ENTREVISTA A BOLA Carlos Freitas: «A morte de Davide Astori foi o momento mais difícil»

NACIONAL09:35

Cumpriu um sonho quando chegou ao futebol italiano, à Fiorentina, mas houve um episódio demasiado triste...

Em 2010 foi para o Panathinaikos. Dá a ideia do futebol grego ser um bocado caótico. É assim?

—Vou partilhar consigo uma chamada que tive antes de entrar aqui. Um amigo grego estava-me a pedir a opinião sobre o Rui Vitória e estava-me a dizer que o Vitoria é o quinto treinador nos últimos dez meses. Ou seja, um clube como o Panathinaikos, tem uma média de um treinador a cada dois meses no último ano, espelha muito aquilo que é a instabilidade do futebol grego. Há potencial, há paixão, há clubes grandes, tal como cá, mas há uma parte endémica que é completa, muito mais vulcânica do que a nossa e isso leva muitas vezes a decisões pouco ponderadas. Ainda assim, é um futebol que também tem desenvolvido bastante. Aliás, nesta altura o detentor da Conference League é grego. O vencedor da Youth League é grego. E há jogadores que estão a despontar que vêm daquelas paragens. Foi um sítio onde aprendi a lidar com jogadores milionários.Um balneário onde havia Gilberto Silva, campeão do mundo para o Brasil; o Cissé, que tinha sido uma figura do Liverpool, vencedor da Champions. Foi uma experiência rica num ambiente social muito atrativo, mas pouco compatível com aquilo que é a exigência profissional.

— Depois seguiu-se o Metz, cumpriu os objetivos, subiu de divisão, valorizou os jogadores. Porquê é que se deu a saída nessa altura?

—Foi um ano também enriquecedor, em termos quer desportivos, quer sociais, porque Metz é uma cidade que durante a ocupação alemã o clube jogava na Bundesliga, para te dar um exemplo. Ou seja, é um sítio onde quem é latino normalmente é visto como alguém pouco compatível com posições de liderança. Ou seja, houve alguma dificuldade de aceitação. Aquilo que me valeu, entre aspas, foi o facto de termos partido com 19 pontos nos primeiros sete jogos e acabámos com a subida de divisão. Portanto, em termos desportivos, foi melhor do que em termos sociais e foi uma passagem que me permitiu abrir as portas do futebol italiano.

— Chegar à Fiorentina, em 2016, foi um sonho de crianças, de juventude, por assim dizer, cumprido?

—Diria que sim, porque cresci a olhar para a Série A como o campeonato de referência em termos internacionais, para onde iam os melhores jogadores do mundo, desde Maradona, Platini, Zico; todos jogavam em Itália. Tive a sorte de morar numa cidade que é um autêntico museu ao céu aberto e num clube emblemático, um clube que também foi marcado por portugueses, nomeadamente o Rui Costa, e onde artistas como o Antognoni ou o Baggio continuam a ser bandeiras da cidade e do clube. Foram três anos muito marcantes, onde tive, se calhar, o momento mais difícil da minha carreira.

— A morte de Davide Astori?

— Foi, claramente que foi, porque independentemente daquela derrota a 18 de maio de 2005, com o CSKA, que impediu o Sporting de vencer a Taça UEFA, nada é comparável ao desaparecimento repentino de alguém que era o líder do grupo. Normalmente, diz-se sempre daqueles que partem palavras boas. Mas a verdade é que tudo aquilo que se veio a saber da pessoa mostra muito da grandeza do Davide, que era realmente uma pessoa que marcou tudo.

—O futebol italiano estava em peso nas exéquias.
— Inclusive o maior rival da Fiorentina fez-se representar no mais alto nível. Tudo porque era realmente um ser humano especial que marcou todos aqueles com quem se cruzou. E foi um momento muito difícil, seguramente o mais difícil de todos, mas que permitiu ver até que ponto é que a capacidade de superação de um grupo pode ir sem nenhum tipo de acompanhamento psicológico. Nessa altura o grande líder, o grande psicólogo do grupo, realmente foi o treinador.

Quem era?

— Pioli. Stefano Pioli.

— Para finalizar esta viagem pelos clubes, como correu a experiência no Seraing?

Muito condicionado em termos desportivos pela ausência total de infraestruturas, a ausência de campos para treinar. Para dar um exemplo miudinho, existir uma equipa no fórum profissional que não tem um médico o tempo inteiro, reflete muito aquilo que era a ausência de condições infraestruturais. A verdade é que isso foi um passo integrado num grupo, um grupo liderado pelo presidente e dono do Metz, que além do Metz tem o clube na Bélgica, o Seraing, e tem o Generation Foot, que é a academia de onde saíram Lamine Camará, Sadio Mané toda essa geração. Eu era uma das peças do grupo, estava alocado na Bélgica, mas a ausência de condições levou-me a não me desgastar, até porque quando não há condições para se efetivar um trabalho compatível com aquilo que é a exigência, mais vale afastar-nos.