Nivelado por baixo
Paulo Sérgio, treinador do Portimonense, no jogo frente ao Aves SAD de play-off de subida/permanência (Foto: Hugo Delgado/LUSA)

Nivelado por baixo

OPINIÃO05.06.202409:00

Não é por acaso que as equipas da Liga 2 têm ganhado sempre o 'play-off' de subida/permanência frente às equipas do primeiro escalão

A questão não é nova, mas o problema também não: ao assistirmos às assistências nos jogos decisivos na última jornada da Liga ou nos play-off percebemos que pelo menos uma vez por ano há estádios que enchem com público local sem que haja a visita de um dos ditos grandes do futebol português.

No final de cada época desportiva é sempre assim: emerge o apelo coletivo para apoiar o clube do bairro, da terra ou da região com homens, mulheres e crianças inflamados por um sentimento de pertença residual ou episódico. Os clubes estimulam-no: dão borlas e convites a tudo o que mexe em nome de uma final que não se pode perder.

Pouco importa como a equipa irá jogar. Nem que o golo decisivo seja marcado com a mão e o VAR não perceba, só a subida/permanência interessa. No final, se for o caso, faz-se a festa no relvado e nas bancadas e os jogadores agradecem ao «público fantástico». Quanto aos adeptos, depois da euforia acompanhada de umas cervejas, regressarão ao sofá para ver a Premier League, o Benfica, o Sporting ou o FC Porto até voltarem daí a um ano, se necessário.

Deste fenómeno retiro sempre a mesma conclusão: são os clubes e as respetivas organizações das provas (Liga e Federação) que têm trazer as pessoas aos estádios e não o contrário. Só que os anos passam e não consigo encontrar grandes mudanças: os clubes continuam a preferir ganhar o mesmo com poucos que pagam muito do que com muitos que paguem pouco. Porque no seu modelo de negócio a bilhética é uma pequena fatia da receita – a massa do bolo tem proveniência do operador televisivo.

Por sua vez o detentor dos direitos não paga mais que o mercado permite, o dinheiro é todo injetado para ajudar a fazer um plantel razoável, os clubes não abrem espaço para a inovação e resulta daqui um ciclo vicioso que só é disfarçado por momentos de fulgor das massas pela visita dos encarnados, dos verdes ou dos azuis.

A experiência de assistir a um jogo do principal escalão do futebol português, na maior parte dos casos, é igual ao de há de 20 anos e não é só a quem está no estádio, mas também fora. Um exemplo? Ver um jogo do Rio Ave com a câmara principal apontada para uma bancada em obras. Podem encontrar as justificações técnicas que quiserem, mas isto só é possível num campeonato que não tem o espetáculo como primado. Como se quer vender uma competição onde apenas se ouvem, mas não se veem, adeptos?

É sob este chapéu cinzento que o Casa Pia vai arrancar para a terceira época consecutiva sem jogar no seu estádio (e sem um sinal de obras no Pina Manique), atuando em Rio Maior, a 85 km, com meia dúzia de adeptos a assistir mas um imenso mar de cadeiras vazias que promove um espírito de decadência e que é tudo o que uma liga que se quer moderna não deve ser.

Na época em que se vai assistir a um novo modelo de Liga dos Campeões, com mais jogos, Portugal continua a insistir num campeonato com equipas a mais e espetáculo a menos. Não é por acaso que as equipas da Liga 2 têm ganhado sempre o play-off de subida/permanência com as equipas da Liga: porque não há grande diferença entre a primeira metade do segundo escalão e a segunda metade do primeiro – um nivelamento por baixo só agudiza um mal que vem de trás.