10 abril 2024, 09:20
«Multas têm de doer e suspensões têm de existir»
Para o advogado João Caiado Guerreiro, «única solução é punir os clubes» pelo comportamento antidesportivo dos seus adeptos, à semelhança do que ocorre internacionalmente
Conselho de Disciplina segue doutrina da UEFA e tem mão dura; Interpretação do Tribunal Arbitral do Desporto desresponsabiliza clubes de ações violentas de adeptos; Passo atrás na luta pela segurança nos estádios
Os vários órgãos que administram a justiça no futebol português têm uma visão muito diversa relativamente à responsabilidade dos clubes pelas práticas suscetíveis de sanção, imputáveis aos seus adeptos, durante os jogos. Para o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), em linha com o que a UEFA faz, se houver mau comportamento, nomeadamente arremesso de cadeiras ou artefactos pirotécnicos para o recinto de jogo, por parte dos adeptos de um clube, este deverá ser sancionado.
Nessa medida, o Benfica foi punido com uma multa de 12 mil euros na sequência do jogo que realizou no Bessa, e o FC Porto também foi condenado a pagar 10.200 euros, depois do Vizela-FC Porto da época passada. Em ambos os casos, os clubes recorreram para o TAD que, com um voto de vencido, lhes deu razão, apagando do mapa a decisão do CD da FPF.
10 abril 2024, 09:20
Para o advogado João Caiado Guerreiro, «única solução é punir os clubes» pelo comportamento antidesportivo dos seus adeptos, à semelhança do que ocorre internacionalmente
A questão que se coloca nesta divergência passa pela impossibilidade prática, na tese do TAD, de sancionar um clube se não houver uma identificação inequívoca de quem teve o comportamento punível, sendo ainda requerida prova do vínculo deste com o clube. Esta interpretação, fundamentada, e tomada por um órgão com legitimidade própria, torna praticamente impossível uma luta eficaz contra a violência nos estádios, deixando inúmeras infrações sem castigo, ao arrepio do que a UEFA (que formalmente não vincula órgãos de jurisdição nacional) tem por prática.
BOAVISTA-BENFICA
Valerá a pena ler a argumentação do TAD, que no caso do Boavista-Benfica afirmou: «Na ausência de qualquer menção concreta constante de tais relatórios no tocante aos presumíveis responsáveis pelos arremessos dos objetos que permita inferir, com razoável base de segurança, que tais adeptos eram simpatizantes do clube visitante, não poderemos chegar a tal conclusão apenas e tão só pelo facto de tais objetos terem sido arremessados de uma bancada reservada a adeptos do clube visitante. (…) Nenhuma prova se produziu que permitisse concluir que [o Benfica] não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o arremesso das referidas tochas e cadeira, existindo até uma contradição entre o facto de se dar como provado que [o Benfica] realiza ações de sensibilização e repudia esse tipo de comportamentos e a conclusão que depois daí se retira, qual seja a de que não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar esses comportamentos.»
Assim, foi dado como não provado que «os engenhos pirotécnicos e a cadeira indicados foram despoletados e arremessados por adeptos da equipa SL Benfica, assim identificados pelo facto de se situarem no sector da bancada ser exclusivamente destinado e ocupado por estes (Bancada Topo Norte)», pelo que o TAD decidiu «julgar o presente recurso totalmente procedente, e, consequentemente, revogar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CD da FPF, que havia condenado a Demandante pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 183º, n.º 2, do RD LPDP, em sanção de multa do montante de € 12.240,00.
