O bom caminho: uma questão de princípio(s)

OPINIÃO31.05.201802:02

René Descartes desconfiava muito da robustez do conhecimento. Punha tudo em causa. Admitia, até, veja-se a suprema heresia, que Deus pudesse iludir-nos quanto a aspetos tão básicos, como, por exemplo, o de sabermos se um triângulo teria mesmo três lados, como para todos os menos céticos resulta da geometria mais elementar. Hoje, no Sporting, estamos a aproximar-nos do celebérrimo dizer do filósofo (que foi também muito mais coisas), que se atreveu a proclamar, com uma humildade soberba, uma frase que ficou imortal: só sei que nada sei. Olhado o futuro próximo, também nós, sócios e adeptos, sentimos uma negra envolvente cartesiana, feita da incerteza angustiante sobre tudo e mais alguma coisa e de um pasmo inesgotável processado em renovação contínua. A situação não é para menos. Nem sequer é certa a atual composição dos órgãos sociais! Lendo um comunicado recente do porta-voz do conselho diretivo, concluiremos que estão em funções sete membros deste órgão e, pelo menos, (sic) um membro do conselho fiscal e disciplinar e um suplente. Quanto à mesa a coisa é mais duvidosa, sobretudo no que toca ao respetivo presidente. É que, no mesmo comunicado pode ainda detetar-se o troço seguinte:  «Mais, na noite de ontem o Presidente da MAG informou o Gabinete Jurídico do Sporting Clube de Portugal que nunca chegou a renunciar ao mandato e como tal se encontrava na plenitude das suas funções. Como todos sabemos, entre os dias 16 e 17 de Maio foi noticiado em todos os órgãos de Comunicação Social do país que a Mesa da Assembleia Geral do Sporting CP tinha renunciado em bloco ao seu mandato. Até hoje, o Presidente da MAG nunca o desmentiu. Pelo que, de acordo com o artigo 46 n° 2 dos estatutos, tem que convocar de imediato uma AG eleitoral para a MAG e o CFD, para que as eleições para estes dois órgãos decorram até ao dia 1 de julho». O presidente da mesa, todavia, afirma que não se demitiu e, mais do que ninguém, ele o saberá. Bem sei que estamos na era da comunicação. Mas, ainda assim, a renúncia ao exercício de um cargo deve exercer-se através de fórmulas previstas nos estatutos e não através de declarações televisivas. Se não houve comunicação nos termos das normas, então o titular do cargo prossegue em funções. A confusão está instalada. Torna-se impossível acompanhar o fluxo e o refluxo de comunicados e outras tomadas de posição avulsas. Se num dia pensávamos ter visto tudo, logo na manhã seguinte percebemos que nem por isso. Não vou desperdiçar mais adjetivos com a qualificação da situação. Não traria valor acrescentado. Ela está aí, não permitindo, com vénia a Eça, que qualquer manto diáfano da fantasia tape, nem que seja numa pequena nesga, da nudez crua da verdade. Como se dizia num velho anúncio televisivo feito a uma pasta dentífrica «palavras para quê»?

Um mundo composto de mudança muito para além do ritmo camoniano

NO momento em que escrevo este texto, o qual, seguramente, tenderá a desatualizar-se pouco minutos após o seu ponto final, apercebo-me que o presidente da mesa da assembleia geral não consegue, sequer, segundo alega, certificar as assinaturas recolhidas e destinadas à convocação de uma reunião magna de sócios. Assinaturas que, segundo a notícia, corresponderão a cerca de três mil e quinhentos votos. Desconheço qual o fundamento deste bloqueio. Teremos de aguardar por um próximo comunicado. Mas tudo visto e ponderado uma coisa é certa: os sócios devem ser ouvidos e têm de ser ouvidos. Trata-se de uma exigência cívica, imperativa, imposta pelo real cenário criado e absolutamente crucial. Compete aos órgãos sociais, no que deles resta, criar condições para que essa audição se faça de forma tão participada quanto possível, garantindo nela a máxima tranquilidade. Nunca a auscultação dos sócios foi mais justificada. Vivemos num estado de direito, feito de liberdade de expressão e de liberdade de opinião. Os direitos são para serem exercidos. E nada pode vedar o exercício dos direitos que legitimamente cabem aos associados do Sporting. Os sócios querem falar, querem participar, querem intervir, querem ajudar a solucionar e a esclarecer. Têm de ser admitidos a fazê-lo, independentemente do resultado do escrutínio que resulte da votação.

O imbróglio jurídico instalado

PELA frequência das notícias e pela pesporrência das discussões que troam todo o dia e todos os dias, percebemos ter chegado a um imbróglio jurídico. Há mais do que um pedido de realização de assembleia geral; uma está mesmo convocada, pelo presidente da mesa, já com ordem de trabalhos conhecida. Mas, pelos vistos, não lhe estarão a ser concedidas condições de realização. O conselho diretivo assaca à iniciativa enfermidades jurídicas várias e parece predisposto a não facultar os meios necessários à concretização da reunião. Pelo meio existirão os tais mais de três milhares de assinaturas, que são, por si só, suficientes, para que a assembleia seja marcada, pois para tal bastam mil votos. Não irei tentar deslaçar e desfiar os vários aspetos deste imbróglio. É uma análise que pode esperar. No momento que atravessamos há uma questão transcendente que tem de nortear o caminho e secundarizar todas as outras: os sócios deverão ser ouvidos. As soluções estatutárias existem e devem ser utilizadas nos moldes previstos. O que seria absolutamente impensável, seria cortarmos a palavra aos sócios, barrando-lhes o direito a pronunciarem-se sobre a atualidade do clube e a decidirem sobre os órgãos em funções, recorrendo, para tanto, a razões jurídicas mais ou menos sofisticadas e com maior ou menor fundamento. O que seria absolutamente lamentável, era o termos de concluir que, a simbiose entre o estado atual de relacionamento dos órgãos sociais e as interpretações alternativas dos estatutos, nos conduziriam a um beco sem saída tal, que, nele bloqueados, os sócios não teriam forma de ser escutados. Uma vez escutados os sócios, que são a fonte da legitimidade, as coisas poderão começar a reestruturar-se, precisamente no sentido que os mesmos sócios indicarem. Não é isto o que todos queremos?