Via negra!...
Desfecho do e-Toupeira: se não estamos a bater no fundo já não faltará muito
FIZ anteontem sessenta anos de sócio do Sporting, isto é, 80 por cento da minha existência. Nada de especial num clube em que muitos têm tanto de vida como de sócios. Não me arrependo, nem por um minuto, daquele momento em que me fiz sócio na Rua do Passadiço. Já me arrependi, por diversas vezes, mas com muito pouca duração, de em 1980, ter iniciado uma carreira” paralela à advocacia, no dirigismo desportivo, particularmente, no Sporting Clube de Portugal. Ganhei muitos amigos, no clube e fora dele, e também alguns inimigos de estimação, que aliás saúdo porque, sem eles, a vida seria uma monotonia.
Também em 3 de Agosto passado completei 50 anos de advogado, e desses 66,66% da minha vida terrena não posso dizer que por vezes não me arrependa e, ultimamente, tenho-me arrependido muito, e muitas vezes, porque a justiça anda pelas ruas da amargura. Estou cansado de terminar alegações pedindo a justiça. Cansado porque peço uma coisa em que não acredito. E como eu milhares e milhares de cidadãos. Bem me dizia o meu Pai que, quando passasse, no direito, da teoria à prática, e conhecesse a Justiça, que confiasse na ilusão. E confiei demasiado tempo e demasiadas vezes.
Procurei na vida uma via verde que é não só a cor do meu clube, como a cor da esperança de um mundo melhor, de relações humanas equilibradas e claras, um mundo em que a justiça tivesse de facto os olhos vendados, para tratar todos em pé de igualdade, sem olhar a nomes ou a condições sociais. Um mundo da verdade, onde a mentira fosse punida com severidade.
Essa via verde da verdade e da justiça, esses dois mundos da justiça e do futebol, com os quais me comprometi em grande parte da minha vida, têm-se vindo a cruzar e encontram-se agora a seguir uma via obscura e sem qualquer tipo de transparência: uma via negra de verdadeiro terror.
Quando vimos o desfecho (ainda que não definitivo) do caso e-Toupeira e as reacções, e as não reacções, que o mesmo provoca ou devia provocar, sentimos que se não estamos a bater no fundo já não faltará muito.
Isto não tem a ver com clubes. Tem a ver com a cidadania e o Estado de Direito em que ainda alguns acreditam. Pensar que uns por iniciativa própria e outros a troco de umas pequenas mordomias penetram no sistema da justiça faz-nos interrogar sobre o que se não pode passar quando estão em causa milhões. A segurança de um sistema da justiça desta forma tão singelamente violada torna-nos a todos inseguros e põe-nos nas mãos de criminosos ou simplesmente de um vulgar voyeur.
Não resisto por isso, e em conclusão, a citar a opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha, num artigo intitulado Delírio e-Toupeira para totós, cuja leitura recomendo. O jornalista referido propõe-nos a seguinte reflexão: «Ponham de lado a clubite e exerçam a vossa cidadania ao olharem para este processo e-Toupeira. Um exemplo tenebroso de uma relação promíscua e perigosa entre um empregado de Estado e uma alta patente de um clube de futebol. Assustador.»
DOIS PAULOS E... DUAS MEDIDAS!
EU queria falar apenas num caso de mais uma podridão da sociedade em que vivemos, apenas como cidadão, por acaso advogado, e sem meter clubite pelo meio, porque actos deploráveis todos cometem, alguns dos quais nunca viremos a conhecer. Percebo, inclusivamente, o incómodo que certos assuntos provoquem em certas personalidades de elevado fervor benfiquista e que jamais seriam capazes de praticar os mesmos actos. Sei de alguns a quem estes acontecimentos causam mesmo sofrimento, e como eu os compreendo...
Porém, custa-me a aceitar que em vez de uma demarcação firme do comportamento condenável de alguém, aliviando assim a consciência, se procure esconder a dor comparando situações não comparáveis.
Na verdade, ripostar ao comunicado do Sporting, perfeitamente adequado no modo e no tempo, com outros acontecimentos em que o Sporting esteve envolvido, mas não comprometido, é a revelação da impotência para argumentar de uma forma intelectualmente honesta. Comparar com o caso cashball, que pôs o Sporting de fora, não parece correcto, para não falar do ridículo de misturar intromissões no Citius com acordos cíveis, normais no mundo dos negócios. Comparar o caso Paulo Gonçalves com o caso Paulo Pereira Cristóvão, no domínio da honestidade intelectual, só encontra um único ponto comum, em todos os seus aspectos - o nome dos arguidos: Paulo!
