Novo passo na credibilidade

OPINIÃO08.02.202305:30

‘Bomba’ Manchester City não aconteceu por acaso: o governo prepara-se para melhorar o que aqui só agora está a nascer: regulação feita de cima

A acusação da Premier League ao Manchester City de mais de 100 irregularidades financeiras cometidas entre 2009 e 2018 promete ficar para a história do futebol inglês. Porque mais importante que o castigo que venha (ou não) a ser aplicado ao clube de Rúben Dias e Bernardo Silva é o contexto que envolve o processo. Não foi por acaso se deu esta explosão agora: o governo inglês prepara-se para apresentar no Parlamento, ainda este mês, a proposta da criação de uma entidade reguladora independente para o futebol. A IREF (The Independent Regulator for English Football) ficará sob a égide do Estado e terá  uma capacidade fiscalizadora abrangente, preenchendo um vazio que muitos consideram existir no futebol profissional de Inglaterra.

Mais relevante se torna recordar que esta iniciativa nasceu na sequência da tentativa falhada da criação da Superliga europeia, em abril de 2021, cujo fracasso se deveu às manifestações dos adeptos, especialmente na Grã Bretanha, que até admitem que os seus clubes sejam detidos por estrangeiros mas desde que nunca ultrapassem determinadas linhas vermelhas.

Foi aí que o Governo liderado à data por Boris Johnson prometeu uma «bomba legislativa», abrindo caminho a um livro branco para uma melhor governança do futebol. Para tal recorreu-se de uma série de propostas da Associação de Adeptos de Futebol (FSA), que após várias discussões e consultas criou uma lista de 10 regras: 1) A entidade reguladora deverá ser criada no Parlamento; 2) O futebol deve submeter-se a  critérios de regulação financeira semelhante à de outras indústrias de relevo; 3) Os testes atualmente feitos aos donos e diretores dos clubes devem ser alterados e criados pela IREF para garantir que os respetivos currículos são à prova de bala; 4) Criação de um novo código de comportamento e governança, obrigatório para todos os clubes profissionais; 5) Igualdade, diversidade e inclusão nos corpos gerentes; 6) Adeptos terão de ser ouvidos em decisões chave que comprometam o futuro dos clubes; 7) Existência de uma golden share ligada ao poder dos adeptos; 8) Taxa solidária aplicada aos clubes mais ricos para garantir a sustentabilidade da base da pirâmide do futebol inglês; 9) Paridade e devido reconhecimento ao futebol feminino; 10) Melhor proteção do bem-estar dos jogadores, com foco na saúde mental dos mais jovens.

Por aqui podemos observar diferentes estados de desenvolvimento. Em Portugal, por exemplo, só agora foi possível criar uma proposta de lei que revê o regime jurídico das sociedades desportivas - como lembrava anteontem  o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, «mais de 20 por cento das sociedades desportivas criadas em Portugal caíram em situação de insolvência ou extinguiram-se», o que obriga a «regular mais o setor» - enquanto em Inglaterra pede-se urgência em melhorar mecanismos que ainda nem sequer existem por estas bandas. Quem tem mais de 40 anos lembra-se bem do que era o futebol em Inglaterra  antes da intervenção governamental na sequência do hooliganismo e como ficou a partir daí.

A Premier League é o caso de maior sucesso de um campeonato na história do futebol e o melhor exemplo do que deve ser a relação entre a gestão privada de uma competição que também promove o lucro e o poder do Estado - os governos criam os meios de controlo mas também de incentivo; o dinheiro em impostos gerado por uma liga altamente rentável pode ser canalizado, por exemplo para estruturas profissionais e independentes, como esta nova entidade reguladora prestes a nascer que terá o poder de escrutinar ainda mais os xeques, sultões e príncipes que usam os clubes de futebol como uma extensão dos seus negócios.

Haverá uma grande hipocrisia no meio disto tudo, à semelhança do que existiu antes da guerra na Ucrânia quando os ingleses despacharam os oligarcas russos que antes faziam da capital inglesa a Londongrado. A batota era visível e ninguém dava o primeiro passo. Mas não será por acaso que se porventura o xeque Mansour bin Zayed Al Nahyan tirasse todo o deu dinheiro do Manchester City, novos investidores iriam logo bater à porta. Porque não estariam a investir num só clube, estariam a investir num clube da Premier League, a única competição nacional que consegue competir financeiramente com a Liga dos Campeões. Porque, a montante, tem um chapéu chamado credibilidade.