Roberto Martínez deixou-se amarrar por Ronaldo
Não havia nenhuma explicação lógica para o capitão da Seleção ser titular com a Geórgia
Confesso que não entendo. Escrevo este texto antes do Portugal-Geórgia e Ronaldo até pode ter marcado 5 golos e assinado outras tantas assistências quando o estiver a ler que pouco interessa, não muda o princípio. A explicação foi insuficiente e quase pueril. Não havia nenhuma razão que justificasse a sua terceira titularidade num jogo que interessa pouco a toda a gente menos ao próprio e à sua coleção de recordes ou, eventualmente, a uma paz podre que mantenha a maior parte mais ou menos contente, sem amuos. Mesmo a questão física de Gonçalo Ramos e Diogo Jota, apesar de clinicamente aptos de acordo com o próprio selecionador, poderia ter sido resolvida com João Félix a falso 9, o que até abriria uma vaga para outra unidade de ataque no onze. Se o técnico assim o quisesse. Não quis.
O selecionador defendeu-se com a continuidade de uma época longa a marcar e as consequências negativas de uma paragem, mas esqueceu-se que isso era válido para todos os mais utilizados neste Europeu. Que Ronaldo é especial e tenha de ser gerido de uma forma diferente não tenho dúvidas, porém ao não conseguir que descansasse num jogo quase a feijões diz bem das dificuldades que o técnico terá para se impor se precisar de fazê-lo quando for mais a sério. Dificuldades com as quais pactuou desde o dia 1. A situação de Ronaldo trará sempre a imagem de Eden Hazard a arrastar-se no Catar até finalmente o atual selecionador português acordar, já talvez tarde de mais. Mesmo que seja até algo injusto para o português, ainda assim longe dessa realidade.
Reconheço que a ideia e a predisposição ofensiva me atrai em Martínez. A coragem que tem na colocação das pedras em campo raramente coincide com as decisões que toma fora deste. O modelo pode entusiasmar, mas depois dá tiros nos pés na forma dos compromissos que assume. E se isso, perante a Geórgia, não é muito relevante, tornar-se-á crucial e até limitativo mais à frente. Faz sentido pressionar tão alto e de forma tão agressiva com Ronaldo e Leão em campo, por exemplo?
Dito isto, o que Ronaldo retirou à equipa? A possibilidade de ver outras soluções e movimentações, outro tipo de química e testá-las num contexto competitivo. O que Martínez está a dizer ao grupo é precisamente o mesmo que Fernando Santos afirmava, embora, no seu caso, usasse palavras. Para ele, Cristiano jogava sempre. Até deixar de jogar. O espanhol não o diz, mas vai pelo mesmo caminho. Ninguém deve ser intocável e todas as posições devem estar em equação. É a competitividade que determinará quem joga. Regras que vários treinadores esquecem quando chegam a determinados contextos.
Martínez voltou a estar menos bem no elogio público a Ronaldo após a assistência para Bruno Fernandes. O que o capitão fez não é exaltação do coletivo sobre o individual, mas sim o que se ensina em todos os clubes desde os primeiros dias de formação. Num 2x0, fixas o guarda-redes e dás ao teu companheiro para finalizar. O contrário, não passar, é que seria notícia. E, aí sim, o céu abater-se-ia sobre o individualismo do finalizador nato.