ENTREVISTA A BOLA Renato Paiva revela antigo interesse na contratação de ex-jogadores da formação do Benfica
Paulo Bernardo e Tomás Araújo foram dois dos antigos jogadores que orientou na formação encarnada que ficaram debaixo de olho, contudo, possível abordagem estendeu-se a Daniel Bragança e Romário Baró; Guga e Chiquinho estiveram quase a ser reforços no León, mas a saída do clube mexicano fez cair o negócio
- Depois de Independiente del Valle, Club Léon e Bahia, o Toluca é o projeto onde sente que está mais bem preparado?
- Obviamente que sempre me senti preparado para os passos que dei, senão não os dava. Fui sempre muito consciente. Quando saí do Benfica, não estava preparado para treinar o Real Madrid, o Barcelona, nem o Liverpool ou o Chelsea. Eu sentia-me preparado para treinar o Independiente, depois senti-me preparado para treinar o Léon, depois o Bahia e hoje sinto-me preparado para treinar o Toluca. Sou muito consciente. Estive 18 anos na formação do Benfica, pacientemente. Estive seis anos nos sub-17, por exemplo, nunca tive pressa de sair, esperei pelo meu tempo e quero dar passos muito bem sustentados. Sinto-me muito bem preparado para treinar um clube da dimensão e exigência do Toluca, que joga para ganhar títulos e que tem uma grande massa por trás, que é o terceiro maior clube a nível de títulos do México e os resultados estão à vista.
- Neste seu percurso fora de Portugal tentou trazer algum dos seus pupilos para alguma das suas equipas?
- Já tentei. Tentei trazer alguns jogadores da formação do Benfica, do Sporting, do FC Porto. Porquê? Porque eu valorizo muito o trabalho que se faz em Portugal, já não é só os três grandes, pois o SC Braga e o V. Guimarães já têm pessoas a trabalhar muito bem na formação. Eu acho que um jogador bem formado vai dar menos trabalho a mim, em função da realidade que eu encontro na América do Sul e América Central, quando, a título de exemplo, tenho de explicar a centrais de 30 anos o que é os perfis e os apoios para controlar a profundidade da minha linha defensiva ou de não fazer o um contra um com apoios paralelos. Isto acontece com os defesas experientes cá, fruto da deficiência na sua formação. Como estava a dizer, já tentei, por isto ou aquilo ainda não foi possível, mas não vou deixar de tentar. Há uns quantos jovens que tenho debaixo de olho, em especial nos três grandes, que consoante a sua utilização- depois do Clausura, estamos com vontade de contratar- vamos ver se é possível que consiga algum desses meninos aí de Portugal.
- Não nos podia dizer um nome em concreto?
- Estive com os olhos no Paulo Bernardo, por exemplo. Só que na altura não foi possível e o próprio não quis sair. Estive com os olhos no Tomás Araújo, naquela altura em que o Benfica não o pretendeu libertar. Estive, também, com os olhos no Romário Baró, mas na altura o FC Porto não quis libertar. Portanto, andei ali a namorar o Daniel Bragança, sem ele saber e o Sporting saber. A estudá-lo para ver se era possível e de repente-ainda bem para o Daniel- ele deu uma cambalhota na sua carreira e começou a ser utilizado. Na altura, e sem eu me aperceber, estava com a carreira quase estagnada, essa é que é grande verdade. Outro nome foi o Guga. Ele já estava no Rio Ave e houve ali, no tempo do León, conversações que foram públicas, e com o Chiquinho, que está no Olympiacos, também. Se eu não saio do León, hoje eram jogadores aqui no México. Se não tenho saído… as coisas estavam-se a encaminhar para se fecharem. No meu aniversário, o André Horta fez-me uma chamada- porque a minha relação com o André e o Ricardo é quase familiar- e ele disse que tinha uma pessoa para falar comigo e era o Chiquinho. Estavam lá os dois, na Grécia, para me dar os parabéns. Tudo isto para recordar o caso do Guga, que, aliás, é um jogador que admiro bastante.
- Olhando o momento atual, podemos encontrar vários jogadores que, quer no plano nacional como internacional, têm estado em grande destaque nos seus clubes e tiveram o seu cunho ou passaram por si. Quando os vê a jogar dá-lhe orgulho ou sente uma responsabilidade acrescida para as coisas lhes corram bem?
