Escócia-Portugal: talvez um dia, ‘mister’ Salmond

A memória de um encontro fortuito no Euro 2024 com o proeminente antigo primeiro-ministro da Escócia, que morreu neste sábado

«Bem-vindos ao melhor pequeno país do mundo». Mal aterramos e entramos no aeroporto de Glasgow deparamo-nos com uma placa que nos faz soltar imediatamente um sorriso. Os escoceses são assim, sempre o foram, sempre o serão. Deve ser o único povo que usa o humor e o sarcasmo em doses industriais para esconder dores de séculos, maioritariamente causadas por guerras físicas e, posteriormente, culturais com os ingleses.

Quem quiser compreender a complexa relação entre estes vizinhos tem de assistir a um jogo de futebol da seleção escocesa. De preferência numa competição continental onde também esteja a Inglaterra. Não se trata de ódio, já que é um sentimento demasiado primário para uma nação que atingiu níveis de civismo de primeiro mundo, mas um ressentimento que se traduz num desdém refinado, cortante, sempre pontilhado por piadas às quais é difícil de resistir. Um golo marcado contra a equipa dos três leões é uma carícia.

Recordei-me disto ao saber da morte de Alex Salmond, antigo primeiro-ministro da Escócia, um dos políticos mais importantes do «melhor pequeno país do mundo» deste século e com quem tive a sorte de me cruzar em Munique, nas horas que antecederam o jogo inicial do Euro 2024, frente à seleção da casa, para uma curta entrevista.

Não sei o que me impressionou mais: se o seu sorriso genuíno e bonacheirão ou a enorme popularidade junto dos conterrâneos, numa relação saudável entre eleitores e eleitos difícil de encontrar nos dias de hoje, sem tiques messiânicos mascarados de seitas. Personalidade fundamental do movimento independentista, responsável pela realização de um referendo em 2014 (55 por cento da população preferiu, ainda assim, a continuidade no Reino Unido), ao saber da nossa nacionalidade soltou imediatamente o tribuno que havia nele: «Nós queremos ser independentes, como vocês.» Não era a primeira vez, é comum escutar o mesmo de outros escoceses ou catalães: sabem que a história de Portugal é forjada na emancipação e o desporto tem a vantagem de sublimar sentimentos – principalmente num registo informal e hidratado com cerveja.

Nunca mais tive oportunidade de me cruzar com ele e confesso que tive pena dos escoceses depois de serem goleados pelos germânicos e mais tarde enviados para casa logo na fase de grupos. «Tenho muitos amigos em Portugal e fiquei contente por saber que vamos jogar com vocês daqui a uns meses», recordava Alex Salmond, referindo-se à Liga das Nações.

Naquele dia o político interrompia a campanha eleitoral para as legislativas de um reino ao qual não queria pertencer para assistir a um jogo de futebol. Neste sábado morreu após um discurso na Macedónia do Norte, outro dos emancipados, antes de a sua seleção defrontar a Croácia e perder de uma forma dramática, com um golo anulado em cima do apito final.

Ficaram por realizar alguns dos seus sonhos, inclusive aquela final com Portugal, mas permanece para sempre o carisma de alguém que liderou um partido durante 20 anos e cujo carisma se vislumbra à distância ou num simples «Olá, meu amigo português».