Seleção: Tubarões, golfinhos, atuns e as respetivas circunstâncias
O caminho de Portugal até à final de Berlim. Foto IMAGO

Opinião Seleção: Tubarões, golfinhos, atuns e as respetivas circunstâncias

OPINIÃO26.06.202411:00

Portugal vê tubarões ao largo; em 2016 via mais golfinhos. Faz sentido comparar?

Há filósofos assim. Escrevem ou dizem coisas tão acertadas e assertivas que se torna impossível aos leigos não recorrerem a elas de quando em vez. Falamos, aqui, de Ortega y Gasset, que celebrizou a ideia (não necessariamente a frase) de que «um homem é um homem e a sua circunstância». E o que tem isto a ver com o Europeu?

Na realidade tem a ver com dois Europeus: o atual e o de 2016. Há oito anos, Portugal saiu da fase de grupos com o rabo meio metido entre as pernas, três empates, três pontos, um dos melhores terceiros. Quis a chave definida pela UEFA (não, não foi o destino) que essa posição lhe tenha dado uma espécie de caminho dos golfinhos até à final, por contraposição ao lago de tubarões que a França teve de atravessar incólume. O resto da história (a de 2016) sabemo-la.

O dito destino, na verdade chamado chave competitiva definida pela UEFA, determina agora que Portugal, já com o dobro dos pontos de 2016, a poder chegar ao triplo deles e com o primeiro lugar do grupo assegurado, tenha de mergulhar no tal lago cheio de predadores. Chama-se a isto a circunstância. Perante as circunstâncias de 2016, era perfeitamente possível ter perdido nos oitavos de final com a Croácia ou nos quartos de final frente à Polónia. Até nas meias-finais com Gales, embora aí menos provável. Porque Gales — e aqui entra o atum na história — era mesmo de um nível ou dois abaixo. Sim: fazendo uma escala de predadores, o tubarão lidera, o golfinho segue-o de perto e o atum, embora predador ao seu jeito, está longe do topo da cadeia alimentar (mas também sabe muito melhor do que os outros dois quando transformado em sashimi pelo maior predador da Terra).

Acontece que Portugal, de uma forma ou outra, ganhou todos esses jogos de 2016. Nas circunstâncias de 2024, vem pela frente um atum, Hungria ou Eslovénia. Depois, diz a lei das probabilidades, há enorme risco de apanhar dois tubarões dos maiores nas fases seguintes. Ainda que pelo meio haja golfinhos, que são fofinhos mas não deixam de ser predadores quando a oportunidade lhes surge.

Porque somos portugueses (julgo ser por isso), passamos a vida a achar que somos ou tubarões, quando o moral vai alto, ou atuns, quando o moral vai baixo. Isso de ser golfinho é de menos para a nossa intensidade a ver e sentir futebol.

Mas já agora vale a pena lembrar um detalhe: em 2016 o maior tubarão, a jogar em casa, foi derrotado por Portugal na final.