Os novos jovens
A evolução produziu supermáquinas capazes de prolongar a longevidade. A elite do futebol é dominada pelos ‘trintões’
Oprémio The Best da FIFA consagrou de novo Lionel Messi como o melhor jogador do mundo mas voltou também a sublimar a longevidade. Nunca na história do futebol houve tantos futebolistas de elite que atingissem idade tão avançada, o que diz bastante sobre o desenvolvimento (nalguns casos uma revolução) de especialidades de apoio ao jogo e ao jogador.
O eterno Pepe, que recentemente completou 40 anos, recordava por exemplo na Web Summit em 2020 que «se antigamente preparador físico era o mau da fita, hoje é o maior aliado» dos futebolistas, que também foram mudando a mentalidade a respeito da importância do que se faz fora do campo.
Foi há 10 anos que o pódio dos prémios individuais mais importantes do planeta (Bola de Ouro e The Best) teve jogadores abaixo dos 30 anos pela última vez (Messi, 25 anos; Ronaldo, 28 anos; Iniesta, 28 anos). Posteriormente (muito por culpa de CR7 e Messi, mas não só) a discussão sobre quem era o melhor do mundo incidiu sempre em trintões com pernas de jovens de 20 anos. Se analisarmos a lista dos 10 melhores da última edição da Bola de Ouro e as idades que os protagonistas tinham no final do ano em questão (2022), apenas três estão abaixo dos 30: Mbappé, 24 anos; Haaland, 22; Vinícius Júnior, 22. O resto da nata é composta pela experiência: Benzema, 34 anos; Sadio Mané, 30; De Bruyne, 30; Lewandowski, 33; Salah, 30; Courtois, 30; Modric, 37.
A relevância dos mais velhos foi avassaladora também no que diz respeito à capacidade goleadora: na época passada, quatro das cinco melhores ligas europeias terminaram com jogadores acima dos 30 anos como melhores marcadores: Benzema (34 anos) em Espanha (e Yago Aspas, de 33 em segundo), Salah (30 anos) em Inglaterra (Son, de 30 e Cristiano Ronaldo, de 37, completaram o pódio), Lewandowski (33) na Alemanha e Immobile (32) em Itália. Apenas a França fugiu à regra por causa de um fenómeno chamado Kylian Mbappé - mesmo assim, o segundo classificado foi Ben Yedder, de 32 anos.
Está bom de ver que o que antigamente era a exceção começa a transformar-se em regra. Há uns anos olhávamos para as carreiras longas de futebolistas como Giggs, Maldini, Costacurta, Totti ou Luca Toni como casos esporádicos (não por acaso, Itália abraçava a veterania graças à mentalidade que preserva a idade mas também ao futebol conservador que privilegia a contenção e a experiência tática) como casos à parte, mas é cada vez mais recorrente mudarmos de canal e vermos os grandes campeonatos, as grandes competições europeias e até um Campeonato do Mundo (no Catar foram 15 os jogadores com mais de 37 anos presentes) com craques a quem muitos de nós não adivinhávamos uma tão prolongada estadia nos andares de cima da glória contemporânea. Quem imaginava, por exemplo, que Modric que chegou ao Real Madrid de José Mourinho em 2012 estaria, 10 anos depois, aos 37, a correr em Anfield como um puro sangue? Quem imaginava que os melhores anos de Benzema seriam depois dos 30? Que Giroud ainda se mantenha como titular da vice-campeã do mundo aos 36 anos? Que Ibrahimovic ainda tente dar mais um pontapé no envelhecimento e ressurja em capo, aos 41 anos, oito meses depois de debelar a segunda lesão grave num joelho no espaço de três anos?
Esta tendência parece que veio para ficar e o próximo passo será a democratização dos cuidados para os jogadores da classe média - nem todos os futebolistas e clubes podem pagar milhares de euros (se não milhões) em equipamentos e equipas multidisciplinares. Mas já se pode dizer que talvez seja a hora de olhar para o BI de um jogador com uma outra perspetiva, admitindo que os 30 anos de hoje já não correspondem aos de há uma década.
Quando procuramos encontrar explicações para as mudanças no futebol, este é um bom ponto de partida: a indústria conseguiu produzir supermáquinas capazes de elevar o jogo a níveis impensáveis de velocidade e intensidade. Se um jovem de 35 anos enche um campo como nunca, um imberbe de 25 é um touro indomável. É discutível se hoje se joga melhor, mas é garantido que se joga muito mais.