Cultura de vitória
Alvaro Morata com Mikel Oyarzabal
Foto: IMAGO

Opinião Cultura de vitória

OPINIÃO16.07.202409:30

Sentido de Pertença é uma crónica quinzenal

1- Terminou o Europeu, tendo a Espanha sido uma justíssima vencedora. Maior capacidade. Maior velocidade. Maior entrosamento. Maior juventude. Melhor futebol. Nuestros hermanos descobriram uma nova geração para singrar e os seus principais elementos ainda nem 20 anos têm.

2- A Seleção Portuguesa não atingiu o objetivo de poder vencer o seu segundo título, tendo sido zurzida por toda a gente após a eliminação. Extremamente injusto, creio. Não tínhamos a melhor equipa nem passámos a ter a pior. Este fado nacional de buscar sempre culpados para todas as nossas frustrações não tem sentido. Entrámos claramente no lado pior do sorteio onde só chegaríamos à final se eliminássemos duas das três melhores seleções: França; Alemanha; Espanha. Era obviamente difícil. Fomos eliminados, mas não fomos derrotados pela França, fomos aliás até superiores à França. Uma bola bateu no poste; acontece. Não percamos a racionalidade.

Mas…

3 - Esta racionalidade e até a humildade de reconhecer que não éramos os melhores não nos pode impedir de analisar mais profundamente a circunstância que creio basilar de vários insucessos: falta cultura de vitória. Espanha também não a tinha. Durante décadas teve grandes seleções que nunca conseguiam vencer, que não tinham essa cultura de vitória apesar de o seu campeonato ter há muito os melhores executantes. Não tinha, mas obteve-a, trabalhou-a, fê-la crescer. A Espanha era uma seleção com jogadores de primeira linha e resultados de segunda linha, e é agora uma equipa que entra em campo para vencer qualquer adversário. Não são os jogadores de hoje que são melhores que os de ontem, é a cultura de vitória que está inculcada em quem vista aquela camisola. Algo que, por exemplo, a Inglaterra não tem e aliás nunca teve, não obstante o brilhantismo dos seus atletas.

O futebol português tem duas figuras que se caracterizam por essa cultura de vitória: Cristiano Ronaldo e José Mourinho. Dois vencedores, conquistadores, provocadores, ultraconfiantes, arrogantes até, aqui e ali. Exibem características que nada têm que ver com o retraimento e humildade exacerbada de que foi impregnada a nossa sociedade com o Antigo Regime.

4 - Também falta um sistema de jogo que se encaixe nas características do jogador português: fortemente tecnicista, de menor condição física, de futebol perfumado e apoiado. Um país que gerou verdadeiros génios como Chalana, Futre, Figo, Rui Costa, Quaresma, Cristiano Ronaldo, entre outros, tem que consolidar um sistema de jogo que se adeque mais ao que somos e gostamos de ser do que aos adversários que enfrentámos. A Holanda fê-lo a partir da laranja mecânica de Johan Cruijff: e durou décadas! Foi seguida pela geração de Van Basten, Gullit e Rijkaard e ainda pela de Bergkamp, Seedorf e Overmars. A Espanha fê-lo a partir da implementação do tiki-taka, assente no Barcelona de Guardiola, que se adaptou às características mais tecnicistas do jogador espanhol e deu à Espanha um Campeonato do Mundo (2010) e dois Campeonatos da Europa (2008 e 2012), praticamente seguidos. Um sistema que privilegie levar aos campos de futebol a alegria e o brilhantismo do jogador português.

5 - Não considero que tenhamos uma geração única. Já tivemos várias – melhores, até – e continuaremos a ter. A geração que deu início a este ciclo em que Portugal saiu da irrelevância para ser um challenger relevante – Fernando Couto, Paulo Sousa, Figo, Rui Costa, João Pinto – nada ganhou e era melhor e mais equilibrada do que esta. E surgirão outras, não tenho disso a menor dúvida. Mas falta um projeto formativo estruturado, a prever alterações regulamentares com impacto nas divisões inferiores (forçando a usar uma percentagem elevada de jogadores de formação, que aumenta à medida que se desce de divisão – tema a que voltarei em texto futuro). Tivemos isso uma única vez sob a batuta de Carlos Queiroz: interessa voltar a esse tema.

6 - Este Europeu revelou também dois fatores característicos dos nossos tempos, absolutamente contraditórios entre si: a precocidade e a longevidade. Atletas a apresentar-se como os principais protagonistas com idades absolutamente incomuns: Lamin Yamal com 16 anos, Arda Güler e Kobie Mainoo com 19. E exemplos de longevidade assinalável como Pepe, com 41 anos e Cristiano Ronaldo com 39. Seria há muito pouco tempo impensável atletas com esta idade apresentarem as condições físicas que hoje apresentam. Sinais dos tempos e que fazem com a que a carreira de futebolista de alta competição deixe de ter apenas 10/12 anos de duração, para poder ter 20/22 anos de duração. Sinal dos tempos de cultura do corpo, de hábitos alimentares melhor informados, de maior preocupação com a saúde e a performance.

7 - Uma nota final para o meu clube, de felicitações pela conquista do Campeonato Nacional de Kickboxing. O Vitória vai singrando no ecletismo e conseguindo, em algumas dessas modalidades (como sucede com o Pólo Aquático) ser mesmo a melhor equipa nacional. Parabéns!