11 março 2025, 10:25
Como se combate a intolerância no desporto?
O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro e atual comentador de arbitragem
O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro e atual comentador de arbitragem
1 — No domingo voltei a ver um jogo ao vivo, algo que não acontecia desde 2018, quando assisti ao Vitória FC-Sporting da final da Taça da Liga. Naturalmente que há razões para isso só ter acontecido duas vezes desde que terminei a carreira.
A primeira foi por opção profissional. Como sabem, analiso arbitragens de FC Porto, Benfica e Sporting, o mesmo se aplicando às partidas da Seleção Nacional. Ora esse compromisso obriga-me a basear o trabalho em imagens televisivas, o que só acontece em ambientes propícios à máxima concentração.
A segunda é por sensatez. Por incrível que pareça, ainda não é seguro a um árbitro ou ex-árbitro irem a estádios, sobretudo em jogos onde estejam muitos adeptos. Há sempre o risco de alguém mais exaltado dizer (ou fazer) o que não quer ou contagiar outros no mesmo sentido. Há sempre o risco de levar uma cuspidela na cara, um empurrão sem querer, um coro de insultos ou um chega para lá, ao jeito de pequena agressão disfarçada de encontrão casual.
11 março 2025, 10:25
O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro e atual comentador de arbitragem
O futebol é para todos, menos para quem optou pela arbitragem. Esse atrevimento raramente é perdoado pela franja de gente mais delirante ou predisposta ao conflito. É precisamente para evitar cenários constrangedores que escolho não fazer o que tanto gosto. Naturalmente que em muitas situações, na maioria até, ir à bola é seguro, mas enquanto existir a probabilidade de algo correr mal, escolho não me sujeitar (nem sujeitar os meus) a essa provação.
2 — Lembram-se de na semana passada ter regressado ao tema das agressões a árbitros? Nem sete dias passaram para o cenário repetir-se com gravidade, em vários pontos do país.
Penso que está na altura de ser ainda mais claro nesta matéria: quem bate ou tenta bater, quem magoa ou tenta magoar, quem coage, insulta e ameaça recorrentemente terceiros, nunca mais devia pôr um pé que fosse num campo, pavilhão, ringue ou pista. Para grandes males, grandes remédios. Banimento definitivo, sem apelo nem agravo. Infelizmente a nossa Constituição não permite sanções vitalícias. Felizmente permite temporárias e longas. Infelizmente raramente há coragem institucional para as aplicar com celeridade e pujança. E é porque a maioria das sanções são inferiores ao expectável que muitos desses bárbaros, ora mascarados de adeptos, ora de outra coisa qualquer, continuam a regressar aos recintos desportivos.
O que aconteceu este fim de semana em vários recintos foi mais uma vez inenarrável e devia merecer forte repressão. Em vez disso, temos jogadores/agressores a dizerem «eu não agredi ninguém, porque tentativa de agressão não é agressão» e presidentes de clubes a justificarem cenas de pancadaria horríveis com um surreal: «A culpa foi das arbitragens desastrosas.» É melhor rir para não chorar. E é aqui, neste cenário de comédia barata e desculpabilização apalhaçada que esta gente se passeia por aí, sem vergonha nenhuma na cara.
18 março 2025, 07:40
O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro e atual comentador de arbitragem
A arbitragem, as associações de futebol, a FPF, a Liga, as autarquias, as escolas e sobretudo os clubes têm o dever e a obrigação moral de educarem as suas pessoas com ações de sensibilização constantes. Quem cria leis civis e quem propõe regulamentação desportiva devia estar obrigado a proteger todos os agentes desportivos, prevendo penas excecionais para quem repetidamente colocasse em causa a sua segurança física.
Por enquanto este continua a ser um problema chato, mas apenas isso. Alguns (nem todos) condenam, aqui e ali há revolta verbal e apelos à serenidade, mas ninguém prioriza, ninguém dá a atenção devida, ninguém se assume a sério, ninguém grita «Basta!!!!» E na verdade, basta.
Não consigo aceitar que o meu futebol, o meu país, ainda não tenham conseguido mitigar este flagelo que ameaça uma das mais nobres atividades que temos.