10 abril 2024, 09:35
Advogado João Diogo Manteigas diz que o regulamento prevê a sanção dos clubes por comportamentos antidesportivos dos seus adeptos, mas que o máximo a fazer em tribunal é provar se a entidade punida fez o que estava ao seu alcance para prevenir atos
VOTO DE VENCIDO
Este acórdão, assinado pelo Presidente do Colégio Arbitral, Nuno Teodósio de Oliveira, teve o voto contra de Sérgio Castanheira, que se mostrou em sintonia com a interpretação do CD da FPF, ao afirmar que «o relatório do árbitro é claríssimo ao afirmar que quem procedeu ao arremesso dos engenhos pirotécnicos e da cadeira: foram os adeptos afetos à equipa visitante. A corroborar tal prova encontramos o relatório do delegado [que diz] que ‘uma das quatro tochas arremessadas às 21h08, da bancada Topo Norte, exclusivamente destinada a adeptos da equipa visitante, SL Benfica, caiu dentro do retângulo de jogo, numa altura em que o mesmo se encontrava interrompido, retardando o reinício do mesmo em 30 segundos. Não causou qualquer dano. (…) Um dos dois Potes de Fumo arremessados às 21h08, da bancada Topo Norte, exclusivamente destinada a adeptos da equipa visitante, SL Benfica, caiu dentro do retângulo de jogo, numa altura em que o mesmo se encontrava interrompido, retardando o reinício do mesmo em um minuto. Não causou qualquer dano. (…) Às 22h50, após a obtenção do terceiro golo da equipa visitada, Boavista FC, foi arremessada da bancada Topo Norte, exclusivamente destinada a adeptos da equipa visitante, SL Benfica, o tampo de uma cadeira que caiu dentro do retângulo de jogo’».
Sérgio Castanheira, na declaração de vencido, fez ainda questão de lembrar que «o TAD no âmbito do processo 67/2018, em tudo idêntico ao presente, postulou que ‘a hipótese (...) de indivíduo que se infiltre na claque de um clube com o qual antipatiza para praticar atos irregulares que responsabilizem esse clube constitui congeminação notoriamente inverosímil e ficcionada, tanta quanta a inverosimilhança e ficção de tais indivíduos não serem imediatamente identificados e expostos pela própria claque’».
Vai ainda mais longe quando conclui que «se os clubes não fossem sancionados pelos comportamentos dos seus adeptos mediante a aplicação de presunções judiciais, as medidas que visam combater a violência associada ao desporto nos recintos desportivos não passariam de meras intenções teóricas inexequíveis, comprometendo-se verdadeiramente o alcance dos tão proclamados objetivos».
VIZELA-FC PORTO
O FC Porto foi sancionado pelo CD da FPF em 10.200 euros, recorreu para o TAD, onde foi dado provimento à sua argumentação, nos seguintes termos, em tudo semelhantes ao que está plasmado no acórdão do Boavista-Benfica, assinado por Sónia Carneiro: «A responsabilidade do clube ou sociedade desportiva não pode ser imputada se existir dúvida razoável quanto aos efetivos autores dos comportamentos incorretos. Não estando a bancada adstrita a adeptos de um só clube ou sociedade desportiva, tem de ser afastada a presunção de responsabilidade do clube pelos atos praticados pelos adeptos. Não se tendo logrado provar que os arremessos foram efetuados por adeptos do FC Porto, não se pode considerar o incumprimento dos deveres, e em consequência a responsabilidade do FC Porto, nos termos do disposto no artigo 183.º, n.º 1, RDLPFP, pelos comportamentos, social ou desportivamente, incorretos daqueles adeptos. Da prova recolhida em sede de processo disciplinar e em sede arbitral não foi possível com segurança identificar que os adeptos autores dos arremessos com interferência no jogo fossem adeptos, sócios ou simpatizantes do FC Porto.»
OUTRO VOTO DE VENCIDO
Sérgio Castanheira voltou a remar contra a posição dominante no TAD, e deixou clara a sua posição: «Discordo da fundamentação vertida na decisão sobre a matéria de facto não provada, nomeadamente sobre quem terá deflagrado as tochas de fumo em causa nos presentes autos. O delegado da Liga fez constar no seu relatório o seguinte: ‘ao minuto 32, um grupo de adeptos afetos ao FC Porto, identificados pelos cachecóis, indumentária e cânticos, situados na Bancada Topo Sul Setor Superior, fora da ZCEAP, deflagraram 10 Tochas de Fumo. Foram arremessadas três tochas para dentro do retângulo de jogo, e uma tocha para o terreno de jogo, caindo junto à linha lateral, provocando uma interrupção de jogo de cerca de um minuto. Nenhum artefacto provocou danos’». Para Sérgio Castanheira, «o facto de na bancada topo sul superior estarem adeptos de ambos os clubes é completamente compatível com o que consta no relatório do delegado da Liga, isto é, que foi um grupo de adeptos afetos ao FC Porto, identificados pelos cachecóis, indumentária e cânticos que deflagraram as tochas de fumo».