Futebol e crimes de colarinho branco

OPINIÃO08.01.202206:00

«Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» - como escreveu Sophia. O problema é que muito poucos são os poetas que percebem de futebol

Ofutebol não deve ser diabolizado pelo falso moralismo de algumas notáveis consciências sociais, mas também não pode ficar ao abrigo de qualquer ideia complacente, ou resignada, perante as mais legítimas e graves suspeitas que têm recaído sobre estranhos negócios e negociatas e, sobretudo, sobre as mais sofisticadas formas de fuga ao fisco, recebimentos ilícitos ou branqueamento de capitais, que têm dominado as notícias dos chamados crimes de colarinho branco.
Não é só no futebol que estes crimes estão a ser investigados e têm chamado a atenção do país. Nestes últimos tempos, surgiram com uma cadência preocupante notícias de investigações policiais e indícios de crimes graves numa teia complexa que envolve políticos, banqueiros, autarcas, homens que, antes, pareciam exemplares, apenas, por terem sido intocáveis. O facto de ter sido estabelecida uma mais que provável ligação deste mundo do crime de colarinho branco aos homens do futebol, em especial, a dirigentes carismáticos de grandes clubes, agentes de jogadores e intermediários diversos no avantajado negócios de transferências, não terá apanhado ninguém de surpresa e apenas veio confirmar a convicção de que as suspeitas de há muitos anos confirmam a facilidade com que no mundo dessa bola dourada, em que alguns tratam milhões como a gente pobre deste país trata tostões, é muito fácil enriquecer sem demasiado trabalho.
O segredo de anos e anos de impunidade desta teia de ex-notáveis sempre esteve nas paredes só aparentemente inexpugnáveis dos seus castelos. O problema foi que, à pequena dimensão portuguesa, uma das suas mais sólidas muralhas ruiu com a crise financeira internacional. Desabaram, como cartas, muitas fortalezas de papel, mas foi, sobretudo, com a queda  desamparada do Banco Espírito Santo que ficou vista a podridão de um sistema feito de relações promíscuas, testas de ferro, peões de brega, donos e capatazes de uma linda quinta à beira mar.
 

Justiça continua sem mãos a medir


A alta finança contou sempre com a envergonhada complacência dos poderes públicos. No mundo do futebol a isso se juntou a tolerância dos adeptos, que sempre entenderam que tudo se deve permitir, desde que o seu clube seja vencedor.
Dizia Sophia de Mello Breyner, na sua poesia: «Lemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar.» Porém são poucos os poetas que percebem de futebol. Na verdade há muito que se fala, há muito que se ouve, há muito que se lê sobre a estranheza de muitos negócios obscuros no mundo do futebol. Nacional e internacional. O problema é que todos nós, adeptos de clubes de futebol, preferimos ignorar. Achamos que, se for para ganhar, o fim justifica o meio. Tal como aquela gente do povo que ao ouvir que o seu candidato autárquico roubou durante o mandato o absolve na sabedoria popular, dizendo ele roubou, sim, mas, ao menos, fez.
É uma estranha forma de sentir a cidadania de um país ou a paixão por um clube, mas é uma questão cultural e, por isso, ainda de difícil resolução.
Leve o tempo que levar, as ideias irão mudar e com elas essa visão cega e triste de se colocar uma venda nos olhos e tampões nos ouvidos para sentir verdadeira paixão pelo clube. E é bom, porque é um sinal de desenvolvimento do país e das suas instituições, que o povo sinta que já não há intocáveis e que, apesar da óbvia segregação de uma justiça clássica e classista, ninguém está fora do alcance  da lei. E ainda - devemos assinalar - é bom para o futebol e para se consolidar a ideia de que estamos já numa fase de transição para uma outra realidade, acima de tudo, mais verdadeira e mais digna.


NEM A ENERGIA,NEM A CABEÇA

Havia uma promessa. Rúben Amorim não podia viajar para os Açores, mas a sua energia iria com a equipa. Não foi cumprida. Em Ponta Delgada, o Sporting não teve a energia, nem a cabeça do seu treinador. Foi estranho ver, esta época, um Sporting desenraizado com o seu próprio futebol. Uma equipa que esteve em vantagem por duas vezes e não a conseguiu segurar. Uma equipa partida e repartida, que raramente foi o que costuma ser: um conjunto forte, solidário e coeso. Uma equipa que nunca controlou o jogo, nem o adversário.


BATER OU DEBATER - EIS A QUESTÃO

Começaram os debates televisivos entre líderes políticos para as eleições legislativas. O formato é desportivo, como se fosse um combate de boxe radical, com um tempo para vencer ou morrer. Os candidatos chegam à arena deixando os seus treinadores atrás das câmaras no canto escuro. Durante vinte e cinco minutos batem-se, mas não se debatem. Por fim, vem um júri de figuras duvidosamente qualificadas para dar pontuações e designar um vencedor. Por pontos ou por KO. Nem tudo é mau. Ao que dizem, as audiência são altas.