O impacto

OPINIÃO11.10.201904:00

NO momento em que escrevo estas linhas, não sei ainda, evidentemente, como ficou o resultado do Flamengo-Atlético Mineiro que se jogou nesta última madrugada, e, portanto, não sei ainda se o Flamengo de Jorge Jesus já tem oito pontos de vantagem na liderança do Brasileirão ou se manteve os cinco pontos mais do que o Santos, agora o segundo classificado. Tenha ou não levado o Flamengo a vencer os mineiros de Belo Horizonte, a verdade é que já começam a faltar os adjetivos para qualificar e elogiar o trabalho que Jorge Jesus tem vindo a fazer com a equipa de futebol do maior clube do Brasil e já sobram os artigos, os comentários nas redes sociais ou nas televisões sobre o impacto.

Jesus mudou o Flamengo; mudou-lhe o futebol, mudou-lhe a organização, mudou-lhe o foco, alterou-lhe a cultura. Esta equipa do Flamengo já não é mais aquela equipa sem exigência, sem foco, que foi vivendo nos últimos anos ao sabor da instabilidade e do insucesso, quase parecendo que tanto lhe fazia ganhar como perder.
Hoje, o Flamengo recuperou a aura de maior clube brasileiro e os adeptos, os milhões de adeptos do Flamengo, viram ser-lhes devolvido o orgulho e a confiança, não apenas pelos bons resultados conseguidos com Jesus - porventura o  mais importante - mas muito pela qualidade do jogo da equipa e pelo que Jesus tem transformado os jogadores, ou, pelo menos, jogadores que não passavam de uma imagem de mediania e são hoje vistos como nunca tinham sido vistos antes de Jesus chegar, como é o caso, muito particular, de um médio que dá pelo nome de Willian Arão, tido agora pela crítica brasileira como excecional e indispensável ao Flamengo de Jorge Jesus.
Porque há realmente um Flamengo de Jorge Jesus. Porque Jorge Jesus cria em cada equipa uma identidade forte e porque Jesus (são os jogadores que o dizem e são, sempre, os jogadores os que melhor podem avaliar os treinadores) causa um impacto verdadeiramente inegável em todos os atletas com quem trabalha e em todas as equipas que treina.

É verdade que Jesus ganhou para o seu Flamengo futebolistas como Filipe Luís, Rafinha, Gerson e Pablo Marí, habituados ao contexto e à exigência do futebol europeu.
Mas ninguém pode esquecer-se que, a par disso, Jesus também foi perdendo em momentos sucessivos (por lesão, por abandonar o clube ou por causa da seleção brasileira) jogadores fundamentais como Diego, Arrascaeta, Cuellar, Bruno Henrique, Everton Ribeiro, Rodrigo Caio ou Gabriel Barbosa, mais conhecido como Gabigol...
(Incrível como o selecionador brasileiro, Tite, não teve a sensibilidade de não convocar jogadores do campeonato brasileiro - e do Flamengo, mais concretamente - sabendo que, ao contrário das ligas europeias, o campeonato brasileiro não parou nem pára, para estes jogos, ainda por cima particulares, da seleção do Brasil...)
...Gabigol, pois, aquele jovem que não acertou uma no Benfica e que eu, pessoalmente, nunca imaginei que fosse capaz de jogar como Jesus o tem posto a jogar, com a tremenda confiança e a eficácia que o tem levado a conseguir quase um golo por jogo. O que não pode deixar de ser impressionante, tendo sobretudo em conta o que o Benfica, ainda no mandato de Rui Vitória, não foi capaz de tirar do rapaz, que Luís Filipe Vieira foi buscar por empréstimo do Inter de Milão, ao que se soube, com a enorme esperança que, na Luz, aquela pequena rocha se transformasse num diamante que pudesse vir a dar bom retorno financeiro.
Bom retorno financeiro virá certamente a ter o Flamengo com este trabalho de Jesus. E se vier a ganhar o que pode ganhar (campeonato e Libertadores) então o mais difícil vai ser, nesse caso, segurar a torcida, e a exigência de que a continuidade de Jesus será absolutamente obrigatória.
O que responderá Jesus?!

