O tiro!

OPINIÃO06.03.202003:00

Parece haver apenas uma certeza na chegada de Rúben Amorim ao Sporting - a de que ele é, realmente, o último tiro do presidente Frederico Varandas. A circunstância que levou o líder dos leões a fazer o investimento financeiro que fez para tirar Rúben Amorim ao Sporting de Braga dá-lhe, porventura, o mais promissor dos jovens treinadores portugueses, mas também lhe tira o que lhe resta de margem de manobra. Já não é o futuro do Sporting que está nas mãos de Varandas, mas o futuro de Varandas que está, agora, involuntariamente, nas mãos de Rúben Amorim.

A conclusão parece, pois, relativamente simples: se a aposta for bem sucedida, foi um tiro em cheio; caso contrário, será o fim da linha. Para o presidente, claro!

Creio, em todo o caso, que a pergunta que deve fazer-se talvez não seja se Rúben Amorim é o treinador certo para o Sporting, mas se o problema do Sporting é realmente o treinador. Provavelmente, não é. Ou, no mínimo, não será o maior dos problemas.

Nesse sentido, talvez mais do que perguntar o que pode Rúben Amorim fazer pelo Sporting, pergunt-se o que pode o Sporting fazer por Rúben Amorim? Como disse Silas, o antecessor, «Amorim vai precisar da muita ajuda de todos!».

HÁ, inevitavelmente, duas maneiras de olhar para a contratação do novo treinador leonino, mes consierando toda a controvérsia gerada:

- é um péssimo ato de gestão pelo que custa;

- é sensacional aposta desportiva pelo potencial que Rúben mostra, para já, ter.

Rúben Amorim é, em 2020, a surpresa que foi Bruno Lage há um ano. A diferença é que Rúben Amorim não fez o que fez no Benfica mas sim num clube de dimensão inferior, e, ao contrário de Lage, ainda está na fase de ascensão e, portanto, não gera ainda qualquer tipo de desconfiança.

Assim de repente, parece ter tudo para vir a ser um grande treinador: revela conhecimento, tem discurso de líder e dá a ideia de conseguir entrar na cabeça dos jogadores. Tudo traços essenciais no perfil do treinador que se deseja para uma equipa grande.

Talvez não por acaso foi um dos jogadores que mais anos trabalhou com o treinador Jorge Jesus (se somarmos o tempo de Belenenses e Benfica) e, diz quem melhor o conhece, que bebeu muito do que Jesus é como fantástico treinador que é, e que, além disso, anda há muito a preparar-se para os maiores desafios.

Insisto no que me parece: para se ser grande treinador não chega ter o melhor conhecimento. Há, depois, o resto. E o resto, ou se tem ou não se tem. O resto é a sensibilidade, a intuição, a liderança, a comunicação, e a capacidade de tocar emocionalmente os jogadores.

Podem, na verdade, os aspirantes a treinadores pagar os melhor cursos, gastar dinheiro nos melhores estágios e a viajar pelo mundo para observar o trabalho nos melhores clubes. No fim, o que verdadeiramente conta é se têm ou não têm o que faz verdadeiramente a diferença. Que me perdoem os mais conservadores, mas creio que Rúben Amorim tem.

Como tinha José Mourinho quando o Benfica apostou nele; e Paulo Bento quando o Sporting o lançou; e Jorge Jesus quando o Benfica o foi buscar, então, também a Braga; e Andre Vilas Boas ou Sérgio Conceição quando o FC Porto lhes abriu a porta. Todos eles têm o que diferencia os treinadores especiais de todos os outros. E isso não se aprende.  

CLARO que acreditará Frederico Varandas que Rúben Amorim é o treinador certo para o projeto, como ontem voltou a dizer no momento em que o apresentou oficialmente. Mas também o disse quando contratou Kaizer, quando escolheu Leonel Pontes e quando elegeu Jorge Silas. A conversa foi, pois, sempre a mesma.

Talvez a diferença esteja, finalmente, no escolhido. É uma loucura pagar dez milhões de euros por um treinador. É, claro que é. mais ainda se o clube que paga é o Sporting (no estado em que se sabe que está) e se o treinador por quem se paga tem dois meses apenas  de carreira na Primeira Liga.

Dito isso, não resta a Varandas outra coisa se não acreditar mesmo muito que Rúben Amorim é o treinador certo. Resta apenas saber para que projeto. Se para o mesmo? Ou se para um novo?

SE a liderança do Sporting mantiver o mesmo tipo de filosofia, com a escolha avulsa de jogadores e treinadores, a procura de nomes vistosos mesmo perante as profundas dificuldades financeiras do clube e a tomada de medidas apenas conjunturais que podem aliviar as dores de cabeça mas não as curam, então Rúben Amorim vai ter os mesmos problemas que tiveram todos os seus antecessores e, previsivelmente, as mesmas dificuldades, e a sua contratação será, inevitavelmente vista como mais uma medida populista e demagógica como muitas das medidas que costumam tomar-se em circunstâncias semelhantes.

Não é essa, certamente, a expectativa. Não pode ser essa a expectativa.

