ENTREVISTA A BOLA Pereira da Costa: «Há um conflito de interesses, Koehler decide em causa própria»

NACIONAL24.04.202408:44

Ataque influência do grupo Quadrantis na SAD do FC Po

Que comentário lhe merece o facto de o fundo Quadrantis poder estar a financiar a atividade de SAD?

— É um sinal de grande preocupação, uma vez que há um manifesto de conflito de interesses porque há um financiamento vinculado a uma pessoa que está muito próxima da SAD, que conhece toda a informação, as taxas de juros e os contratos. Claramente configura um conflito de interesses óbvio e o que isto significa conflito de interesses pode ser aqui um pouco um palavrão, mas quando temos uma pessoa que está a decidir em causa própria e a financiar o clube, sendo ele o beneficiado desse financiamento, é óbvio que a procura pelas melhores soluções do mercado pode não acontecer. Tipicamente nas sociedades cotadas, esta questão das partes relacionadas é uma questão que é super escrutinada, tem de ser autonomizada no Relatório de Contas as transações com partes relacionadas. Esta, obviamente, não foi, não aparece e, como tal, casualmente soubemos que o fundo Connect Capital estava ligado à Quadrantis e ao vice-presidente financeiro do Lista A. Mas isto foi uma descoberta casual, não foi nada que tivesse sido havido um disclosure oficial por parte da FC Porto SAD. Até que ponto é que houve o parecer prévio do Conselho Fiscal? Tudo isto são questões de grande nebulosidade, de falta de transparência que preocupam não só nesta operação como noutras que possam eventualmente vir a ser montadas. Já foi várias vezes referida à operação dos 250 milhões, até que ponto é que não teremos o fundo Quadrantis também a participar nessa potencial operação, quando o próprio fundo está a procurar levantar capital com as contrapartes típicas das sociedades desportivas? Com a UEFA, com o Fundo Soberano Saudita da transferência do Otávio, com os operadores televisivos, com a própria Super Bock, com as empresas de equipamento desportivo, as Adidas e o Nike? Tudo contrapartes ligadas ao mundo de futebol. Levantamento de capital 250 a 300 milhões e financiamento por 250 milhões ao FC Porto. Parece-nos demasiada coincidência para que não possamos estar na iminência de uma situação ainda mais grave, dado o volume de conflito de interesses.

— Sente que a SAD terá necessidade de vender ativos importantes no verão?

— A atividade de transação de jogadores é normal numa Sociedade Desportiva e em particular em todas as SAD’s portuguesas com a componente de formação de talento. É uma componente relevante, recorrente dos resultados e, portanto, é normal todos os anos vender um ou dois jogadores. Neste exercício já foi efetuada a venda do Otávio na primeira parte do exercício, vamos ver agora na segunda parte que tipo de resultados é que poderemos vir a apurar. Tipicamente os segundos semestres são sempre piores, dada a sazonalidade do que os primeiros semestres, mas também não queremos perder de vista a competitividade da equipa de futebol. O André já referiu que temos a obrigação de ser campeões para o ano, já colocou a fasquia bem alta e, a fazermos alguma coisa, será sempre pesando o aspeto financeiro com a parte competitiva e desportiva.

— Está preocupado com aquilo que vai sabendo, ainda esta semana a agência que representa o Otávio meteu mais uma ação em tribunal?

— Sim! Digamos que temos bastante preocupação, temos referido que o FC Porto tem um problema económico, não gera receitas para cobrir as despesas, tem um problema financeiro que decorreu desse problema económico. Tem uma dívida elevada com custos elevados e temos os sinais todos de ter também um problema de tesouraria muito grande. Essas ações decorrem de quê? Decorrem de não cumprimento de obrigações do clube. E há outros sinais, a questão da UEFA, que não sei se vai tocar mais à frente, mas é outro dos sinais. O que é que nós estamos à espera? Estamos à espera de uma situação em que vai haver uma dificuldade enorme para cumprir com aquilo que são os compromissos de curto prazo, com os pagamentos de salários, impostos, Segurança Social e aos clubes decorrentes das transações dos jogadores. Sabemos que o clube tem vindo a utilizar constantemente antecipação de receitas para resolver esses problemas, mas isto não deixa de ser uma fuga para a frente. Porquê? Não gera receitas, antecipa receitas do futuro e depois o futuro alguma vez chega, está a chegar agora. Ganhando estas eleições, vamos receber o clube com três ou quatro anos de receitas de direitos televisivos 100 por cento antecipadas, o que significa uma situação de défice de tesouraria enorme.

— A SAD antecipou receitas dos direitos televisivos e só sobra uma época para a nova Direção. Como vê a centralização dos direitos na Liga depois de 2028?

— Essa não é a nossa preocupação imediata. Estamos a falar de um horizonte 28, a formatação do negócio será em 2026 e nós entrando temos salários de abril e maio para pagar. Isto só para situar as coisas. Em termos daquilo que é a receita de curto prazo nos direitos televisivos está completamente fechado o contrato está fechado e antecipado. Em termos do nosso próximo mandato, o impacto desta centralização vai ser zero. Mas, antecipando um bocadinho essa situação, no futuro participaremos como os restantes clubes neste processo, que vai ser conduzido pela Liga e não por nenhum clube em particular. A nossa preocupação vai ser, em conjunto com os demais clubes, procurar valorizar o melhor possível o produto para que ele tenha mais valor quer no mercado nacional quer no mercado internacional, estruturar a venda dos direitos da melhor forma para que haja o máximo de concorrência possível e que se consiga extrair o máximo valor possível, recordando sempre que este processo da centralização começou com uma premissa de que todos os clubes iriam ganhar, ou que pelo menos não iriam perder face à situação atual. E é essa a situação que o FC Porto irá procurar acautelar.

— André Villas-Boas prometeu um corte de despesas na Administração da SAD. A redução de custos também englobará a equipa profissional e equipa técnica?

— Em relação aos custos da administração, o compromisso foi de redução de 50 por cento na componente fixa e depois de fixação de um teto máximo para prémios que nunca poderiam ultrapassar 60 por cento da remuneração fixa, isto em caso de um ano positivo, cumprindo os objetivos desportivos e financeiros. Em termos práticos, mesmo num tal cenário positivo e financeiro, um custo bem abaixo do que é o custo fixo atual da SAD, sem falar nos prémios que têm sido atribuídos. No que diz respeito aos custos com plantel e equipa técnica, mais uma vez existe regulamentação da UEFA a esse propósito. Existe uma regra que obriga a que todos os clubes participantes em provas da UEFA caminhem dentro de dois exercícios para terem no máximo 70 por cento desses custos, divididos pelas receitas operacionais. Aqui terá de haver um ajuste sempre em função do que são as receitas geradas. Em anos com boas prestações de Champions, haverá maior capacidade mais prémios, em anos em que haja mais aperto, terá de haver maior contenção. Essa regra vai acabar por definir na prática aquilo que é possível fazer efetivamente. Mas isso aplica-se ao FC Porto como a qualquer outro clube.