Dez, o número do Olimpo
Nos últimos vinte anos foi escrita uma página única e dourada na história do futebol (Foto Imago)

Dez, o número do Olimpo

OPINIÃO19.10.202409:00

Nunca consegui compreender porque um português, por sê-lo, 'não pode' gostar de Lionel Messi, do mesmo modo que será pecado um argentino admirar Cristiano Ronaldo

Ahistória começou muito cedo, nas ruas de Rosário, a cidade mais futebolística da Argentina. A rivalidade imensa entre Newell’s Old Boys e Rosário Central estimula ao jogo, à paixão, à devoção pelos ídolos.

O predestinado começou a jogar no Grandoli, mas foi no Newell’s que cresceu e se fez futebolista. Um pé esquerdo despistado ainda criança levou-o aos testes e à garantia de que algo muito especial estaria a nascer para alguém, também, muito especial.

Nos últimos vinte anos foi escrita uma página única e dourada na história do futebol. É importante, quando dela falamos, que sempre tenhamos memória, e que, nunca encadeados por números, recordes ou estatísticas, percebamos que o futebol nasceu há século e meio e perdurará para além da nossa visita ao planeta Terra.

Então, o que fica? Certamente a magia dos eleitos, os momentos únicos de uma jogada, de uma celebração, de uma osmose perfeita entre todos os que pertencem à tribo do futebol.

Lionel Andrés Messi é um deles, dos eleitos. Porventura um dos três Deuses do Olimpo, que sobressaem a um amplo conjunto de grandes jogadores, cada qual com as suas caraterísticas, o seu tempo, o seu modo e a sua performance.

Messi completa 20 anos ao serviço de equipas principais, depois da aventura ter justamente começado no Grandoli (durante três anos), continuado no seu La Lepra (o estranho nickname do Newell’s Old Boys), e prosseguido, já na Europa, nas segunda e terceira equipas do Barcelona.

Talvez fosse necessário, para atingir o patamar dos deuses inquestionáveis, ganhar um Campeonato do Mundo. Muitos dos seus seguidores tinham esse desígnio como determinante, e o próprio Leo, em surdina, sabia que só levantando a Copa numa final de Mundial poderia, finalmente, garantir o passaporte para o pequeno grupo de lendas do jogo, até aí integrado apenas por Edson Arantes do Nascimento e por Diego Armando Maradona.

Não que a coroação como campeão do Mundo seja o elemento estruturante da carreira de um futebolista. Jamais o será. Mas é, na escala de um conjunto de jogadores verdadeiramente fenomenais, o que pode distinguir ainda mais, o que pode imortalizar o génio, o talento, a magnanimidade de um profissional.

As letras com que Messi foi escrevendo a sua história remontam à primeira grande conquista, o Mundial de sub-20, na Holanda, em 2005. A sua prevalência na jovem seleção celeste era reforçada pela súbita ascensão no Barcelona, de pedra e cal titular e cada vez mais decisivo no princípio do tiki-taka catalão, talvez mesmo elemento basilar desse estilo de jogo de filigrana, de passes curtos e médios, de progressão em posse, deixando para o talento individual a precisão de um último passe ou a decisão de uma jogada.

Cresceram os dois com o tempo e o espaço. Messi e o Barcelona, Barcelona e Messi, como se de uma aliança de sangue se tratasse, tão preciosa como sinapses que tudo ligavam e que a tudo davam sentido.

Alicerçado num dos combinados mais competitivos da América do Sul (e nem todos os predestinados têm a sorte de nascer em países que sempre lutam por títulos, que sempre renovam gerações ganhadoras), Messi venceu tudo o que podia, coletivamente, com a sua seleção, porque ao título de sub-20 sucedeu-se a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, a Copa América por duas vezes (no Brasil, em 2021, e nos Estados Unidos, este ano, com três finais entretanto perdidas), e o Mundial de 2022, no Qatar (depois da final de 2014, no Brasil, em que a Argentina foi derrotada pela Alemanha).

A história dourada de um dos melhores de sempre tem ainda mais valor pelo enquadramento no espaço e no tempo de outro gigante dos relvados, Cristiano Ronaldo.

Honestamente, nunca consegui compreender porque um português, por sê-lo, não pode gostar de Messi, do mesmo modo que será pecado um argentino admirar Ronaldo.

Qualquer um dos dois vê o seu percurso valorizado pelo rival, sendo que, muito diferentes nas suas caraterísticas, no seu jogo, no seu posicionamento social, contribuem decisivamente para que o engajamento do adepto do Planeta Futebol seja cada vez maior, considerando o mediatismo de cada qual e o imediatismo da comunicação e da interação em rede(s), que, evidentemente, potenciam a transversalidade das mensagens das figuras universais do jogo.

Este é um texto para celebrar o futebol. E, neste caso, fazendo-o através dos vinte anos de Lionel Messi ao mais alto nível competitivo, também o escrevo retendo o exemplo que a sua carreira representa para quem gosta do jogo.

A qualidade técnica única, a capacidade de encantar num metro quadrado de relva, a imprevisibilidade do génio no momento da decisão, a rapidez de raciocínio que integra o talento individual na perceção coletiva, sempre considerando que a soma das capacidades de cada um nunca será tão determinante como o valor global do conjunto.

Afinal, teoremas básicos do futebol, ideias simples de um jogo também simples, que a magia ajuda a tornar encantador, combinando com pés de veludo a paixão e a razão, a sensibilidade e o suor, o perfume e o esplendor.

Dez, o número do Olimpo.

Cartão vermelho

O jogador não é convocado para a sua seleção por estar lesionado e, portanto, a cumprir um plano específico de recuperação determinado pelo departamento clínico do seu clube. Nas datas do jogo da seleção mete-se num avião privado, viaja uma hora e meia, janta num hotel de luxo, avança disfarçado para uma discoteca, é fotografado por um paparazzo.

Na ressaca da noite, impende sobre ele uma acusação de violação, sendo que as primeiras explicações da sua advogada são, por tão inconsistentes, pouco esclarecedoras.

Mbappé, será que ainda vais a tempo de ter juízo?…

Cartão amarelo

A suspeita que paira sobre o Benfica, a sua estrutura e alguns dos seus atuais e anteriores dirigentes é absolutamente proporcional à dimensão do clube. Independentemente do prosseguimento de todos os trâmites jurídicos, e do facto de ter de imperar, em qualquer circunstância, o primado in dubio pro reo, o desgaste da imagem interna e externa do clube da Luz é inegável e pode, se não acautelado atempadamente, produzir consequências inimagináveis do ponto de vista financeiro e social (para não falar, claro, das potenciais implicações desportivas).

O Benfica tem alguns acordos muito rentáveis para o clube (Emirates e Adidas à cabeça), prevê, no seu plano a médio prazo, a negociação do naming do estádio da Luz e é uma das referências de estabilidade desportiva no âmbito do cumprimento do Fair Play financeiro da UEFA.

Motivos e elementos suficientes para um cuidado especial na gestão da imagem e na blindagem da equipa de futebol profissional em relação à forte ondulação atual e, sobretudo, futura.