Disse o presidente do Sporting que a chegada de Rúben Amorim mudará também o paradigma do futebol leonino. É isso que todos esperam, enquanto esperam por ver o que isso significa.

Fez-me a promessa de Varandas recordar  a última vez que o Sporting mudou realmente de paradigma, quando, em 2005, apostou igualmente num jovem treinador sem qualquer experiência de Primeira Liga e lhe pediu que trabalhasse com uma base feita com a prata da casa. Aconteceu com Paulo Bento, então com 36 anos (mais um apenas do que tem hoje Rúben Amorim).

PAULO BENTO tinha acabado de ser campeão nos juniores dos leões quando foi desafiado a aceitar trazer para a primeira equipa do Sporting o tal novo paradigma, que se traduziria na chegada à linha da frente de jovens jogadores como Rui Patrício, Miguel Veloso, Pereirinha, Yannick Djaló, Adrien ou João Moutinho - que teve primeira aparição com José Peseiro, mas que se afirmou com Paulo Bento - para dar início a um verdadeiro novo capítulo, que levaria inclusivamente a equipa leonina a conseguir, por exemplo, discutir, palmo a palmo, com o FC Porto, o título  até á última jornada do campeonato de 2006/07.

Paulo Bento conseguiu, por quatro épocas consecutivas (de 2005/06 a 2008/2009), o 2º lugar no campeonato (sempre atrás do então muito poderoso dragão) e a qualificação sucessiva para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Não foi campeão, pois não, mas desde 2002, quantos treinadores não conseguiram ser campeões no Sporting e ficaram, no fim, bastante mais longe dos resultados conseguidos por Paulo Bento?

O que falta saber é se tem ou não o presidente do Sporting uma nova estratégia para o futebol, através da qual possa enquadrar a opção pelo mais caro dos treinadores na história do futebol português, e isso saberemos dentro de poucos meses.

Se tiver, se mostrar uma nova estratégia e repensar o futebol profissional do clube - apostando, ou recuperando, porventura, gente que sinta verdadeiramente o Sporting -, e pela tentativa, por exemplo, de fazer regressar alguns jogadores formados em Alcochete, e pela procura de negociar e rentabilizar jogadores como Acuña, Coates ou Bataglia, não apenas para fazer dinheiro mas também para eliminar de vez algumas das últimas feridas, diria, que resultaram da triste e lamentável invasão de Alcochete (feridas que tanto afetam clube como jogadores), então talvez possa o leão esquecer o passado, resolver as fracturas, unir o povo leonino e começar na realidade algo de verdadeiramente novo.

Se, por outro lado, a liderança leonina não resistir ao discurso populista e desatar a prometer a imediata luta pelo título - com a demagogia e o irrealismo que isso implica -, e continuar a preocupar-se mais com a galinha do vizinho do que em cuidar genuinamente da sua, então Rúben Amorim acabará por se tornar numa vítima mais do desespero e desnorte de um clube que anda há quase vinte anos muito mais obcecado com as questões conjunturais do que com as estruturais e tem pago demasiado caro por isso.

Se assim for, então terá o Sporting gasto mais dez milhões de euros para trocar, não apenas de treinador, mas, também, de presidente!

PELO caminho, fica ainda, pelo menos, mais um lamentável e infeliz episódio em todo este processo de substituição de treinador em Alvalade, pela forma como acabou por ser feito o anúncio público da mudança.

Alguém imaginaria que seria o próprio Silas a confirmar a chegada de Rúben Amorim ao mesmo tempo que dizia adeus ao banco leonino? Inacreditável!

NA verdade, é impossível não concordar com o presidente do Sporting de Braga quando diz que os regulamentos da Liga devem passar a impedir qualquer clube de tirar o treinador a um clube concorrente em plena competição- no caso, o Sporting conseguiu tirar o treinador ao adversário mais direto na presenta edição da Liga.

Ouvindo o presidente do Sporting de Braga até parece, porém, que os regulamentos da Liga são feitos por gente estranha aos clubes. E é isso que não se compreende: como podem os clubes da Liga aprovar regulamentos que acabam por ser revelar, afinal, contra muitos dos seus próprios interesses?

Alguém explica isso?

FICOU ontem a conhecer-se o castigo que a Liga francesa decidiu aplicar ao internacional portugu~es do Mónaco, Gelson Martins, por ter dado, por duas vezes, empurrão ao árbitro do jogo da equipa monegasca com o Nimes, no início de fevereiro. Gelson acabaria expulso do jogo, suspenso preventivamente e, agora, castigado, por fim, com seis meses sem poder jogar.

Gelson fez o que em nenhuma circunstância algum jogador pode fazer. Pediu, naturalmente, desculpa, mostrou, como não podia deixar de fazer, o esperado arrependimento, e vai ter, agora, tempo suficiente para refletir muito bem no que fez.

Cometeu o erro, pagará por isso, e todos devemos desejar que aproveite para se tornar num jogador mentalmente muito mais forte e mais capaz de chegar onde todos estamos à espera que chegue desde que decidiu deixar o Sporting.

Gelson Martins, 24 anos, é ainda muito jovem e precisa agora de muito apoio. Gelson precisa do futebol mas o futebol (português) também precisa de Gelson.