Eleições no SCP (I)

OPINIÃO12.02.202205:30

Mesmo os grandes clubes que não se transformaram em sociedades anónimas, não têm assembleias gerais universais

O exercício de comentar na comunicação social deve ser exercido com sentido de responsabilidade e honestidade intelectual quanto mais não seja por respeito aos leitores e a nós próprios. O exercício do direito de opinião num quadro da liberdade de expressão e pensamento não pode ser usado como um acto de propaganda, mais ou menos oculto, porque não se deve confundir um artigo de opinião com um panfleto.
Quando fui candidato às eleições do Sporting em 2018, suspendi os meus comentários neste jornal, por uma questão ética, que se prende com as relações com a Direcção deste jornal, com a minha consciência e sobretudo com o espírito de lealdade que deve existir entre todos os candidatos. Nem sempre sou correspondido nestes princípios, mas isso não me tira o sono, ao contrário do que acontece quando tenho dúvidas sobre os comportamentos a ter em determinadas situações.
O Sporting vive tempos eleitorais, mas hoje, vivo esse tempo com algum distanciamento, porque os meus tempos de candidato a dirigente acabaram em 2018. Não terminou, porém, o meu direito de dar opinião sobre diversos assuntos, designadamente, os que dizem respeito ao meu clube de sempre, e de que sou associado há 59 anos, a fazer no final deste mês de Fevereiro.
Quando digo algum distanciamento, quero significar que o distanciamento não é total, e que devo fazer uma declaração de interesses em nome dos princípios que defendo de transparência e frontalidade na vida, como na relação com os meus leitores. Não posso, e não devo, portanto, omitir, a quem não sabe, em tempo de eleições no Sporting Clube de Portugal, que o meu apoio vai para o candidato que lidera a lista B, Ricardo Oliveira.
O meu apoio vai para Ricardo Oliveira, porque é meu amigo pessoal, que defende muitos dos princípios e valores que eu defendo, fundados na educação que recebemos dos respectivos pais (os dele, felizmente, vivos e os meus já falecidos, mas sempre a meu lado), um grande e apaixonado sportinguista, um gestor competente, tanto na área do negócio, como do desporto, pois tenho seguido, enquanto Presidente da Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Padel, o seu excelente trabalho na modalidade, como Presidente da Direcção. Não foi por acaso que o convidei para 1º Vice-presidente quando me candidatei em 2018: a sua convicção, como a minha minha, não está a venda, muito menos a troco de alguns votos que calem a nossa consciência sobre o caminho a seguir. Percebo o que é o politicamente correcto, mas aprecio mais o rasgo e a ousadia de fazer diferente quando tudo está calmo e tranquilo, e, no futebol se ganha!
Há muitos que se candidatam sem ideias, nem pensamentos próprios, sem convicção e sem rumo definido, cavalgando muitas vezes os resultados do futebol (em que chegam a desejar a derrota), numa manifestação de oportunidade e oportunismo, que não é crime, mas não aprecio. Por isso, quanto mais os escribas e comentadores escrevem que Ricardo Oliveira (ou o outro candidato) não têm qualquer hipótese, mais eu apoio a sua candidatura, pelo que tem de coragem e convicção de que as grandes questões devem ser debatidas, não obstante o futebol nos trazer contentes e felizes. Os bons serviços à causa do Sporting não são prestados apenas quando se é dirigente, mas também podem ser prestados quando apenas se é candidato a um cargo, porque isso só valoriza o acto eleitoral, não o deixando ser uma mera formalidade, antes um momento de debate construtivo. A esta luz qualificar a sua candidatura de kamikaze é um insulto que Ricardo Oliveira não merecia, sobretudo, vindo de quem veio.
O meu apoio não é, portanto, uma aposta (perdoe-se a expressão), no cavalo certo ou no cavalo errado, como muitas fazem quando há uma eleição, seja ela qual for. O meu apoio não é, além disso, contra ninguém, mas apenas resultado da minha profunda convicção de que Ricardo Oliveira poderá dar um bom Presidente do Sporting Clube de Portugal.
Posto isto, não se pense que este apoio e esta minha convicção, perturbam por um instante a serenidade do meu ânimo ou desviar a rota do meu pensamento, fazendo-me perder o sentido da responsabilidade que acima afirmei e da independência perante os meus leitores, com quem tenho compromisso de honestidade intelectual e coerência. Quando me convidam para o comentário, escrito ou verbal, sabem que há muito tempo me habituei a caminhar desassombrada e intransigentemente, forte na pureza dos meus ideais e altivo na tranquilidade da minha consciência, não implorando protecção, benevolência ou simplesmente tolerância. Assumo dizer o que penso -  ainda que pense mal ou erradamente -  e o Ricardo Oliveira sabe bem disso.
