Incidentes, um processo e espetáculo: o que fica do GP de Las Vegas
Primeira curva do circuito de Las Vegas (IMAGO)
Foto: IMAGO

Incidentes, um processo e espetáculo: o que fica do GP de Las Vegas

FÓRMULA 121.11.202315:35

Apesar dos percalços do primeiro dia do evento, a corrida principal alterou algumas opiniões em relação ao circuito; desde China 2016 que não eram registadas tantas ultrapassagens numa pista seca

Max Verstappen foi o vencedor do novo Grande Prémio de Las Vegas (GP) de Fórmula 1, algo a que os fãs já estão habituados na atual temporada, mas o fim de semana da cidade de Nevada não foi de todo rotineiro. 

Apesar do desfecho semelhante a outras 17 corridas de 2023, a expetativa à volta do evento era bastante grande. Por um lado, as vozes apoiantes do GP destacavam a possibilidade da corrida atrair novos fãs e consolidar a posição da modalidade em território norte-americano, no entanto, por outro lado, as opiniões mais céticas e puristas receavam uma competição aborrecida – devido ao esquema da pista – e a toda a distração à volta do GP.

De facto, o arranque do Grande Prémio não foi de todo suave, especialmente para Carlos Sainz, da Ferrari. Estavam apenas decorridos oito minutos da primeira sessão de treinos do fim de semana de Las Vegas, quando uma tampa de esgoto danificou o chão, a bateria e o motor do espanhol. Devido aos estragos e à razão dos danos, a sessão foi cancelada para que se desse uma investigação das restantes tampas de esgoto, o que atrasou os segundos treinos livres – começaram às 2.30h locais.

Mas os acontecimentos negativos não terminariam aí. A hora tardia da segunda sessão coincidiu com o fim do turno dos agentes de segurança do recinto, forçando uma retirada dos fãs presentes nas bancadas do circuito. A organização ofereceu apenas a alguns adeptos um cheque de 200 dólares para serem usados na loja de recordações do GP, mas os que foram obrigados a sair do evento processaram a organização do evento, alegando uma «violação do contrato».

Voltemos à corrida principal. O tricampeão mundial foi precisamente muito crítico em relação ao espetáculo à volta da corrida, chegando mesmo a afirmar que o evento era «99% espetáculo e 1% corrida», mas ainda assim, depois de conquistar a 18.ª vitória de 2023, o neerlandês mostrou-se positivamente surpreendido com a competição, revelou Christian Horner, chefe de equipa da Red Bull. 

«O Max [Verstappen] gostou muito desta corrida porque é disso que ele gosta e é para isso que está aqui», revelou o líder britânico antes de justificar as queixas do seu piloto. «Ele não estava a julgar a corrida, penso que se sentia um pouco desconfortável com o elemento de espetáculo, o efeito Super Bowl, que foi aplicado aqui», rematou.

Mais agradado com o GP de Las Vegas esteve o sete vezes campeão mundial Lewis Hamilton. Após o final da corrida, o piloto da Mercedes falou abertamente dos críticos do evento. «Para todos aqueles que disseram que o que importava era o espetáculo, [a corrida principal do GP] Vegas provou que estavam errados», disse o britânico. «Foi uma das melhores do ano. Proporcionou uma corrida melhor do que a maioria das pistas a que vamos. Tiro o chapéu às pessoas que organizaram o espetáculo. Estou ansioso por voltar e espero ter uma corrida melhor no próximo ano», sublinhou.

Já Toto Wolff, líder da Mercedes, depois de ter defendido a organização do GP do cancelamento da primeira sessão de treinos e da evacuação, reforçou a posição de Hamilton. 

«Foi um fim de semana fantástico. O espetáculo foi excelente e penso que terá aumentado a popularidade da F1 nos Estados Unidos, com certeza. Não há nada de negativo que eu possa encontrar, foi um evento extraordinário», frisou.

Corrida com mais ultrapassagens de 2023

O início foi caótico. Max Verstappen ‘empurrou’ Charles Leclerc para fora da pista, por causa da falta de aderência na primeira curva; Fernando Alonso rodopiou, causando um embate com Valtteri Bottas, que ainda danificou a asa dianteira de Sergio Pérez; Carlos Sainz ao falhar a travagem, perfurou o pneu de Lewis Hamilton e Lando Norris teve um dos mais violentos acidentes da temporada.

Tudo se sucedeu, segundo os pilotos, devido às temperaturas da pista, que dificultavam o aquecimento dos pneumáticos e, assim, a aderência ao alcatrão, mas também se deveu à descarga de gasolina de um dos carros da volta celebratória anterior à corrida, nesta parte do circuito.