Já no princípio deste ano (quando o presidente encarnado ainda hesitava sobre o substituto de Rui Vitória) escrevi que o Benfica poderia ter um dos dois melhores treinadores portugueses do momento, José Mourinho ou Jorge Jesus, mas que arriscava não conseguir qualquer deles, como acabou por acontecer, fosse porque José Mourinho disse não a Filipe Vieira - de quem recebeu, como se sabe, um convite -, fosse porque Filipe Vieira se viu certamente ultrapassado pelas circunstâncias do imediato sucesso de Lage para não voltar a equacionar mais seriamente o eventual regresso à Luz de Jorge Jesus.
A dada altura, na verdade, Vieira viu-se fortemente condicionado pelo notório e notável efeito que teve a chegada de Bruno Lage ao comando da equipa, muito pela lufada de ar fresco que Lage representou, muito também pela circunstância que o próprio Lage conseguiu criar a partir do invulgar e raro supertalento de João Félix - que sempre esteve muito longe de ser apenas mais um jovem do Seixal -, mais o contributo, sempre importante e algumas vezes ainda decisivo de jogadores com a experiência, a classe e o espírito campeão de um Salvio ou de um Jonas, mais a conseguida recuperação de jogadores como Samaris e Seferovic, que viriam a revelar-se muitíssimo importantes na caminhada encarnada para um dos mais surpreendentes títulos de campeão da história do clube.
Hoje, porém, o efeito de Lage esbateu-se e esbateu-se até nalguns equívocos (já muito discutidos) que foram tomando, subitamente, conta da equipa e, consequentemente, do futebol da equipa.
Hoje, o Benfica está visivelmente diferente para pior e já nem é preciso entrar em detalhes para se perceber que o futebol do Benfica perdeu frescura, atitude, intensidade, foco, espírito de luta, orgulho e confiança, e que fica a ideia de uma certa incapacidade do treinador de lidar com problemas que talvez não esperasse, na gestão de um plantel que ficou sem dois jogadores de exceção (Jonas e Félix) e sem um grandíssimo campeão como Salvio, numa realidade talvez incapaz de compreender que não resolveria tranquilamente essas ausências apenas com a prata da casa.
E se vai dando para disfarçar nas competições internas - onde, na larguíssima maioria das vezes, o Benfica defronta adversários cheios de vontade mas ainda inferiores na capacidade de fazer a diferença -, quando chega o momento dos confrontos na Liga dos Campeões é muito mais difícil disfarçar, como aliás ficou tão inapelavelmente claro nos jogos com os alemães do Leipzig e com os russos do Zenit.
A circunstância em que se move hoje o futebol da equipa principal do Benfica e a necessidade de corresponder, o mais rapidamente possível, à visível ansiedade (do presidente aos adeptos) de retomar a linha do prestígio europeu e de uma imagem de sucesso na maior competição de clubes da UEFA - que significa ver-se um Benfica combativo, capaz de impor uma filosofia de jogo, um espírito ganhador e uma atitude verdadeiramente ambiciosa, que orgulhe os adeptos e não os envergonhe mesmo que os resultados não sejam sempre os resultados que todos desejam -, é inevitável que vá ganhando dimensão o desejo de que o Benfica recupere também um treinador com o perfil de um Jorge Jesus, porque é (na minha opinião) de um treinador como Jorge Jesus que o Benfica volta a precisar e da cultura de exigência de Jesus, das competências de Jesus, agora mais experiente ainda, da motivação e da paixão de Jesus e da conhecida (e inegável) capacidade de Jesus para transformar jogadores e de extrair deles o que - como já muitos insuspeitadamente confessaram, casos de Luisão ou Jonas - alguns deles nem sabem que têm ou podem dar.
Bem se sabe que de personalidades como a de Jorge Jesus talvez muitos tenham dificuldade em gostar, porque se trata - dentro do futebol - de uma personalidade intensa, exigente, muito impactante, dura, às vezes rude, outras cruel,  agitadora, apaixonante, e portanto será, para esses, quase sempre mais fácil de admirar e sentir mais proximidade com personalidades como a de Bruno Lage, tendencialmente mais serenas, simpáticas e afetivas.
Talvez para esses, porém, a questão seja  a de deixarem de confundir o não gostarem da personalidade de um homem como Jesus com o não serem capazes de reconhecer a enorme qualidade de Jesus como treinador de futebol, que fazem dele, é preciso dizê-lo, um dos melhores do mundo. Não estarão evidentemente em causa, devo dizer, as competências de um treinador como Bruno Lage, com claro perfil para a formação, parece-me, como não estarão em causa os méritos do que foi capaz de trazer circunstancialmente ao futebol da equipa. Trata-se, sim, de observar (e prever) o que o Benfica dá ideia de precisar. Ou será que não tem dado essa ideia?!
 
PS: A maior vantagem de Portugal jogar hoje com o Luxemburgo - além dos três pontos que deverá, como lhe compete, conquistar - é a de poder ganhar a confiança de que precisa para chegar à vitória na Ucrânia. Porque aí é que a coisa, podendo tremer, não deve! Fernando Santos, que ontem fez anos (parabéns, mister!), sabe-o muito bem. E não se cansa, na mensagem para os jogadores, de os alertar. Oxalá chegue!