Peter Schmeichel «A minha primeira lembrança do Sporting é o caos»

Peter Schmeichel esteve em Lisboa para a SBC Summit 2024. No Sports Stage do evento, A BOLA entrevistou o antigo guarda-redes, campeão pelo Sporting em 1999/2000 e uma das grandes figuras do Manchester United. Na conversa, ocorrida no dia a seguir ao empate do ManUtd com o Twente e antes do Sporting-Estoril, o dinamarquês recordou o primeiro jogo oficial, nas Antas, os tempos de Sporting e ainda a atualidade dos clubes que marcaram a sua vida: Manchester United e Sporting.

Bem-vindo de volta a Lisboa. Há 25 anos, o Peter chegou a Lisboa para jogar no Sporting. Mas, na verdade, já tinha estado no país e o seu primeiro jogo como profissional até foi em Portugal. Quais são as suas lembranças disso?
Isso foi, obviamente, um momento muito grande para mim. Até essa altura, eu era semiprofissional. O futebol profissional estava a começar na Dinamarca. Assinei pelo Brondy e, no dia em que meu filho nasceu, a 5 de novembro, eles qualificaram-se para os quartos-de-final daquilo que nós conhecemos hoje como a Champions League. Eu soube, naquele dia, que o meu primeiro jogo seria nos quartos-de-final na Taça dos Campeões Europeu. Falando sobre começar logo em grande…E nós calhámos com o FC Porto. Jogámos primeiro fora no Porto e, obviamente, em Copenhaga no segundo jogo. Nós perdemos o primeiro jogo por 1-0 e empatámos 1-1 em Copenhaga. Foi renhido. O FC Porto conseguiu ganhar a Taça dos Campeões. Olhando para trás, não era difícil ser derrotado por eles. Mas foi interessante, porque na equipa contra a qual jogámos estava o Augusto Inácio, que viria a ser o meu treinador em Lisboa. Jogou na lateral esquerda.

Antes de entrarmos no futebol, quantas vezes visita Lisboa? Disse-me há alguns minutos, nos bastidores, que gostaria de morar aqui.Eu já tinha estado aqui algumas vezes antes, e quando a oportunidade de jogar no Sporting, em Lisboa apareceu, vim para ver se era ainda tão bom quanto eu pensava. Apaixonei-me pelo lugar e decidi ficar. Eu adoraria morar cá, o único problema, agora, para mim é que Portugal é na cauda da Europa, e a forma como eu trabalho, em que viajo muito, onde eu estou agora, funciona muito bem. Consigo encurtar distâncias. Aqui, teria de passar muito mais tempo em viagens, então isso não vai funcionar para mim. Mas a minha esposa e eu falamos bastante sobre isso, e talvez um dia eu venha aqui e fique.

Falando em futebol, quais são as suas primeiras lembranças do Sporting? Sei que ainda está em contato com alguns dos colegas de equipa que teve no Sporting, mas quais são as suas primeiras lembranças do clube?
A minha primeira lembrança do Sporting é o caos. Absoluto caos. Querer fazer muita coisa, mas não fazê-la da maneira certa. Lembro-me da frase que foi usada no meu primeiro encontro com o presidente, que é que “queremos ser profissionais”. A forma que acharam para isso foi ter pessoas que eles achavam que eram profissionais. E foi um caos. Foi tão diferente do que eu estava acostumado… E isso durou quatro jogos. Depois, a estrutura do futebol, incluindo treinador, foram todos embora. Luís Duque entrou, tomou o controlo e Augusto Inácio entrou como treinador. E desde aquele momento, foi absolutamente fantástico. E eu diverti-me mesmo, mesmo muito. Fui embora após dois anos e houve muitas razões por isso. Uma delas foi o novo centro de estágios, que era demasiado longe [Schmeichel vivia em Birre, Cascais]. Demorar uma hora e meia, cada manhã, para chegar lá. Isso foi uma grande coisa para mim. E depois sentia falta de jogar em Inglaterra.

Foi campeão com o Sporting, logo após ganhar o Treble [Campeonato, Taça e Liga dos Campeões] com o Man United. O Peter ganhou muitos títulos, mas onde coloca o que venceu com o Sporting, na sua hierarquia?
No início, não pensava que isso ia acontecer. Lembro-me que demorou muitas, muitas horas para se conseguir assinar o contrato. Lá para as três da manhã, finalmente, conseguimos. Nós insistimos que cada palavra tinha de ter a tradução certa, do português para o inglês. E foi um dia doloroso. Estávamos muito cansados. E no final assinámos. Eu queria voltar para o hotel. E o Janela, o Carlos Janela [diretor do futebol leonino], disse que havia uma conferência de imprensa. Abrimos a porta e estava cheio de jornalistas. As primeiras palavras dele foram: “Contratámos o Peter Schmeichel e agora vamos ganhar o campeonato.” E eu, às três da manhã, a pensar: “Uau, isso é uma grande afirmação”. E, claro, com o que aconteceu, nas primeiras cinco ou seis semanas, eu não acreditava que era possível. Mas foi. E por causa do modo que aconteceu, por causa de como certos jogadores, de repente, certos jogadores que nem sequer estavam a treinar connosco ou no clube quando começámos a época, alguns a jogar numa segunda equipa, longe da primeira equipa e voltaram. Jogadores como Vidigal, Duscher, todos esses tipos e, de repente, tínhamos uma equipa fantástica. E é realmente muito divertido ganhar. Os sportinguistas não venciam o campeonato há 18 anos e ser parte da equipa que, finalmente, ganhou, foi absolutamente fantástico. O nosso último jogo foi no Porto, contra o Salgueiros. Foi um jogo à noite, e nós ganhámos, sagramo-nos campeões, e depois, obviamente, voltámos para Lisboa. E voltamos para a cidade, no meio da noite, direto para o estádio, e estava cheio. Eu acho que... Até hoje, eu não sei quantas pessoas... O estádio estava cheio, eles diziam 40, às vezes 50 mil. Eu acho que, naquele dia, havia 80 mil. Estava cheio. E essa é uma das maiores lembranças que eu tenho do futebol, alcançar algo que significou muito para as pessoas, que mantiveram seus filhos acordados, e, às 3, 4 da manhã, irem ao estádio para celebrar. Foi um momento fantástico.

O Sporting está em um momento diferente agora, são campeões, ganharam 2 títulos na Liga, em 4 anos. Ainda segue o clube, os resultados, como vê a equipa?
Como disse, tive um bom tempo aqui, e eu cresci a amar o clube, cresci a amar as pessoas em meu redor, e muitos dos colegas com que eu joguei continuaram a trabalhar no Sporting. Mantive o contato com eles, mantive o contato com o clube. Não estou cá regularmente para ser uma parte importante do clube, mas sigo os resultados, e, claro, o que estão a fazer agora é incrível. Jogam muito bom futebol. E é, claro, com ajuda dos meus compatriotas dinamarqueses. É só trazer jogadores da Dinamarca e tudo correrá bem.