«Quantas vezes a seleção pode mudar de sistema? Muitas»

Roberto Martínez «Quantas vezes a seleção pode mudar de sistema? Muitas»

SELEÇÃO29.01.202405:00

Entrevista Roberto Martínez. PARTE V

Queria ir onde tudo começou, na Catalunha, onde nasceu, onde há um sentimento independentista forte, onde o futebol desempenhou um papel forte nesse sentimento. Queria perceber se cresceu com isso, como é que foi lidar com isso na sua infância e na sua juventude? 

A minha mãe é catalã, o meu pai é de Saragoça, espanhol, e nós tivemos sempre uma vida pelo desporto. A política não tem importância na nossa família. Gostava muito de situações específicas nos clubes, mas nunca fui adepto de um. Gostei muito do Real Madrid de John Toshak, da Quinta del Buitre, e depois com Johan Cruyff (Barcelona), eu acho que há um antes e depois no futebol europeu, e isso foi uma parte da minha educação. 

Ia perguntar-lhe isso, no campo futebolístico, crescer na Catalunha é obrigatoriamente crescer com Johan Cruyff? 

Eu acho que o que o Johan Cruyff propõe, o seu estilo, a sua forma de jogo, afeta toda a gente no futebol, ou gostas do estilo e acompanhas, ou precisas de saber como ser um adversário competitivo contra o estilo de Johan.

Eu gostei muito da mudança, os sistemas não são rígidos, tem a situação de um contra um, utilizar o talento individual na forma coletiva, poder defender com bola, é uma forma diferente de ver o futebol.

Falando em estilo, quando estava no Reino Unido, um artigo no Guardian dizia que o Roberto Martínez, na altura, era treinador de posse de bola. E o artigo dizia que o Roberto devia ser mais pragmático. Hoje é mais pragmático? 

Pragmático é uma palavra que faz parte de ter uma estrutura, de ter um bom conhecimento dos jogadores. É mais importante conhecer o talento individual do jogador para criar uma estrutura coletiva que a ação de ser pragmático. O futebol é para tomar riscos, é para marcar golos, para defender rapidamente e os adeptos gostam de ver o talento individual tentar marcar golos. E isso é um estilo que não segue ser pragmático. Pragmático é trabalhar bem, preparar bem o jogo e dar uma liberdade ao talento individual, porque é essencial para marcar os golos. 

Disse quando chegou que era necessário a seleção ter flexibilidade. Quantas vezes é que a seleção, por exemplo, consegue mudar de sistema dentro de um jogo? 

Muitas. O sistema é relacionado à inteligência do jogador. Nós podemos ser muito flexíveis porque os nossos jogadores percebem o espaço, percebem as ligações com outros jogadores. Eu acho que é essencial. Nós tivemos mais que dois sistemas. Durante os dez jogos do apuramento, tivemos sistemas com bola, tivemos sistemas sem bola, tivemos possibilidade de jogar com dois pontos de lança, possibilidade de jogar com jogadores por dentro. Tivemos a oportunidade de ter o Rafael Leão e o João Félix com ligação na ala esquerda. Nós tivemos muitas, muitas variações e eu acho que são essenciais. São essenciais porque permitem-nos sacar proveito do talento individual. E depois, o que é muito importante no futebol moderno, é que o adversário trabalha sempre os dez últimos jogos do rival, então há uma guerra tática. 

Foi isso, por exemplo, que o fez mudar quando jogou contra o Brasil? Vinha a jogar com três defesas e de repente, naquele Mundial de 2018, apresentou-se com uma linha de quatro frente ao Brasil. 

Com certeza, sim, porque o Brasil tem uma grande quantidade de jogadores muito bons no um contra um, ter o Willian, ter o Neymar, ter o Coutinho, precisávamos de poder fazer uma ajuda defensiva, de criar dois contra um. E uma linha de cinco não tem possibilidade de fazer isso.

Passou por uma defesa a quatro para alinhar com o adversário, foi isso? 

Em relação aos pontos fortes do adversário. Também podemos fazer isso para alinhar com os pontos fracos do adversário. Nós precisamos de ter uma ideia de jogo, de estratégia, em relação ao jogo, em relação ao adversário, mas também em relação aos nossos jogadores. Não é o mesmo jogar com um jogador pela direita de pé esquerdo, que jogar com um jogador de ala que joga por fora. Nós precisamos de ter uma ideia muito clara. O jogo de seleções tem uma grande vantagem, que é nós podermos escolher os jogadores específicos para jogar e ter os jogadores com mais talento. Mas também é muito difícil preparar um jogo com três dias. Então precisamos de trabalhar uma forma geral, de ter conceitos muito claros, porque a estrutura da equipa precisa de ser muito, muito clara. Mas depois, em relação à inteligência dos jogadores, nós precisamos de experimentar e utilizar outras formas. E nos dez jogos do apuramento mostrámos isso