A 'seleção brasileirona'
Vinícius Júnior, internacional brasileiro (Foto Imago)

A 'seleção brasileirona'

O que faltava ao argentino Lionel Messi, como ao brasileiro Vinícius Júnior agora, era entrosamento e uma equipa construída, com paciência e sabedoria, em torno dele

«Há tempos que venho defendendo que deveria convocar-se uma seleção brasileira só com jogadores que disputam o Brasileirão, por esses dias eu estive com o presidente da CBF lá em Brasília e eu falei isso mesmo para ele», disse um adepto do Brasil nos últimos dias.

O adepto, mesmo que no caso se chame Luís Inácio Lula da Silva e seja o presidente da República, não passa, porém, disso mesmo: é um adepto que, como todos os adeptos de clubes e seleções, pode dizer o que quiser mesmo que esteja errado.

Ou erradíssimo, como é o caso.

Em primeiro lugar porque parte do princípio, meio infantil, que só quem mora no país tem capacidade para «sentir a seleção» e ter «amor à camisola» — como emigrado há 14 anos, não podia estar mais em desacordo: acho até que é mais ao contrário.

Aliás, as análises no futebol devem ser cada vez mais feitas com base em dados concretos, tangíveis e corpóreos como golos, assistências, remates, desarmes, defesas; e cada vez menos com recurso a sensações imateriais, especulativas e abstratas como o tal do «amor à camisola» ou da «garra» ou da «vontade». Ponham um perna de pau cheio de garra a marcar o Messi e verão quem ganha o duelo.

Por falar em Messi, ele, como Vinícius Júnior e os demais expatriados brasileiros agora, passou pelos mesmos ataques ao seu nível de compromisso na época das vacas magras da Argentina. E, por falar em Argentina, lembremos que no grupo campeão mundial em 2022 havia um em 26 jogadores a atuar no país, o suplente inutilizado Armani.

O que faltava a Messi, como a Vinícius Júnior agora, era entrosamento e uma equipa construída, com paciência e sabedoria, em torno dele.

O desabafo de Lula, como de tantos outros torcedores, surgiu numa altura em que o Brasil bateu o Chile com dois golos botafoguenses, de Igor Jesus (assistência do inglês Savinho) e Luiz Henrique (após passe do inglês Martinelli).

Mas Luiz Henrique, regressado ao Brasil em fevereiro, tornou-se em nove meses um patriota? No caso de Igor Jesus o parto foi ainda mais rápido: chegou a 20 de julho e já «sente a seleção»? E há muita gente, como Estêvão por exemplo, que, portanto, tem «amor à camisola» só até à próxima janela de mercado.

Aquilo a que Lula se referiu já foi abordado neste espaço quando se contou que um torcedor num boteco perguntou quem é esse «Gabriel Guimarães», confundindo Gabriel Magalhães e Bruno Guimarães, dois jogadores de seleção com passagem efémera pelo futebol brasileiro. Mas de Igor Jesus, que só representara o Coritiba no Brasil, também pouca gente ouvira falar até há semanas.

Um dado concreto, tangível e corpóreo: nas eliminatórias para o Mundial-2026, dos 15 golos brasileiros, 12 foram marcados por exilados. E uma sensação imaterial, especulativa e abstrata: a seleção brasileira golearia a seleção brasileirona.