo ou ofensivo, e assim criar superioridades e assimetrias difíceis de anular, e juntou-lhe a irreverência de nomes como Rieder, Ndoye e Duah no apoio a Embolo. Tranquila com a bola nos pés, a Suíça mostrou saber atrair para ferir, revelando um QI futebolístico superior à maioria, o que não deixa de ser um óbvio sintoma do que as grandes equipas não estão a conseguir colocar no relvado.

É evidente que a Inglaterra tem melhores jogadores e uma melhor liga, ou seja, estará sempre mais bem preparada do ponto de vista dos argumentos necessários para ganhar qualquer discussão com o próximo rival, mesmo que as assimetrias britânicas pareçam mais handicap do que qualidade, e que o fio de jogo não se tenha mostrado em praticamente nenhum momento na Alemanha. O lado esquerdo está atrofiado e não se entende, o direito parece demasiado linear e previsível, a defesa raramente comunica com o meio-campo e é Bellingham a aparecer no último momento a marcar de pontapé de bicicleta ao mesmo tempo que carrega um piano ainda muito desafinado às costas.

A Espanha tem sido a seleção mais entusiasmante e é normal que a Mannschaft esteja logo a seguir nas preferências de quem tem andado atento ao torneio. É uma Roja diferente, ainda dominadora através da posse, porém, ao mesmo tempo, rapidamente capaz de verticalizar, na ligação direta entre verdadeiros senhores do passe, como Fabián Ruiz, e velocistas escorregadios, casos de Nico Williams e Lamine Yamal. Também os de Nagelsmann são parecidos na abordagem, já que Kroos lança e Musiala e Sané aceleram, o que torna natural o rótulo de final antecipada na partida de Estugarda.

Sim, é verdade que houve a Áustria das altas octanas, no entanto, todavia talvez apenas os mais românticos não soubessem que só até certo ponto se consegue substituir talento por organização e pressão a todo o campo. Mesmo que a maior injustiça do Euro não tivesse acontecido, naquela derrota com os turcos, dificilmente o conjunto de Rangnick poderia ter alguma hipótese de ser considerada uma segunda Wunderteam, tal a discrepância de capacidade individual entre a sua maior referência e a atual. Além disso, o seu contributo, apesar do gozo que deu a todos que viram, só é propriamente novidade em seleções.

De resto, o torneio tem primado pela normalização das ideias. A maior parte das candidatas são Espanhas em potência, mas com décadas de atraso para a original, incluindo a portuguesa. Turquia e Países Baixos apresentam igualmente hibridez interessante, embora com fragilidades defensivas que podem ser fatais. A França ainda sente a necessidade histórica de estabilizar à volta do vigor físico para poder saltar em transição e será sempre assim enquanto Didier Deschamps estiver ao comando. Depois, houve inúmeros blocos baixos e coesos. Onze jogadores de faca nos dentes a dar tudo. Mesmo que, por vezes, se potenciem autogolos.

Fabián Ruiz é, até aqui, o nome maior deste Europeu. A sua capacidade de distribuição alia-se à forma como rapidamente lança uma transição cirúrgica ou se aproxima do local certo para, ele mesmo, finalizar. Na formação de Luis de la Fuente, há ainda uma âncora chamada Rodri, a fiabilidade de Morata em praticamente todos os momentos de definição e dois miúdos, velozes, inconscientes e tremendamente talentosos: Nico Williams e Lamal. Como se não bastasse, quando Olmo entra, a criatividade dispara.

Olhar para a Alemanha e não ficar já com saudades de Kroos é praticamente impossível, mesmo que o brilho tenha vindo sobretudo dos da frente, por intermédio de Musiala, Wirtz e, agora, Sané, já que Nagelsmann sentiu necessidade de maior cilindrada no ataque. Portugal tem sido pouco mais do que Vitinha e Diogo Costa, com Cancelo, Nuno Mendes e Leão finalmente a quererem entrar na rotação certa, e em França ainda está tudo tão opaco que dificilmente ficaremos assim até final. Mas se ficarmos, nenhum mal virá ao mundo.

Nos Países Baixos, Gapko e Reijnders têm estado a grande nível, com Malen a parecer querer ganhar preponderância, e na Turquia se Arda Guler não é grande surpresa pelo que sempre mostrou, Ferdi Kadioglu até me faz esquecer que destros a alinhar à esquerda não é nada século XXI. Inglaterra é uma França com Bellingham, mas isso pouco quer dizer para daqui a frente. Pior do que está não fica. E, na Suíça, Aebischer tem sido o mais disruptivo taticamente.

Os artistas dribladores Kvaratskhelia e Mikautadze, e o estabilizador Kochorashvili fizeram que gostássemos um pouco da Geórgia, e foi mais uma vez um defesa, um tal de Calafiori, a fazer os italianos sonhar e a lembrar-nos a nós de Maldini. Já o meu amigo De Bruyne esteve demasiado só na Bélgica ainda mais porque Lukaku nunca apareceu. O Euro não está tremendo, mas também não está péssimo. E, já agora, que acabe com um bang!