A lição de Grimaldo ao Benfica
Álex Grimaldo (IMAGO)

A lição de Grimaldo ao Benfica

OPINIÃO15.05.202409:00

O espanhol deu mais entrevistas num ano em Leverkusen do que em oito na Luz; ao que parece, não lhe fez nada mal; Otamendi deve ter inveja

Há decisões que definem carreiras. Ao ter aceitado o convite do Bayer Leverkusen, Álex Grimaldo sabia que correria um risco do ponto de vista desportivo (não no plano financeiro, porque foi ganhar muito mais). Porque estaria a sair de um clube que luta para ser campeão em Portugal e tem sido cliente habitual da Champions para representar num emblema que nunca havia conquistado a Bundesliga e não tem o mesmo lastro, mesmo nos tempos mais recentes, nas competições europeias.

Mas decidiu avançar. Um ano depois, soa quase absurdo recordar argumentos que o espanhol ouviu de quem o criticou. Das muitas coisas que se disseram, «dar um passo atrás» foi a mais eloquente de todas. Além do inédito título, os farmacêuticos podem conquistar a Liga Europa e a Taça da Alemanha e, ironia das ironias, bateram recentemente um recorde de invencibilidade europeu que pertencia às águias.

Muita coisa mudou em menos de 360 dias. Grimaldo ganhou mais na conta bancária, ganhou mais no campo, ganhou finalmente a credibilidade junto do selecionador espanhol para chamá-lo à La Roja, mas também ganhou palco para se exprimir. Em apenas um ano, o lateral-esquerdo deu mais entrevistas em Leverkusen do que nos oito anos que passou na Luz. Na maior parte dessas intervenções não escondeu o lamento por não ter conseguido continuar nas águias. Disse-o de uma forma desabrida, como se daquelas palavras se extraísse uma frustração.

Fossem os dirigentes alemães como os portugueses e  interpretariam este sentimento como algo contrário aos objetivos da equipa dirigida por Xabi Alonso: aqui d’el rei um futebolista continuar a falar do seu ex-clube tal como um recém-casado recorda a ex-namorada com quem chegou a pensar fazer vida. Mas no Leverkusen como em tantos outros clubes alemães a mentalidade assenta no princípio da responsabilidade. E algo mais importante: um jogador livre de pensamento é um jogador mais feliz. Ao que parece, e contrariamente à crise de urticária que a simples ideia de um futebolista se exprimir cria neste cantinho europeu, Grimaldo falou bem, jogou bem e ganhou bem.

Isto devia dar muito que pensar, principalmente depois de o capitão do Benfica, Nicolás Otamendi, queixar-se de não ter sido autorizado pelo clube a prestar declarações (ele até disse a palavra prensa, a palavra espanhola para imprensa, mas obviamente nunca foi a imprensa a recusar ouvi-lo, bem pelo contrário). Até que ponto não teria sido útil para o próprio Roger Schmidt partilhar ideias e protagonismo com os seus jogadores e líderes, justamente nos momentos de maior crise? Esta lógica, que já vitimou outros treinadores no passado, foi responsável por ir ajudando a queimar um treinador campeão em lume brando, sujeito a ver a sua imagem fragilizada para fora, mas também para dentro. Parecendo que não, estes detalhes contam muito nas dinâmicas de balneário.  

Quando venceu as eleições em 2021, no ato mais participado de sempre, Rui Costa garantiu que se iniciava um novo ciclo. Mas há muita coisa que parece igual. Senão mesmo pior.