Pontapé de Estugarda O TVG ambulante diz-nos um pouco de uma sociedade
Ultrapassada a barreira dos 2500 km, umas ideias preliminares
Quando terminar o dia já teremos dobrado a fasquia dos 2500 quilómetros. E a média vai subir. É o normal quando se faz a cobertura de provas desta duração em países desta dimensão (grandes, mas não tão grandes que obriguem sempre a viagens de avião). Por isso ainda hoje muitos jornalistas experientes me falem do Euro 2004 com saudade: Portugal tem a dimensão adequada para mitigar o desgaste que se vai acumulando nas costas e na mente mas ao mesmo tempo a diversidade certa para criar o encanto de quem o visita ou tenta escrever sobre ele – ainda esta semana um repórter inglês me falava com nostalgia de Coimbra.
Mas passar tanto tempo no carro e na estrada permite-me entender como se pensa em alemão: as vias de circulação podem dizer mais do que se pensa sobre uma sociedade. Não haver limite de velocidade nas autoestradas, por exemplo, é dar responsabilidade individual ao cidadão, mas só depois de assegurados os pressupostos certos: automóveis de qualidade (resultado de alto poder de compra) e boas estradas. Mas não só: há uma questão prática que procura a eficiência — quanto menos tempo se passa em longas distâncias, mais sobra para outras coisas. É uma espécie de TVG ambulante, mas cujo horário é definido por quem o usa. O culto do automóvel é normal e compreensível num país que é um dos principais fabricantes do mundo.
Depois, a tecnologia: ao longo de 300 quilómetros os limites podem variar dos 80 km/h ao prego a fundo, mas a sinalética nem sempre é visível. A informação surge, por sua vez, nos painéis eletrónicos dos carros, mesmo os de gama mais baixa. E até mesmo a previsão de duração nas aplicações GPS é feita segundo o princípio da velocidade elevada: se num trajeto de 200 quilómetros 70 por cento for feito em zonas sem limitação, a média é colocada para uns 160 km/h; se nos deslocarmos abaixo disso, é seguro que vamos chegar mais tarde do que o previsto.
Finalmente, o comportamento: os alemães são uns aceleras mas o conceito de cidadania é elevado. Ainda não vi sinais de luzes (nem daqueles que se deslocam a 200 km/h), mudança brusca de faixa ou camiões (e são tantos) noutra via que não a direita. Tudo está ligado ao princípio inicial: se a margem de manobra e liberdade é maior, menor é a tendência para prevaricar. Isto não é só válido para a estrada.