O que Ronaldo nunca percebeu
Ronaldo ficou em branco no Euro 2024

O que Ronaldo nunca percebeu

OPINIÃO04.07.202410:00

Cristiano continua longe de entender qual deve ser o seu papel no coletivo

Os que achavam que bastaria a Portugal jogar o feijão com arroz devem estar agora, certamente, a gritar Eureka! com a habitual dose de ironia. Ou talvez não. Talvez se tenham apercebido de que o problema é bem mais profundo do que acertar características com posições em campo. Ou com o sistema, seja este qual for.

Responda quem souber: o que se pode dizer de quem tem quase tudo ao dispor, exceto talvez uma identidade já anteriormente plantada, e estraga tudo com as decisões que toma? Ou de alguém com a disponibilidade certa, a fome de leão, o sentido de responsabilidade e, inclusive, um selecionador que adapta ou abdica de princípios em seu nome (tal como antes abdicou por outros), porém não consegue entender qual deve ser o seu papel?

Não quer isto dizer que uma identidade crie imediatamente uma equipa campeã, apenas que a aproxima do objetivo. Porque é el estilo español, Luis de la Fuente tem, naturalmente, vida mais facilitada do que Nagelsmann na Alemanha ou Southgate em Inglaterra, declinações em parte do ADN cravado por Guardiola em Munique e em Manchester, e reforçado por um direcionamento na formação que privilegia um novo perfil de jogador, mais técnico.

Mesmo esses partem muito à frente de Roberto Martínez, devido aos vários anos de trabalho que levam, ainda que, no caso germânico, nem sempre com os mesmos treinadores. Já não seria fácil por tudo isto, mas o selecionador português aumentou depois as próprias dificuldades quando se comprometeu de forma até algo contranatura. Faltou coragem. A que teve nas ideias.

Portugal não está bem e não ficou melhor ao ganhar nos penáltis, precisamente porque foi incapaz de fazé-lo antes. A fé no processo está naturalmente abalada - até talvez no selecionador com as substituições desastradas e injustificáveis, a não ser com uma eventual gestão de egos - e se a falha é, sem dúvida, coletiva, pela tão evidente inexistência de dinâmicas, é ainda difícil não olhar para o apagão de Bruno Fernandes e Bernardo Silva.

Há um peso individual grande neste confrangedor tecido coletivo. É certo que há mais química à direita do que à esquerda. Ainda que Bernardo pareça demasiadas vezes amarrado à linha, a forma como libertou Cancelo para a sua melhor exibição no Euro, foi do melhor que se extraiu do embate com a Eslovénia. Já do lado contrário, apesar de uma ou duas combinações, Nuno Mendes e Rafael Leão foram quase apenas a própria expressão individual. Bruno Fernandes pareceu perdido pelo menos até Vitinha sair, o posicionamento de Palhinha na construção foi contraproducente e Ronaldo, infelizmente, provou que fisicamente não consegue ter as abordagens em movimento do passado. E não só.

O capitão não dá continuidade aos ataques porque todos os movimentos que faz são para se aproximar a si próprio da baliza e não a bola. As decisões são individuais e não enquadradas. Não há melhor atualmente? Tenho dúvidas. Sobretudo se a resposta puder ser coletiva. No entanto, tudo se tornou mais preocupante assim que Martínez arrasou com as possíveis soluções.