50.º aniversário de Sérgio Conceição «É o pilar familiar e o nosso ídolo»
Bruno Conceição, sobrinho de Sérgio, não tem elogios suficientes para descrever o tio e o eterno amigo. Cresceram juntos e, pese embora todas as dificuldades da família, foram sempre… felizes. As pedras a fazerem de baliza e o barulho da mota: histórias eternas contadas por quem as viveu e não mais as esquece
É pela voz de um dos familiares mais próximos que surgem alguns dos relatos da infância de Sérgio Conceição. O agora treinador de renome mundial que foi um jogador (também) à escala planetária, mas que, antes desse(s) percurso(s), foi, como todos nós, uma criança. Um menino cheio de sonhos. Um jovem que lutou pelos objetivos que traçou e que nem as dificuldades por que passou ousaram beliscar.
Sérgio Conceição cresceu em Ribeira de Frades (hoje pertencente à União das Freguesias de São Martinho do Bispo e Ribeira de Frades), no concelho de Coimbra, e foi na referida localidade que fortaleceu os laços familiares que ainda hoje perduram e dos quais não abdica. Serão, com toda a certeza, eternos. Porque Conceição é um homem de família.
E foi precisamente devido a esse lado humano do treinador que A BOLA esteve à conversa com alguém com quem tem uma ligação profunda: Bruno Conceição. Sobrinho, mas, acima de tudo, amigo da vida de Sérgio. Apesar de terem alguns anos de diferença – 43 para Bruno e 50 (agora) para Sérgio -, continuam inseparáveis. Mesmo que por vezes à distância, por via da carreira do antigo craque dos relvados, a ligação nunca foi interrompida. E tudo começou… em Ribeira de Frades. Na casa dos pais de Sérgio, avós de Bruno.
«Sim, vivíamos todos na casa dos meus avós. Foi assim desde que me lembro e até o Sérgio ir para o FC Porto, quando tinha 15 anos. Fazíamos tudo juntos, dormíamos no mesmo quarto e na mesma cama, uns com pés para um lado, outros com as cabeças para o outro. Era a nossa realidade. Eram tempos muito difíceis. Mas todos seguimos um rumo certo na vida, com valores e princípios de que nunca abdicámos. O Sérgio, por ser o mais velho, era o nosso chefe. E nós acatávamos sempre as ordens dele [risos]», começou por dizer.
E como era, afinal, o tio Sérgio? A resposta surge na primeira pessoa: «Era espetacular! Foi sempre impecável connosco. Além de responsável, até por ser mais velho, era sempre muito nosso amigo e às vezes até nos protegia. Bola? Nem é bom falar… Nas férias, então, era uma loucura. De manhã à noite, literalmente! Como ele tomava conta de nós durante o tempo em que os meus avós iam trabalhar, estávamos sempre a jogar futebol. Mas o Sérgio já era bastante responsável para a idade. Antes de sair de casa para o trabalho, o meu avô deixava tarefas destinadas em casa e só íamos jogar à bola depois de estar tudo feito.»
Mas será que nessa altura já se percebia que um insucesso levaria Sérgio Conceição aos hoje tão conhecidos níveis de azia? «Claro que os tempos eram outros, mas já nessa altura era perfeitamente percetível que a palavra derrota não constava no dicionário do meu tio. Perder, para ele, era mentira. Nem a feijões! Isso nunca podia acontecer [risos]», assume.
Mas independentemente do feitio nem sempre fácil no que ao futebol diz respeito, Sérgio Conceição tinha, já na altura, um coração do tamanho do mundo. Algo que, de resto, sempre o acompanhou ao longo da vida e que continua bem presente nos dias de hoje. Pelo que não é de estranhar a gratidão eterna: «O Sérgio sempre ajudou a família. Quando assinou pelo FC Porto foi viver para um lar, no Porto, mas ao fim de semana, depois dos jogos, vinha para minha casa, que entretanto os meus pais já tinham construído. E foi sempre o mesmo. É o nosso pilar familiar e o nosso ídolo. Esteve e está sempre presente e disponível quando é preciso. Mesmo quando esteve no estrangeiro, a ligação à família foi sempre tremenda. É um verdadeiro exemplo a todos os níveis.»
PEDRAS NAS BALIZAS E BARULHO DA MOTA
Reforcemos que estamos a falar de episódios passados há mais de 40 anos. E falar da questão temporal não é por acaso. Quem nesses tempos viveu facilmente perceberá a história que se segue. Porque, afinal, naquela altura era mesmo assim…
Se, nos dias de hoje, e fruto do (felizmente) desenvolvimento da sociedade (nomeadamente em termos de infraestruturas), as crianças podem jogar à bola em locais apropriados e com tudo aquilo a que têm direito – campos devidamente edificados para o efeito, com pisos próprios para a prática desportiva, balizas que são… verdadeiras balizas, bolas que mais parecem de autênticos jogos profissionais, etc -, antigamente não era nada assim. Jogava-se na rua e, muitas vezes, com o que estava à…. mão. Havendo bola, o resto era só o resto. E esta história contada por Bruno Conceição é um dos exemplos mais paradigmáticos dessa realidade de há quatro décadas.
«O meu avô não deixava o Sérgio jogar à bola, achava era que ele tinha de estudar e trabalhar. Mas quando saía para trabalhar, nós só queríamos era futebol. Jogávamos à porta de casa, na estrada, e as balizas eram pedras que encontrávamos por ali. E o mais engraçado era que tínhamos uma técnica para não sermos apanhados. À frente da casa havia uma reta e depois uma ladeira. Ora, quando o meu avô regressava a casa, ao final do dia de trabalho, tinha de subir a ladeira com a mota. Nós ouvíamos o barulho e tínhamos tempo para fugirmos para dentro de casa, sem que ele nos visse a jogar à bola», recorda, com saudade, o sobrinho de Sérgio Conceição, que não tem pejo em colocar a cereja no topo do bolo deste episódio: «Claro que eram técnicas da autoria do meu tio [risos].»
Além de ser sobrinho de Sérgio Conceição, Bruno é também padrinho de Francisco, o craque atualmente a jogar na Juventus. Além do apreço pelo tio, Bruno, que é treinador do Penelense, equipa que milita na Divisão de Honra da AF Coimbra, recorda também os avós. Com natural saudade. «O avô José e a avô Maria Alice. Duas pessoas extraordinárias e que a vida levou cedo demais», salienta, com um brilhozinho nos olhos. Os pais de Sérgio faleceram quando o antigo craque já jogava na formação do FC Porto, onde rumou depois de brilhar na Académica. As lembranças serão eternas e o amor infindável. Porque a família é assim. Perto ou longe, o amor nunca desvanece. Os laços de sangue são imortais.