- O maior mérito é deles. Ninguém faz o caminho de ninguém, mais que não seja o mérito em querer ouvir quem os ajudou e esse é o melhor deles todos. Humildes, a querer trabalhar, a querer aprender de vários treinadores, pois o Renato Paiva tem ali um bocadinho, como tem o Felipe Coelho, o Luís Araújo e outros vários que passaram pela sua formação. Obviamente que, desde que privei com eles, num certo e determinado momento da sua carreira, o seu crescimento deixa-me orgulhoso a mim e todas as pessoas que trabalharam comigo, porque não existe só o treinador, há uma equipa técnica, uma estrutura de futebol de formação do Benfica, que foi importantíssima nesse crescimento. Um treinador sozinho, sem aquela estrutura por trás, iria ter muitas dificuldades, logo existe um cem número de pessoas que têm de sentir orgulhosas pelo seu contributo, sejam mais ou menos visíveis. Quando me sento no sofá e os vejo a jogar ao mais alto nível, a ganhar Champions, a ganhar campeonatos e vê-los nas seleções, eu poder dizer que contribuí um coisinho de nada para aquilo, deixa-me muito satisfeito. Também me deixa satisfeito o meu telefone estar cheio de mensagens deles. Se ganhamos, se perdemos, se faço anos, se é fim de ano, Natal - mesmo uns mais que outros, é verdade -, esta coisa de não perdemos o rasto significa que os marquei muito e eles marcaram-me muito. Tu és treinador de formação durante 18 anos pensas que valeu muito a pena, faz-te sentido todo aquele trabalho, quando olhas para estes resultados. Em 2012, os campeões nacionais de juvenis foi o Benfica sub-17 e eu sei porque era o treinador, mas se fores a um adepto do Benfica, FC Porto ou Sporting ninguém se lembra. Contudo, se disseres que o Bernardo Silva foi formado no Benfica, o Rúben Dias foi formado no Benfica, o Cristiano Ronaldo foi formado no Sporting, isso é que fica do futebol de formação. Os títulos são muito bons, dão-te medalhas, currículo, é verdade, mas passado uns anos ninguém quer saber. Como eu sempre disse: o título na formação do Benfica acontece sempre que um jogador veste a camisola da equipa principal, começa a ir à Seleção Nacional e, a partir daí, faz uma carreira extraordinária, seja no Benfica, seja além-fronteiras.
-E no sentido inverso, quando um jogador não atinge o resultado que se espera dele procura tentar compreender o porquê ou se existe uma responsabilidade sua nesse acontecimento?
- Temos sempre. Não podemos ser só pais dos meninos bonitos, também existe meninos feios e nós também fomos pais deles. Não é por serem feios que deixamos de ser pais. Um treinador tem sempre uma forma que não chegou ao jogador. Depois, há a parte do jogador que não quis ouvir o treinador. Existe sempre um conjunto de situações. Tive vários casos. Existe um que eu digo sempre que é o André Carvalhas, o jogador mais talentoso que eu treinei e que teve uma carreira limitadíssima, ou mesmo o Miguel Rosa, que não chegou a um patamar altíssimo no futebol português, quando tinham muitas condições para isso. Nesta questão, o mais conhecido deles todos é o Fábio Paim, que era um terror jogar contra ele. Por isso, é que eu digo que aqueles que chegaram longe por causa do treinador A, B ou C não é verdade. Os Rúbens, os Bernardos, os Cancelos, os Renatos, os Iuris Ribeiros, os Gugas, os Tiagos Gouveia, os Hortas, por aí fora, é mérito deles, porque souberam ouvir, lutar, resistir a algumas coisas doces da vida, que um jogador não pode ter e que eles, enquanto jovens, por vezes, não têm força de vontade de contrariar.Eu sempre achei este frustrante um jogador dar com vários treinadores e quando chegava às minhas mãos não dá porquê? É sempre uma frustração para mim. Ou porque não consegui chegar, ou porque não gosta de mim, não houve química, alguma coisa aconteceu. Eu guardo esses na minha cabeça no mesmo nível de análise que um Bernardo, Félix, um Renato Sanches ou Rúben Dias, porque os que não atingiram o que se espera desafiam-me a melhorar. Depois, a sensibilidade de lidares com um jovem ajuda-te aquilo que é a tua própria formação, tendo consciência dos teus próprios passos, ou seja, quando chegas ao futebol profissional não podes tratar da mesma forma que um sub-15. Quando tu passaste por este percurso, tu estás a formar jogadores, mas, também, estás-te a formar como treinador.Atenção, isto não é a regra porque muitos treinadores foram campeões e fizeram carreiras extraordinárias sem treinar a formação. O Jorge Jesus é um exemplo disso e existe outros, mas eu reafirmo que é uma mais-valia extraordinária, e isto não quer dizer caso sejas treinador de formação e que chegues a ser um bom treinador de seniores ou de futebol profissional.