Na verdade, desde a primeira hora que o Sporting se demarcou do acto do seu vice-presidente, não admitindo sequer a suspensão de funções, mas a demissão imediata do cargo. E terminou a ligação ao clube, tendo sido expulso de sócio tempos mais tarde, apenas por motivos burocráticos ou de segurança jurídica. Tudo não ficou, de resto, pela demarcação, uma vez que houve um pedido cível procurando a responsabilidade civil do Sporting, mas a acção foi julgada improcedente. E uma sentença de um caso submetido a julgamento tem uma força, tem outro valor, que não tem um despacho que afasta a possibilidade de um julgamento. Mas esta é uma opinião pessoal, baseada numa convicção pessoal, ainda que partilhada por muita gente, que não comunga da ideia de puro voyeurismo por parte de Paulo Gonçalves!
Na verdade, o Sporting Clube de Portugal, por ocasião da expulsão de Paulo Pereira Cristóvão, emitiu um comunicado que rezava assim: «O Sporting Clube de Portugal informa que, em reunião realizada a 6 de Outubro de 2017, o Conselho Fiscal e Disciplinar decidiu, por unanimidade, expulsar o associado Paulo Pereira Cristóvão por violação dos Estatutos e inobservância de vários deveres a que todos os sócios estão obrigados, considerando, ainda para mais, o estatuto de utilidade pública da Instituição. Em causa estão, nomeadamente, a violação dos seguintes deveres: honrar o Clube e defender o seu nome e prestígio, zelar pela coesão interna do Clube, manter impecável comportamento moral de forma a não prejudicar os legítimos interesses do Sporting - designadamente, defendendo e zelando pelo património do Clube -, e, adicionalmente, e por ser, à época das infracções, órgão social, deveria cumprir e fazer cumprir os estatutos e exercer o respectivo cargo com a maior dedicação e exemplar conduta cívica e moral.»
Se os benfiquistas pensam que os casos de Paulo Pereira Cristóvão e Paulo Gonçalves são comparáveis não deviam exigir dos seus dirigentes uma tomada de posição pública semelhante à que o Sporting tomou então? Mesmo que Paulo Gonçalves tenha agido por conta própria, não acham que Paulo Gonçalves violou os estatutos do clube e não observou vários deveres a que todos os sócios estão obrigados, considerando, ainda para mais, o estatuto de utilidade pública da Instituição? Não estarão em causa, nomeadamente, a violação dos deveres de honrar o clube e defender o seu nome e prestígio, manter impecável comportamento moral de forma a não prejudicar os legítimos interesses do Benfica e de exercer o respectivo cargo com a maior dedicação e exemplar conduta cívica e moral?
ANALISTAS E COMENTARISTAS
ANALISTAS são aqueles que são versados em análises. Em análises das mais diversas matérias, que vão desde as análises clínicas às químicas, das políticas às desportivas, e, dentro destas, as análises às arbitragens.
Os comentaristas (ou comentadores) são os que produzem comentários ou críticas sobre aquilo que analisam ou constatam, isto é, que emitem opiniões sobre os factos que observam.
Os analistas de arbitragem, normalmente ex-árbitros, raramente são comentaristas, isto é, não emitem opinião sobre os erros que observam, mesmo quando os consideram evidentes e injustificáveis, sejam do árbitro ou do VAR!
De resto, o silêncio dos árbitros e ex-árbitros, analistas ou não, acerca dos erros semana a semana cometidos sem qualquer explicação, já tem sido qualificado por alguns comentadores como o silêncio dos cemitérios, o que me leva a pensar que, em vez de a arbitragem ser controlada pelo Conselho de Arbitragem e pela APAF, melhor seria que a sua gestão fosse entregue à Servilusa!
O meu guru das análises sobre os jogos de sábado e domingo, fez as seguintes análises técnicas - expressão usada para evitar qualquer opinião ou convicção sobre a razão do erro:«Bah chegou tarde ao lance e carregou Osmajic de forma tão desnecessária quanto evidente... Em sala para intervenção obrigatória. Pontapé de penálti por assinalar.» Se é tão evidente e era obrigatória a intervenção, por que é nem um nem outro intervieram?
«Depois de boas decisões em lances difíceis, faltou acerto no mais claro e evidente: a entrada de Pepe (de perna esticada, com a sola sobre a perna do adversário) só podia ter uma decisão: o vermelho directo por falta grosseira. Erro da responsabilidade conjunta de árbitro e videoárbitro.» Se só podia ter uma decisão, porque não houve essa decisão? Será apenas falta de óculos?
O problema é que tudo está nas mãos de árbitros e ex-árbitros, seja no Conselho de Arbitragem, na APAF e agora no VAR, atingindo mesmo a análise e o comentário na comunicação social.
Percebemos já todos que a liberdade de expressão e opinião, por isto ou por aquilo, começa a estar cada vez mais condicionada. Na política, porém, ainda há quem faça análise não fugindo ao comentário. Ainda há dias, ouvia Camilo Lourenço a analisar certas decisões e comportamentos do Governo e concluía com uma pergunta e um comentário: «Isto é um Governo? Não, é um bando de malfeitores!