A família Martins
Para lá das opções discutíveis sobra um sentimento coletivo que será fundamental para recuperar aqueles que acabaram mal a época
Não me recordo de uma convocatória para uma grande competição de seleções sem polémica. Seja porque em cada português há um potencial treinador capaz de tomar as melhores decisões ou porque o coração do adepto fala sempre mais alto. Roberto Martínez não poderia passar ao lado das críticas, nem que fosse pelo argumento mais primário de todos: levar apenas um jogador do campeão nacional (Gonçalo Inácio), dois do segundo classificado (António Silva e João Neves) e três do terceiro (Diogo Costa, Pepe e Francisco Conceição).
Descontando a clubite aceito que houve, no entanto, algumas escolhas discutíveis. Tendo em conta o enorme lote de candidatos de grande qualidade tenho dificuldade em perceber algumas redundâncias que impedem maior diversidade – uma convocatória mais alargada deveria servir justamente para possibilitar o maior número de jogadores diferentes cujas características possam ser usadas em diferentes momentos do jogo ou da competição.
Ver, por exemplo, Rúben Neves e não Matheus Nunes nos 26 finais leva-nos para uma lógica de primazia do médio cerebral em doses redobradas e ausência de um centrocampista capaz de romper linhas com duas ou três passadas, um perfil ideal para momentos de contra-ataque ou para jogos em que Portugal possa apostar mais em transições rápidas.
De todos os médios chamados pelo selecionador, nenhum tem as características do futebolista do Manchester City (em boa verdade, de todos os médios portugueses da atualidade, apenas Renato Sanches, se estivesse em boas condições físicas, poderia comparar-se ao ex-Sporting pelo futebol explosivo, físico, vertical e com capacidade de chegada).
Ao invés, sobram centrocampistas que vivem da posse de bola, como Vitinha (acima de todos), João Neves e Rúben Neves, que se juntam aos pensadores do reino Bernardo Silva e Bruno Fernandes. Fará falta alguém realmente diferente – e por coincidência, um jogador que optou por Portugal em vez do Brasil, seleção onde provavelmente teria mais hipóteses de ser chamado a uma Copa América do que para um Europeu (ou a prova de que a Seleção Nacional é atualmente uma das melhores do mundo).
Poderíamos também aplicar o argumento da redundância na opção em simultâneo de Pedro Neto e Francisco Conceição. Porque ambos representam o mesmo tipo de jogador para momentos semelhantes: ambos esquerdinos, ambos extremos bem abertos – embora o jogador do Wolverhampton mais vertical e rápido na profundidade.
Porém o que pode gerar maior preocupação é a condição física de muitos dos convocados: Nuno Mendes, Pepe, Diogo Jota e Pedro Neto têm de ser tratados com pinças. Além disso, e tão ou mais relevante, é a condição anímica de outros, aparentemente em pior momento do que estavam em novembro, no último jogo da qualificação: João Cancelo, João Félix e Rafael Leão, por exemplo, perderam chama e protagonismo nas respetivas equipas.
Mas a crítica que se faz a Martínez pode ser a sua principal virtude: o selecionador criou uma família que se dá muito bem. E são esses laços criados que, em caso de dúvida, influenciam decisões. Mesmo que para quem está deste lado tenha maior dificuldade em entender.