O miradouro de Martínez
Roberto Martínez [foto A BOLA]

O miradouro de Martínez

OPINIÃO30.01.202409:30

Entrevista do selecionador promove ideia de que o talento maior é interpretar

De vez em quando é importante vir alguém de fora para dar uma outra perspetiva do que existe. Obriga-nos a questionar ideias que estavam arrumadas há demasiado tempo, a perceber tanto os erros que estão mesmo à nossa frente, como também virtudes às quais já não damos o devido valor.

É curioso que a entrevista de Roberto Martínez, publicada em A BOLA por ocasião de um aniversário (79.º) muito particular, seja especialmente interessante por dar esse ponto de vista, da forma como o selecionador nacional - nascido em Espanha e com vivências em Inglaterra, Escócia, Gales e Bélgica - olha para o futebol português. Alguém que não conhecia esta realidade, mas com experiência suficiente para a analisar, por comparação com os outros contextos em que esteve inserido.

Que Martínez revele que aquilo que mais o surpreendeu foi a estrutura de formação, destacando algumas competições promovidas pela Federação Portuguesa de Futebol, não é propriamente uma surpresa, mas a conversa com o diretor do nosso jornal, Luís Pedro Ferreira, mostra que a visão do selecionador não é superficial. Todos os treinadores sabem que a análise ao seu trabalho fica, mais tarde ou mais cedo, reduzida à bola que bateu no poste e foi para dentro ou para fora, mas isso não quer dizer que ignorem o trabalho menos visível. O discurso de Martínez passa a ideia de que o foco vai realmente «mais além do que ganhar o próximo jogo», e que gosta verdadeiramente da responsabilidade de «acompanhar o talento».

Claro que isso não fica certificado pela referência a João Neves e Geovany Quenda, só pode ser medido realisticamente por quem está por dentro da estrutura federativa, mas a reflexão de Roberto Martínez promove o engenho de forma aprofundada, desde logo quando defende que «é mais importante conhecer o talento individual do jogador para criar uma estrutura coletiva do que a ação de ser pragmático». «O futebol é para tomar riscos, é para marcar golos, para defender rapidamente e os adeptos gostam de ver o talento individual tentar marcar golos. E isso é um estilo que não segue ser pragmático», acrescenta.

O selecionador sabe perfeitamente que o talento precisa de enquadramento, mas consegue reforçar o entusiasmo gerado pela imaculada campanha de qualificação quando destaca a forma como o jogador português junta cultura a esta equação. Quando fala de uma competitividade que «dá ao jogador o grau de tentar ser especialista». Daí que defenda - e já o tenha mostrado - que a Seleção tem uma capacidade camaleónica. Pela possibilidade de associar a inteligência de Bernardo Silva e Bruno Fernandes, ou a versatilidade de João Cancelo, Diogo Dalot e Raphael Guerreiro.

Controlar a flexibilidade também não é fácil, mas Roberto Martínez, sentado no Miradouro de São Pedro de Alcântara, alimenta a ideia de uma equipa em que o talento maior é interpretar o jogo e não decorar um plano.