Opinião Sobre o dérbi: Borges e os labirintos fantásticos
Com meia semana de trabalho, o Sporting conseguiu apanhar o Benfica de surpresa. Quem sabe se o Rui não conseguirá mesmo perder o nome próprio?...
Não consigo ouvir falar em Borges sem pensar no Jorge Luís, o genial argentino, escritor, poeta, ensaísta — o Rui, novo treinador do Sporting, que me perdoe. Talvez um dia seja nele que penso se ouvir falar num Borges. Os treinadores são mais ou menos como escritores, à medida que ganham fama vão perdendo os nomes próprios, ficam só com os apelidos — de Camões a Mourinho, de Guardiola a Cervantes...
O Borges, o argentino, criava mundos fantásticos, cheios de labirintos metafísicos, tanto na poesia como na prosa. O Rui Borges, o sucessor de João Pereira, também conseguiu criar um labirinto fantástico que apanhou de surpresa Bruno Lage, no dérbi de ontem, com meia semana de trabalho.
O onze inicial deixava a dúvida de como o Sporting se iria apresentar — com quatro defesas, como aconteceu, ou com três centrais e Matheus Reis a ala esquerdo. A opção por fazer alinhar Eduardo Quaresma a lateral-direito, mas mais que isso a forma como a equipa se distribuiu em campo, deixaram o Benfica perdido.
Podemos escalpelizar o golo que decidiu o dérbi ao pormenor, do mau passe de Otamendi que originou o lançamento lateral ao facto de o Benfica ter sofrido um golo a partir dum lançamento lateral..., da má abordagem de Tomás Araújo à fuga de Gyokeres pela esquerda ao facto de Geny Catamo aparecer sozinho na área, com Álvaro Carreras (bem, a meu ver) a vir fechar ao meio mas nenhum médio das águias a compensar. Mas isso seria fugir ao essencial: o Sporting marcou nesse lance por acaso (e por erros alheios), mas por acaso não marcou em muitos outros. O que fica, para mim, é o banho de bola que deu ao Benfica nesses primeiros 45 minutos, conseguindo estender a equipa encarnada pelo campo todo e aproveitando as brechas que se abriam entre as linhas visitantes — sobretudo por Trincão, que se colocava entre defesas e médios das águias, e Hjulmand, que encontrava sempre espaço de frente para os médios encarnados.
Lage, apesar de já ter vivido coisa parecida contra o Borges, o Rui, há umas semanas, quando o Benfica se viu e desejou para ganhar ao Vitória de Guimarães na Luz, não só não estava preparado para aquele Sporting como demorou uma eternidade a reagir. O Benfica melhorou na segunda parte, sim, mas nunca foi tão bom como o Sporting foi na primeira.
Há dérbis assim, com um vencedor claro, inequívoco. Mas raramente com apenas três dias de trabalho...