Para se entender o Sporting também se exige um curso de direito?

OPINIÃO07.06.201804:00

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) escreveu um dia para a imortalidade: Não, não é cansaço. É uma quantidade de desilusão, que se me entranha na espécie de pensar. A história recente do Sporting constitui para nós, sócios e adeptos, uma via-sacra interminável, em que cada episódio, à razão de mais do que um por dia, revoga, em alta, o que já era patológico na véspera e robustece, de forma aparentemente descontrolada, o processo autofágico de destruição em curso. Uma destruição de valor e de valores, empreendida a ritmo vertiginoso, que é publicitada a todas as horas, castigando-nos de maneira que seria totalmente impensável mesmo nos cenários mais tenebrosos nascidos das pitonisas mais pessimistas. Os órgãos sociais foram-se desfazendo. O Conselho Diretivo, na parte que dele resta, já anunciou que não se demitirá. O universo leonino, por seu lado, clama, numa raríssima vastidão e consenso, tal é a união de vozes, pela realização de eleições. Umas eleições que sejam um primeiro passo destinado a inverter este caminho suicidário. Mas, pelos vistos, apenas o tribunal poderá garantir que, finalmente, seja realizada uma assembleia-geral visando a destituição do CD e que espolete, caso essa destituição se concretize, o sequente processo eleitoral. No meio de toda esta confusão emerge um  ponto de discórdia, que tem ocupado os mais recentíssimos debates jurídicos: afinal o presidente da MAG está ou não em funções? A coisa tem o seu quê de bizarro, mas nada tem de bizantino. Decorre, da resposta a esta singela pergunta, um feixe de consequências cuja importância é vital. Ora como poderemos responder a esta questão? Nos termos dos Estatutos (socorro-me da versão que está no site do Sporting), a demissão do Presidente da Mesa opera-se mediante comunicação dirigida ao Presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar (artigo 39, número 1). Salvo lapso da minha parte, que seria derivado da impossibilidade de gerir e digerir as toneladas de informação diária com que somos bombardeados, nunca ninguém referiu ter tido conhecimento desta demissão, mormente o próprio Presidente da Mesa ou o Presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar. Mesmo no comunicado mais recente a que tive acesso, assinado por uma pitoresca comissão dita transitória da mesa da assembleia geral, se diz, basicamente, que o presidente da mesa se deve considerar fora das suas funções, por ser «absolutamente inquestionável que a Mesa da Assembleia Geral se demitiu em bloco, mediante renúncia, conforme anúncio público do Presidente daquele Órgão Estatutário em diversos órgãos da comunicação social.» E acrescenta o comunicado em apreço, mal se compreender «que o ex-Presidente da Mesa da Assembleia-Geral, queira agora dar o dito por não dito, procurando sustentar a tese de que é verdade que a Mesa da Assembleia Geral se Demitiu em bloco mas ele não». Parece, assim, considerar-se, que a renúncia se bastaria com uma declaração aos órgãos de comunicação social, liberalidade a que os Estatutos não dão guarida. A coisa está lá preto no branco. Não havendo renúncia dirigida ao órgão competente, não há renúncia. Não parece admissível uma interpretação mais atrevida, com base na qual se viesse a consignar que, a carta costumeira, com a qual estas coisas (as renúncias) se fazem, pudesse ser substituída por uma declaração televisiva, no pressuposto de que o presidente  do CFD estaria a assistir! Em resumo: não há conhecimento nem ciência de nenhuma renúncia digna desse nome, que haja sido dirigida pelo Presidente da MAG ao Presidente do CFD. A dita comissão acrescenta, de seguida, que a  renúncia não carece de aceitação, produzindo efeitos «logo que é conhecida», baseando-se, para tanto, no artigo 39, n.º 1 do Estatutos. Deveria querer convocar o número 2, que reza assim: «O efeito da renúncia não depende de aceitação e produz-se no último dia do mês seguinte àquele em que for apresentada, salvo se entretanto se proceder à substituição do renunciante.» A informação do comunicado é, salvo melhor opinião, inexata em duas vertentes (descontada a errada menção do número). Por uma lado a renúncia não produz efeitos logo que é conhecida. Os Estatutos não o dizem, nem esclarecem, por maioria de razão, quem teria de conhecer a dita renúncia, para que ela produzisse efeitos. Acresce que, no caso figurado como sendo o de renúncia de todos os membros da MAG (presidente incluído), aplicar-se-ia o número 3 do artigo 39 que preceitua: «Todavia, se a renúncia, individual ou colectiva, constituir causa da cessação do mandato da totalidade dos membros do órgão, a renúncia só produzirá efeito com a tomada de posse dos sucessores, salvo se entretanto for designada a comissão de gestão ou de fiscalização, ou ambas, nos termos dos presentes estatutos.»

Em resumo: se, como pretende o CD, todos os membros da MAG se tivessem demitido, ficariam em funções até à tomada de posse dos seus sucessores. Com efeito, como também se reconhece no comunicado em apreço, os Estatutos não preveem a designação de uma comissão de gestão ou de fiscalização em caso de renúncia universal dos membros da MAG. Por isso essa comissão nunca poderia ser designada nos termos dos Estatutos. Note-se, por ser importante, que também os Estatutos não se referem à gestão corrente do órgão, ao contrário do que se refere no comunicado. O artigo 37, n.º 3 é claro: os titulares dos órgãos mantém-se em funções até à tomada de posse dos seus sucessores, porque, insiste-se, os Estatutos não estipulam a criação de uma comissão que pegue nas competências do órgão em causa (a MAG), interrompendo o seu desempenho pós-renúncia. Torna-se, assim, muito difícil, sustentar algo diferente deste cenário alternativo: se não houve comunicação contendo a renúncia, dirigida ao Presidente do CFD, então o presidente da MAG está em funções; se, por outro lado, o Presidente da MAG tivesse renunciado, nos termos previstos nos Estatutos, então manter-se-ia em funções plenas até à tomada de posse de quem o viesse a substituir. Afirmar que vale uma renúncia apregoada nos media, equivaleria a defender que o atual presidente da MAG ainda estaria em funções, porque assim consta, neste dia em que escrevo, do elenco dos órgãos socais constante do site do Sporting.

NOTA FINAL

Gostaria de ter dedicado umas palavras a Jorge Jesus e a Rui Patrício. Ficarão para a próxima.