Tenho vindo a defender que estando a gestão desportiva a correr com sucesso, as grandes questões têm a ver com reestruturação financeira, que abarca diversas facetas, a principal das quais tem a ver com a sustentabilidade do clube e da SAD, e a questão da governance, diretamente ligada a uma necessária revisão estatutária. Quanto à primeira questão, penso sinceramente, que Ricardo Oliveira tem capacidade, competência, conhecimento e inteligência para montar um projecto que nos ponha a navegar de forma sustentada e tranquila, sempre com os olhos num patamar mais elevado. Quanto à revisão estatutária vejo um projecto pouco ambicioso, porque, em parte, fica tudo como dantes, quartel general em Abrantes!
Na verdade, no ponto 3 do seu programa eleitoral, sobre revisão estatutária, estabelece-se como primeira medida a «eleição do Presidente e Conselho Directivo, e restantes órgãos, numa segunda volta, caso não haja uma candidatura com mais de 50% dos votos». Como venho defendendo há muito - sem aliás ser contrariado por opinião contrária - a norma que permite a eleição por maioria relativa, é nula, atento o disposto no Código Civil , pelo que ela deve ser riscada dos estatutos, pura e simplesmente; e a existência de uma segunda volta parece-me uma consequência natural da necessidade da eleição ser por maioria absoluta, como é necessário em todas as deliberações que não exijam uma maioria qualificada, e, portanto uma norma a introduzir, a meu ver, em sede de regulamento eleitoral.
Estou de acordo com a «divisão do Conselho Fiscal e Disciplinar em Conselho Fiscal e Conselho Disciplinar e Ética», como aliás defendi no meu artigo de sábado passado, embora prefira o nome de Conselho de Ética e Disciplina, e a «eleição dos órgãos separadamente (Presidente e Conselho Directivo, MAG, Conselho Fiscal e Conselho Disciplinar e Ética)».
«Limitação de três mandatos consecutivos do mesmo Presidente», é uma questão que me levanta muitas dúvidas num clube desportivo. Que possa haver limitação, estou de acordo; mas que essa limitação não possa nunca ser ultrapassada pela vontade dos associados, sem que isso implique alteração dos estatutos, acho um desrespeito pela soberania dos sócios em cada momento da vida associativa.
Desilude-me profundamente que se queiram manter assembleias de sócios e não de delegados, como se os delegados não fossem dos sócios. Se assim é, não percebo como se enquadra num programa eleitoral em sede de revisão estatutária. Parece que os grandes clubes por essa Europa fora funcionam em assembleias gerais universais, quase num exercício de democracia directa, como era o caso dos países de leste. Mesmo os grandes clubes que não se transformaram em sociedades anónimas, como o Real de Madrid e o Barcelona, não têm assembleias gerais universais. Custa-me a perceber como é que gente moderna acha que uma assembleia possa assim funcionar e se discuta alguma coisa de jeito. Não é por aqui que se tira a voz aos sócios, o que se evita é que os sócios se manifestem com gritos e insultos. Uma coisa é certa: não é com um modelo antiquado de órgão deliberativo que se altera o modelo de governance e se prepara o futuro do Sporting.
Enquadrada na revisão estatutária aparece uma outra medida, que a meu ver, de tão sintética, permite um sentido que calculo não estaria no espírito de quem a elaborou e que parece demasiado ad hominem para estar nos estatutos: «a fim de reestabelecer a paz entre todos os Sportinguistas, colocar a votação em AG,aos sócios, a possível reintegração de todos os sócios que tenham sido expulsos do Sporting que não tenham sido condenados por crimes». Acontece que, nos actuais estatutos - artigo 30º - estabelece-se que podem ser readmitidos os sócios «expulsos ou suspensos, mediante processo disciplinar, quando, em Assembleia Geral expressamente convocada para o efeito, for aprovada a sua readmissão por maioria de dois terços dos votos expressos». Isto é, a iniciativa deve ser do sócio expulso, e, a meu ver ligar a infracção disciplinar a uma infracção criminal, é uma forma de diminuir a gravidade da violação dos estatutos: a violação dos estatutos pode ser muito grave e não constituir qualquer crime; e há crimes que não constituem violações dos estatutos. Tal medida aliás lembra-me aquela história do cavalheiro que queria ajudar a velhinha a atravessar a rua, mas a velhinha não a queria atravessar.
Com toda a sinceridade, há questões muito mais importantes a debater nestas eleições, e a elas nos dedicaremos perante as propostas dos candidatos.