PARTE 1 - Mafalda Barbóz, capitã da Seleção nacional de sub-23, vem de uma época de sucesso na Suécia, ao serviço do Malmo, onde se sagrou campeã e garantiu a subida ao primeiro escalão. Em conversa com A BOLA, recorda os primeiros toques com a bola, o percurso até chegar ao Benfica, a aventura em Espanha com apenas 19 anos e a importância do Valadares para a sua carreira
- Como é que surgiu a paixão pelo futebol? Já corria na família?
- Muito engraçado. Ninguém na minha família joga. A única pessoa que me acompanhou foi o meu irmão, que é um ano mais velho do que eu, mas os meus pais não jogam, nem os meus tios, avós... Não conheço ninguém, portanto não sei de onde é que surgiu. O meu irmão jogava com os amigos e eu jogava com ele, mais com ele do que até com os meus amigos. Fui-me colando assim e pronto, depois fiquei. Hoje em dia, o meu irmão também já não joga, sou a única da família. Uns primos, mais novos, se calhar já me viram a mim. Não sei de onde é que veio.
- O teu primeiro clube foi o Quintajense, depois passaste um ano no Palmelense e surgiu o Benfica. Como é que apareceu essa oportunidade?
- É muito engraçado recordar. O Quintajense era o clube da minha terra. Eu vivi em Palmela durante muito tempo, em Quinta do Anjo. Na altura não tinha nenhum exemplo de meninas a jogar futebol. Comecei a jogar com rapazes e foi o primeiro clube onde eu vi uma equipa só de meninas. Comecei a jogar com rapazes, depois vi essa equipa só de meninas. É engraçado porque eu faço a transição, porque na altura nós com 14 ou 15 anos já jogávamos com as séniores. Então jogo ali com rapazes aos 10, 11 e 12. Aos 13, 14 estou a jogar nas sub-17, sub-19, que, entretanto, passaram a existir. Depois começou o Sporting. E assim que o Benfica veio… É engraçado porque eu sempre disse ‘quando sair daqui é para jogar no Benfica’. E pronto, o Benfica depois investiu, mas foi muito natural. Ainda fui um ano para o Palmelense a jogar no escalão sub-19, só com raparigas. Lembro-me que antes de mim saíram um ou duas no ano anterior para o Sporting, lá do nosso clube da terra, mas nem me lembro muito bem como é que surgiu [a oportunidade do Benfica]. Sei que havia lá um senhor, que eu conhecia, o mister Alex. Uma vez falou comigo e disse-me que o Benfica estava a começar, porque eles tinham vários treinadores no ‘scouting’. Eu era pequenina, dizia por brincadeira que ia para o Benfica. E por acaso depois o Benfica surgiu e, por acaso também, surgiu essa oportunidade de ir para lá. E assim foi. Foi bonito.
PARTE 2 - Mafalda Barbóz sagrou-se campeã pelo Malmo esta temporada, depois de uma época em destaque no Valadares. E conversa com A BOLA, a médio de 22 anos relata a sua experiência em solo nórdico, traçando comparações com a realidade portuguesa, e aborda uma possível chamada à Seleção A pela primeira vez
- Como é que correu essa experiência no Benfica?
- Correu bem. Deu-me muitas coisas diferentes. É engraçado, porque eu com 13/14 anos jogava futebol sénior. Ou melhor, nós na altura fazíamos exames médicos em Lisboa, que era uma data de exames, tirar sangue… para podermos jogar em escalões acima. Eu já jogava futebol de 11, depois jogava sub-19, sub-17, no Palmelense. Depois vou para o Benfica e é a primeira vez que eu tenho noção do que é uma equipa só de meninas de formação. E ajudou-me muito dar esse passo atrás. Já estava a jogar futebol de 11, mas fazer parte de uma estrutura que formava jogadoras meninas, e formava mesmo, porque não tem nada a ver, há 10 anos, como é era o futebol feminino. Subir e descer as bancadas… muito livre. Fez-me muito bem, deram-me as bases. As bases de formação mesmo, de aprender o futebol, a pensar o jogo. Hoje em dia, óbvio que já não se fala nisso, porque todas as jogadoras têm formação, e os clubes começam a apostar na formação da jogadora, neste caso no futebol de raparigas. Foi voltar atrás, mas para começar como deve ser, com formação, e faz parte de mim. Há muita coisa que eu noto, e que depois passei a notar, da diferença que é as mesmas jogadoras que têm formação, e hoje conseguimos ver, e as mesmas jogadoras que já são mais crescidas, que já têm outro andamento, mas que nunca tiveram a formação, que eu tive a sorte de ter no Benfica.
- Nessa altura já jogavas no meio-campo ou experimentaste várias posições?
- Quando comecei, na primeira vez que eu joguei futebol de 11, foi a lateral-esquerdo. Eu era pequena, corria muito, mas lá está isto é pré-formação. A partir do momento em que começo a pensar o jogo de forma diferente, se calhar a partir dos meus 15/16, sim. Fui para o meio, e nunca mais saí. Isso até foi um bocadinho antes do Benfica, mas na altura, era muito livre. Desde o Benfica sim, a partir daí sempre pelo meio. Agora, depende das formas de jogar, mas sempre mais por ali.
PARTE 3 - Mafalda Barbóz fala sobre o crescimento do futebol feminino em Portugal e do recente recorde de espetadores quebrado no Dragão numa partida da Seleção. Revela referência futebolística e perspetiva futuro
- Depois do Benfica passaste por três clubes (Damaiense, Atlético Ouriense e Amora) antes de ir para a Espanha. Como é que se deu a mudança para o país vizinho aos 19 anos?
- Foi uma aventura engraçada. Estive nesses três clubes. O Damaiense era um projeto que fazia parte, na altura, para dar seguimento do Benfica, para nós jogarmos futebol de 11. Depois o Ouriense é quando saio de casa. Depois eu regresso durante um pouco ao Amora e aí sim, vou para a Espanha. Espanha é aqui ao lado. Fui jogar futebol e pronto. Ainda por cima na Galiza, aqui pertinho. Não senti assim tanta diferença, senti mais agora quando fui para a Suécia. Estava muito perto, a língua parecida, comida não tão boa como a nossa, mas come-se tranquilamente. A nível de futebol, claro que tem já um andamento diferente, porque, independentemente das ligas, são culturas já um bocadinho mais adiantadas do que as nossas, mas foi tranquilo. A nível de jogo, o futebol é igual em todo lado. Ali corria-se mais um bocadinho, mas tranquilo, é aqui ao lado.
- Depois voltaste para Portugal pelas portas do Valadares, um clube muito importante na tua carreira…
- É um clube que tem o meu coração e faz muita diferença na maneira como eu depois passo a olhar para mim enquanto jogadora. Antes de chegar a Espanha, estive sempre de um lado para o outro, um ano, um ano, um ano. Meio ano, meio ano. E acho que depois o Valadares foi aquilo que eu precisava. Estabilidade, espaço, tempo e deixar-me crescer. Acho que é um dos anos que eu guardo em especial, no ano passado. Ano passado que já foi há dois anos. Entretanto, com muito jogo seguido, perco um bocado a noção do tempo. Mas sim, é uma fase que eu guardo de forma muito especial no meu coração e é um clube que é meu agora. Não posso dizer o outro, este é meu também.
E a entrevista ser tratada para dar alguma forma e sentido ao que foi gravado, para não ser uma mera transcrição do oral? É o que se chama trabalho jornalístico, não?