«Quando a História não se repete na Luz», a crónica do Benfica-FC Porto
Ángel Di María celebra o golo marcado pelo Benfica ao FC Porto, pela Liga de futebol. Foto: Rodrigo Antunes/Lusa

«Quando a História não se repete na Luz», a crónica do Benfica-FC Porto

NACIONAL30.09.202300:05

Afinal, é mesmo possível ter Neres e Di María a jogarem juntos; só na segunda parte o Benfica acreditou; duas pedras de gelo no fim

O Benfica venceu o FC Porto, na Luz, para o campeonato. Eis uma notícia invulgar,se atendermos a um passado recente. Não deveria constituir uma surpresa, afinal, um clássico é sempre um jogo em aberto e haverá alguma dose de favoritismo para quem joga com o apoio do seu público. No entanto, este tem sido um clássico invulgar e muito se falou, ao longo da última semana, de um problema de medo cénico do Benfica quando joga com o FC Porto no seu estádio. Algo ao nível de uma espécie de bloqueio psicológico, que se foi tornando traumático. Foi então surpreendente que o Benfica tenha vencido o FC Porto, ontem, na Luz? De todo, até porque foi uma vitória de merecimento indiscutível. Porém, importa assinalar que um jogo, como os homens, também são eles e as suas circunstâncias, e este jogo teve a particular circunstância de ter tido um lance, que nem deu golo, mas que terá sido o mais decisivo de toda a partida. Aos 19 minutos, uma entrada de Fábio Cardoso sobre Neres deu origem a um cartão vermelho. A partir daí, o Benfica jogou sempre em superioridade numérica e teve tempo para resolver o seu medo cénico. 

Surpresas a abrir

Curioso que logo no anúncio dos onze escolhidos por Schmidt e por Conceição se tenha aberto de par em par a caixinha das surpresas. No caso do Benfica, contra todas as previsões pelo habitual tradicionalismo do treinador alemão, jogaram juntos Neres e Di María. No caso do FC Porto, ficou no banco a última estrela do Dragão, Iván Jaime, e surgiu a aposta inesperada em Romário Baró. Ambas as decisões se haveriam de justificar e de dar razão aos treinadores. No caso do Benfica, aquela dupla fabricaria o único golo do jogo; no caso do FC Porto, percebeu-se, enquanto a equipa teve onze jogadores em campo, que Baró era o joker inesperado que surgia nos espaços livres para o golo. 

O que teria sido o jogo se continuasse, depois dos 19 minutos, onze para onze é do foro das ciências ocultas. Nunca se irá saber.

 A construção de uma vitória 

O Benfica levou tempo de mais para expulsar de si próprio um certo sentimento de culpa por estar a jogar contra dez e também por passar a ter ainda maior obrigação de ganhar. Até ao intervalo, foi um tempo perdido, feito de um futebol de lances avulsos, sem consistência nem pressão no ataque e muitas vezes desaustinado na procura da profundidade, quando fazia todo o sentido jogar na exploração dos espaços. Enfim, o intervalo foi bom conselheiro. Na segunda parte, o Benfica transformou-se e mudou o jogo a seu favor. Foi pressionante e paciente. Foi perdulário, como tem sido seu hábito, mas não consentiu que o FC Porto alguma vez se sentisse confortável, como se tinha sentido na primeira parte. 

Percebeu-se que o golo poderia ser, apenas, uma questão de tempo. E foi. Curiosamente, teve como intérpretes essa dupla latino-americana formada por Neres e Di Maria. Os mais criativos uniram-se para furarem a muralha de um FC Porto que, pressionado e ameaçado, jogou grande parte desse tempo num espaço demasiado curto de não mais de trinta metros. 

Depois do golo, surgiu, no Benfica, um outro complexo; o da lembrança de que este FC Porto resolve muitos jogos para lá dos noventa minutos. E mais se pressentiu esse receio benfiquista por Sérgio Conceição mudar tudo o que podia mudar para dar mais capacidade ofensiva, sem perder equilíbrio, enquanto Roger Schmidt só mexeu para trocar ponta de lança por ponta de lança (66 minutos) e, depois, só aos 85 minutos para caucionar a ideia de que era preciso meter mais uma pedra de gelo no jogo. Por isso saíram Neres e Di María e entraram Jurásek e João Mário. Não foi, propriamente, uma manifestação de confiança, de autoafirmação ou de personalidade, mas, pelo menos, é verdade que o Benfica soube acabar o jogo em segurança, sem passar por sobressaltos e garantindo uma vitória que lhe pode proporcionar convicção.