«Tive dois treinadores assim, o Sá Pinto e o Sérgio Conceição»
Wilson Eduardo, jogador do Alverca, é o convidado de A BOLA FORA
O nosso convidado desta A BOLA FORA é Wilson Eduardo, 34 anos, reforço da Alverca. O internacional angolano formou-se no Sporting e para além dos leões representou Real, de Massamá, Portimonense, Beira-Mar, Olhanense, Académica, SC Braga, Dínamo Zagreb Den Haag, SC Braga, Al Ain, Alanyaspor e Alverca.
Quando saíste do SC Braga decidiste aceitar o convite do Pedro Emanuel (Al Ain) com quem já tinhas trabalhado na Académica. Condições muito diferentes as que encontraste nos Emirados?
Condições... Em termos do clube eu posso dizer que, se não foi o melhor, foi um dos melhores que eu tive. Tinham umas condições fantásticas. Uma das coisas que não sabia do potencial que eles tinham digo em termos financeiros não estava à espera que estivessem tão avançados para tudo no futebol. Seja no apoio ao jogador, saúde, nas condições nos estádios, tudo. Era fantástico mesmo.
Como foi a vossa vida lá?
Passei muito tempo lá sozinho, os primeiros dois, três meses. A minha mulher chega e engravida, praticamente logo. Não éramos casados na altura e, apesar de ser tudo muito bom, viver nos Emirados e tudo mais, as regras que eles têm não são fáceis para quem é de fora e não é casado. Quando a minha mulher engravida, ela fica uns quatro meses e depois tem de regressar a Portugal.
Mas foi uma questão de visto ou religiosa?
Foi mais religiosa. O clube tratou de todos os papéis que eram necessários para a Káthia ficar. Não éramos casados, fomos a uma clínica em que o médico era fantástico, não nos podemos queixar, mas que nos alertou para isso mesmo. O facto de não sermos casados, de precisarmos de ir a um hospital que poderia haver problemas. Por tudo isso, decidimos que ela viria para Portugal e ficava cá até a menina nascer.
Em termos de apoio, vocês tinham muito no estádio?
Não vivenciei essa experiência, porque foi em pleno Covid. O Dubai estava aberto. Estava tudo aberto. Uma ou outra coisa é que estava fechado, mas de resto eles andavam à vontade. Na cidade onde nós estávamos, aí sim eles eram mais controlados. Tanto que nós tínhamos um posto de controlo. Se fôssemos ao Dubai para voltar tínhamos de ter sempre o teste do Covid pelo menos com 48 horas negativo para poder entrar e depois quando entrávamos, passado seis dias tínhamos de fazer novamente o teste.
Era mesmo para condicionar as entradas?
Era mais para condicionar a ida ao Dubai.
A seguir vais para a Turquia, portanto para o Alanyaspor, encontras muitos portugueses, um deles o Daniel Candeias, com quem fiz A Bola Fora recentemente. Como foram esses dois anos?
Foram anos fantásticos. Foi um dos países e a cidade onde nós gostamos mesmo muito de viver e um dia iremos lá voltar para visitar e tudo mais, porque foi uma cidade que na verdade gostámos mesmo muito. As pessoas também acolheram-nos muito bem e depois a nossa filha também foi para lá. Estivemos sempre lá os três a viver e aproveitámos bastante.
A Liliana, a mulher do Daniel, contou-me que vocês voltaram do estágio às tantas da manhã de trotineta elétrica.
Deixávamos sempre os carros com as nossas mulheres para poderem passear, para poderem ir à praia com os meninos e tudo mais. Muitas das vezes chegávamos à meia-noite, uma da manhã. Acabou por ser numa noite fria, mas é uma cidade por norma em que está sempre calor. Para não estarmos a chamar táxis decidimos pegar em duas trotinetes e íamos pelo mar, de trotinetes. Foi bom, tirando a parte do frio. São experiências que se calhar aqui em Portugal não dava para acontecer. Aqui controla-se muito mais. Lá são muito mais abertos. Se a pessoa vai de trotinete para o treino se não vai de trotinete eles não se importam. E era uma coisa que acabámos por fazer mais vezes.
Vivias no sul da Turquia quando aconteceu o sismo, queres-me contar esse dia?