Ainda assim, a corrida contou com uma luta pela vitória pouco frequente no ano de 2023. Se Max Verstappen assumiu a liderança do GP na primeira volta, inesperadamente, Charles Leclerc respondeu na mesma moeda durante a 16.ª volta. 

Quando parecia que o triunfo ia ser disputado pelo monegasco ou por Sergio Pérez, em segundo, o tricampeão mundial ia ultrapassando os restantes carros, depois de ter sofrido uma penalidade de 5 segundos e dano provocado pelo embate com George Russell. Na volta 37, o neerlandês assumiu o lugar onde mais frequentemente esteve em 2023.

Memorável também foi a ultrapassagem de Charles Leclerc a Checo Pérez na última volta do GP, para garantir a segunda posição.

Vamos a números. Desde o Grande Prémio de 2016 de China que não havia uma corrida em condições secas com tantas ultrapassagens. No total, foram 99 manobras deste tipo verificadas no mais recente circuito da Fórmula 1. Só em Zandvoort (GP de Países Baixos), se registou um número maior – 188 – devido à chuva que se verificou. 

Parte da explicação deve-se especialmente devido ao esquema da pista da cidade de Nevada. Com quatro retas longas – a da strip, tem 1,9 quilómetros, sendo a segunda maior do calendário -, os pilotos tiveram dificuldades em ganhar distância para os que estavam atrás, devido ao forte efeito do DRS (Sistema de Redução de Arrastamento, que essencialmente ‘aumenta’ a velocidade máxima de um carro que está a menos de um segundo daquele que está à frente), especialmente visível na principal avenida de Las Vegas. 

Esquema da pista do GP de Las Vegas (fotografia: Fórmula 1)

Foi por esta razão que ao longo da corrida vimos a liderança da corrida ser várias vezes trocada, mas o mesmo se verificou no resto da grelha. Lewis Hamilton registou o maior número de ultrapassagens, com 15, ao passo que Guanyu Zhou foi o piloto que mais vezes foi vítima desta manobra.

Com este número, o GP de Las Vegas torna-se no evento cuja estreia registou mais ultrapassagens, posicionando-se ainda na sexta corrida da história da modalidade com mais trocas de posições na pista.

O que dizem os donos dos resorts?

A Fórmula 1 tem apostado no aumento da sua presença nos Estados Unidos da América. Depois de ter introduzido o Circuito das Américas no calendário em 2012, foi a vez do circuito de Miami se estrear na modalidade e agora, em 2023, o GP de Vegas, que contou com 315 mil pessoas durante o fim de semana.

Para os resorts, casinos e restaurantes da cidade do pecado o objetivo é outro: maximizar o lucro e a afluência de turistas, numa altura do ano menos movimentada do que é habitual. Apesar de ainda não serem conhecidos alguns números sobre os principais hotéis, alguns donos já deram o seu parecer sobre o impacto que o evento causou na área.

Sean McBurney, presidente regional da Caesar’s Entertainement, revelou ao jornal local Review Journal que o icónico Caesar’s Palace estava «completamente cheio».

«As nossas instalações, em particular, estavam no coração do circuito e, por isso, há muitas complicações logísticas: como é que os membros da equipa entram, como é que os vendedores entram, como é que os convidados se deslocam? Mas foi incrivelmente tranquilo. Passei quatro dias na corrida e falei com muitos clientes. Não sei se já estive num evento em que o feedback fosse tão positivo. Para um evento tão complicado no primeiro ano, foi incrível», elogiou o empresário. 

Andrew Lanzino, vice-presidente da MGM Resorts – que detém o Bellagio -, também adotou esta opinião, revelando que os resorts tiveram movimento semelhante àquele que se verifica durante a passagem de ano.

Os preços do Grande Prémio de Las Vegas não eram acessíveis ao comum adepto da modalidade. O mais barato encontrava-se na ordem dos 456 dólares, dando acesso à bancada principal do circuito. Para a tribuna VIP, seria necessário desembolsar 3653 euros, ao passo que a reserva em suites de luxo com o mesmo acesso dos mais baratos custava 7307 euros. No entanto, nada que se compare ao preço exigido para o total acesso ao circuito, incluindo o paddock, serviço gastronómico e às boxes: 20.000 euros.

Não espanta, portanto, que a expetativa para o retorno financeiro do GP de Las Vegas ultrapasse o expressivo investimento de 500 milhões de euros para o evento. O presidente da Convenção de Las Vegas, mas também da Autoridade de Visitantes, Steve Hill, afirmou mesmo que o passado fim de semana «vai ser um recorde para do ponto de vista económico». «Vai gerar muitas receitas e as propriedades à volta do circuito tiveram um desempenho excecional». Ainda assim, como foi referido, ainda não são conhecidos os números à volta deste evento, devendo apenas ser conhecido no final de dezembro.