Em diversas conversas com os jornalistas de A BOLA, ao longo dos últimos 30 anos, sempre salientou a perda dos pais como fator de grande tristeza e, ao mesmo tempo, como motivação para ter tanto força para lutar na vida. Ganhou tudo como jogador e treinador
A relação entre Sérgio Conceição e A BOLA, como entre os grandes jogadores/treinadores e as grandes instituições, teve momentos altos e baixos. De imensa cumplicidade e de enorme distanciamento. A primeira grande entrevista de Sérgio Conceição, ainda no Felgueiras, mas já a caminho do FC Porto, foi dada a Sérgio Alves, em dezembro de 1995, a A BOLA.
«Ninguém imagina o que eu já passei!», era o título. «Pertenço a uma família humilde, mesmo pobre, fui obrigado a lutar muito para ter o que tenho. Já sofri muito, em todos os momentos da minha vida. Como a maioria das pessoas sabe, já não tenho pais. A minha ida para o FC Porto é um acontecimento muito especial e queria dedicar aos meus pais por me terem dado tanta força para lutar como luto. É a eles que devo o meu regresso ao FC Porto e a época que estou a fazer no Felgueiras». E acrescentou: «Não posso ainda desiludir aqueles que sempre acreditaram no meu valor, como o senhor Joaquim Pinheiro, o senhor Reinaldo Teles e o senhor Sidónio Ribeiro».
Na sequência desta entrevista, começaram a chamaram-lhe o Figo de Felgueiras. Sérgio nunca se incomodou com a comparação. «Fico feliz por ser comparado ao Figo, claro, mas sou o Sérgio Conceição.»Dois anos depois, em novembro de 1997, quase com 23 anos, já jogador do FC Porto, confessava ao nosso camarada Carlos Pereira Santos, um dos jornalistas que mais privaram com e ele e, infelizmente, já desaparecido: «A Liliana [a mulher de Sérgio] dá-me moral. Para ela jogo sempre bem. A cobiça de clubes estrangeiros? Sinto-me bem no FC Porto, mas não nego que, quando sei do interesse de alguns clubes, fico orgulhoso. Estou preparado para sair e para ficar».
O Sérgio Coração, como A BOLA chegou a chamar-lhe, sairia meses depois para a Lazio. E ainda a Carlos Pereira Santos lançava: «Vou provar porque fui a transferência mais cara de Portugal. Mas, sinceramente, ainda não entrei muito bem dentro da realidade. Ainda penso muito no FC Porto, como aconteceu nestas férias com amigos como o Jorge Costa, o Rui Barros, o Folha. Aos poucos, acho que está a chegar uma nostalgia que está a tomar conta de mim ao pensar que vou deixar de jogar com estes amigos».
Esteve duas épocas na Lazio, conquistou campeonato, taça e Taça das Taças e seguiu para Parma. Em dezembro de 2000, a Carlos Vara e João Bonzinho, assegurava estar muito feliz: «Sinto-me muito bem em Parma. É uma cidade pequena, muito calma, muito à minha medida. Caí nas boas graças dos italianos. O FC Porto está no meu coração e é uma paixão minha, mas antes de mais sou profissional. Não existe qualquer pacto para, um dia, regressar ao FC Porto».
Bruno Conceição, sobrinho de Sérgio, não tem elogios suficientes para descrever o tio e o eterno amigo. Cresceram juntos e, pese embora todas as dificuldades da família, foram sempre… felizes. As pedras a fazerem de baliza e o barulho da mota: histórias eternas contadas por quem as viveu e não mais as esquece
Um ano depois, porém, arrancou para o colossal Inter de Milão. «Sou incapaz de me acomodar», disse a Gonçalo Guimarães, jornalista de A BOLA. E confirmou que corria e lutava pela memória dos pais. «Sei bem o que passaram e, por isso, os meus maiores ídolos são eles e continuarão sempre a ser. Talvez por isso, tenho tanta vontade de vencer que, às vezes, até me excedo!»
Esteve apenas duas épocas no Inter (2001/2002 e 2002/2003) e regressou ao Parma. A viagem até onde já fora feliz não correu bem e, a meio de 2003/2004, volta ao FC Porto. «A vontade de voltar ao FC Porto, uma casa que me ajudou a ser o que sou hoje, era muito grande. E trabalhar com um dos mais prestigiados treinadores [José Mourinho] da Europa também ajudou.» A ideia de Conceição, quando regressou em janeiro de 2004, era estar mais perto de Scolari e da Seleção Nacional, para poder ir ao Euro-2004. Uma lesão no joelho, porém, colocou de lado essa possibilidade.
Treinador, que hoje completa meio século, é o mais titulado do FC Porto e está à espera de um projeto aliciante para prosseguir carreira. Saída do Dragão não foi pacífica e levou-o a repensar o futuro. Poderá estar em perspetiva um ano sabático
Passaria depois por Standard Liége, Al Qadsya e terminaria a carreira de jogador em novembro de 2009, ao serviço do PAOK. Em julho de 2011, de novo a Carlos Pereira Santos, dizia: «Estou pronto para ser treinador».
E meses depois, em janeiro de 2012, começou mesmo no Olhanense. E confessava a João José Pedro, jornalista de A BOLA: «Não estou hipotecado ao FC Porto. Só estou hipotecado à minha conduta, ao meu caráter e à minha personalidade». Nos cinco anos seguintes passaria ainda por Académica, SC Braga, V. Guimarães e Nantes. Até que, a 9 de julho de 2017, chegou o maior desafio de todos: o FC Porto. E anunciou aos quatro ventos: «Não venho para aprender, venho para ensinar».
Ganharia tudo em Portugal com a camisola dos dragões. Irritou-se, irritou, teve momentos de soberba e arrogância, até com A BOLA, mas venceu. Pelo meio, em janeiro de 2019, recebeu um prémio prestigiadíssimo: Homem do Ano de A BOLA. E dizia ao nosso camarada Paulo Pinto: «No FC Porto todas as épocas são um Evereste. Por isso, é que escolhi ser alpinista». Sérgio Conceição atravessa agora uma espécie de funeral de bola. Completa hoje 50 anos e veremos como se comportará enquanto cinquentão. Como treinador era e é craque.
Ex-treinador do FC Porto esteve presente no podcast Bitaites D’Ouro