Nós vivíamos a 500, 600 quilómetros, mais ou menos do centro do sismo. Onde estávamos, era uma cidade que acontecia muitas vezes, mas era uma coisa leve. Coisa de segundos, dez, vinte segundos, não mais do que isso. Sentíamos sim o prédio a abanar mas era uma coisa que depois com o decorrer do tempo acabou por ser normal.
Mas já tinhas essa noção quando foste para lá ou não?
Não. Das primeiras vezes que aconteceu ainda tivemos algum receio porque não estávamos habituados, mas depois quando acontecia já não dávamos tanta importância. Nesse dia já foi diferente. Apesar de estarmos muito longe do centro foi uma coisa que durou dois minutos e qualquer coisa. E aí sim a casa abanou. Acordei com a minha mulher, porque estavam mesmo as portas dos armários a bater umas nas outras, o barulho do candeeiro, tudo. Foi mesmo uma situação má, uma pessoa tenta controlar-se mais porque vi a minha mulher nervosa, com medo e uma pessoa tenta sempre estar ali mais seguro apesar de ter sempre o receio. Na manhã seguinte, quando cheguei ao clube é que vi as imagens e deu para ter a noção da gravidade.
Perderam alguém ou souberam de alguma história do vosso círculo de amizades?
Dos jogadores portugueses sei que estava o Rúben Ribeiro na cidade onde aconteceu, o Christian Atsu [ex-FC Porto] também acabou por falecer devido ao sismo. Houve muita gente que morreu ligada ao futebol porque os clubes iam partilhando, ia-nos chegando a informação através dos nossos colegas turcos que tinham familiares e que nos iam dizendo mais ou menos o que estava a acontecer.
Depois vais para o Chipre para o Apoel. O treinador era o Ricardo Sá Pinto. É um motivo de orgulho para os teus antigos treinadores querem voltar a contar com os teus serviços?
Se forem perguntar, 90% dos meus treinadores vão dizer que eu sou chato. Mas sou no bom sentido, de ser muito competitivo. Não digo discutir com os treinadores, mas andar ali sempre atento a resultados, à forma como é o exercício. Por outro lado, por ser assim tão frontal, acredito que muitos deles apreciem. O Sá Pinto foi um dos casos em que eu sempre lhe disse, e ele próprio vai ouvir e vai saber que é verdade, é preferível dizer as coisas na cara, apesar de muitas vezes as pessoas não gostarem, do que andar por trás. Porque, às vezes, há muito este burburinho por trás que não é bom. Além de ter feito um bom serviço quando estava com eles, porque se não fosse assim também não iriam querer trabalhar comigo novamente. Ele foi para o Chipre, eu estava sem contrato, falámos, ele disse que queria que eu fosse, o clube acabou por aceitar e correu bem.
Foram campeões, a nível desportivo correu bem.
Fomos campeões, o clube já não era há algum tempo. A nível pessoal não foi tão bom por vários motivos, mas pronto, foi mais um ano para, mesmo aos 33, ir aprendendo sempre alguma coisa.
Meio a brincar, meio a sério. O Ricardo Sá Pinto mantém aquele registo no estrangeiro ou é mais calmo?
É um treinador que eu penso que é muito a imagem do que era como jogador. É intenso, assertivo. Tive dois treinadores assim, que foi o Sá Pinto e o Sérgio Conceição. São muito assertivos naquilo que querem, por vezes não é fácil saber lidar, como estar no treino. Eu já o conhecia, por isso para mim já foi mais fácil voltar a trabalhar com ele, mas é um treinador, que tem as suas conquistas mas que por vezes pode não se entender tão bem como lidar com ele.
O que é que gostaste mais do Chipre e o que é que gostaste menos?
Boa pergunta. É uma ilha em que não há muito para fazer. Por ser tão pequeno e por estar a jogar num clube que lá é o mais titulado, acaba-se por saber tudo. Se uma pessoa vai jantar fora e chega um bocado mais tarde de casa ou sai um bocado mais tarde do restaurante no dia seguinte no clube já sabem. O APOEL é o clube que tem mais adeptos e eles ali cobram bastante. Estivemos 90% do campeonato em primeiro lugar e mesmo assim sempre tivemos a cobrança da parte deles. A parte mais chata ali é mesmo essa, não termos à vontade. Tirando isso, é um país que é bom para se viver, principalmente na altura do calor.