O regresso aos estádios e (mais) agressões
Violência nos campos de futebol continua, infelizmente, a suceder

O regresso aos estádios e (mais) agressões

OPINIÃO25.03.202507:25

O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro e atual comentador de arbitragem

1 — No domingo voltei a ver um jogo ao vivo, algo que não acontecia desde 2018, quando assisti ao Vitória FC-Sporting da final da Taça da Liga. Naturalmente que há razões para isso só ter acontecido duas vezes desde que terminei a carreira.

A primeira foi por opção profissional. Como sabem, analiso arbitragens de FC Porto, Benfica e Sporting, o mesmo se aplicando às partidas da Seleção Nacional. Ora esse compromisso obriga-me a basear o trabalho em imagens televisivas, o que só acontece em ambientes propícios à máxima concentração.

A segunda é por sensatez. Por incrível que pareça, ainda não é seguro a um árbitro ou ex-árbitro irem a estádios, sobretudo em jogos onde estejam muitos adeptos. Há sempre o risco de alguém mais exaltado dizer (ou fazer) o que não quer ou contagiar outros no mesmo sentido. Há sempre o risco de levar uma cuspidela na cara, um empurrão sem querer, um coro de insultos ou um chega para lá, ao jeito de pequena agressão disfarçada de encontrão casual.

O futebol é para todos, menos para quem optou pela arbitragem. Esse atrevimento raramente é perdoado pela franja de gente mais delirante ou predisposta ao conflito. É precisamente para evitar cenários constrangedores que escolho não fazer o que tanto gosto. Naturalmente que em muitas situações, na maioria até, ir à bola é seguro, mas enquanto existir a probabilidade de algo correr mal, escolho não me sujeitar (nem sujeitar os meus) a essa provação. 

2 — Lembram-se de na semana passada ter regressado ao tema das agressões a árbitros? Nem sete dias passaram para o cenário repetir-se com gravidade, em vários pontos do país.

Penso que está na altura de ser ainda mais claro nesta matéria: quem bate ou tenta bater, quem magoa ou tenta magoar, quem coage, insulta e ameaça recorrentemente terceiros, nunca mais devia pôr um pé que fosse num campo, pavilhão, ringue ou pista. Para grandes males, grandes remédios. Banimento definitivo, sem apelo nem agravo. Infelizmente a nossa Constituição não permite sanções vitalícias. Felizmente permite temporárias e longas. Infelizmente raramente há coragem institucional para as aplicar com celeridade e pujança. E é porque a maioria das sanções são inferiores ao expectável que muitos desses bárbaros, ora mascarados de adeptos, ora de outra coisa qualquer, continuam a regressar aos recintos desportivos.

O que aconteceu este fim de semana em vários recintos foi mais uma vez inenarrável e devia merecer forte repressão. Em vez disso, temos jogadores/agressores a dizerem «eu não agredi ninguém, porque tentativa de agressão não é agressão» e presidentes de clubes a justificarem cenas de pancadaria horríveis com um surreal: «A culpa foi das arbitragens desastrosas.» É melhor rir para não chorar. E é aqui, neste cenário de comédia barata e desculpabilização apalhaçada que esta gente se passeia por aí, sem vergonha nenhuma na cara.

A arbitragem, as associações de futebol, a FPF, a Liga, as autarquias, as escolas e sobretudo os clubes têm o dever e a obrigação moral de educarem as suas pessoas com ações de sensibilização constantes. Quem cria leis civis e quem propõe regulamentação desportiva devia estar obrigado a proteger todos os agentes desportivos, prevendo penas excecionais para quem repetidamente colocasse em causa a sua segurança física.

Por enquanto este continua a ser um problema chato, mas apenas isso. Alguns (nem todos) condenam, aqui e ali há revolta verbal e apelos à serenidade, mas ninguém prioriza, ninguém dá a atenção devida, ninguém se assume a sério, ninguém grita «Basta!!!!» E na verdade, basta.

Não consigo aceitar que o meu futebol, o meu país, ainda não tenham conseguido mitigar este flagelo que ameaça uma das mais nobres atividades que temos.