Trabalhar mal vale milhões!

Direito ao golo é o espaço de opinião quinzenal do jurista João Caiado Guerreiro

Há algo poético em ser despedido e ganhar uma pipa de massa. No entanto, tal poesia não está ao alcance dos comuns mortais, como nós, amigo leitor. Poucos são os casos em que alguém é despedido por falta de capacidade e recebe uma indemnização milionária. Tal acontece, porém, a alguns treinadores de futebol ditos de topo.

A A BOLA organizou um ranking relativo aos despedimentos milionários dos últimos anos: 1.º, António Conte em 2019, 30 milhões de euros para deixar o Chelsea; 2.º, José Mourinho, €19,6 M para deixar o Manchester United; 3.º, o mesmo Mourinho, €18 milhões para deixar o Chelsea em 2007. Porém, o segundo lugar do português está em perigo porque se o Manchester United despedir Ten Hag pagará ao treinador 21 milhões de euros.

Há pouco tempo o United despediu 100 pessoas para poupar €10 milhões ao ano. Mas, para se livrar de um treinador que não obtém resultados vai ter de pagar mais do dobro. Injusto? Sim. Ilegal? Não. Na essência, os contratos de trabalho desportivos são iguais a todos os outros. Mas há especificidades. Muitas estão relacionadas com horários – trabalham quando os outros descansam. Com treinos: trabalham muito (os bons) e não recebem horas extraordinárias. Com performance e direito ao trabalho: não tem realmente direito a trabalhar, exceto nos treinos. Durante o jogo, há quem fique no banco e quem não seja sequer convocado! Tal não sucede aos outros trabalhadores: estes podem sempre, dentro dos horários, aceder ao local de trabalho, por exemplo.

E há mais: estão sujeitos a regras disciplinares que não são impostas pela lei nem pelo empregador. São impostas por um terceiro, a Liga ou a Federação de cada país, representada pelo árbitro. E podem mesmo implicar a expulsão, sem qualquer tipo de processo ou garantia, do local de trabalho, ou seja, um cartão vermelho!

O art.º 3, n.º 1, da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo diz logo que «as relações emergentes do contrato de trabalho desportivo (...) aplicam-se as regras aplicáveis ao contrato de trabalho», mas só «as que sejam compatíveis com a sua especificidade, tendo em conta as especificidades da modalidade desportiva».

E os litígios, como são resolvidos? Ao contrário dos outros contratos, que são discutidos nos Tribunais de Trabalho, do Estado, aqui a Justiça é semiprivada: prevê-se arbitragem entre as partes. E o contrato tem uma duração limitada a cinco épocas com um mínimo de uma época (artigo 9ª). Enquanto no mundo das relações laborais corriqueiras a lei portuguesa tenta prolongar os contratos, no mundo do desporto faz exatamente o contrário: permite contratos mais curtos e não permite contratos sem termo!

E Ten Hag? Ten Hag arranjou maneira de convencer o Manchester, mas não Alex Fergunson, que Ronaldo não fazia falta! Merecia sair como Ronaldo, sem indemnização. Ronaldo saiu porque quis sair, Ten Hag porque merece sair. Não vai ser assim: nos contratos de trabalho desportivo, bem negociados, é melhor ser despedido que trabalhar!

PS: O Direto ao Golo desta semana vai para o Benfica que goleou o Atlético de Madrid num jogo perfeito. Parabéns!