Otamendi: de mal-amado a líder e ídolo da bancada

Benfica Otamendi: de mal-amado a líder e ídolo da bancada

NACIONAL07.06.202312:12

Final de setembro de 2020. Em plena pandemia provocada pelo vírus Covid-19, o Benfica fez negócio dois em um que fez correr muita tinta: vendeu Rúben Dias ao Manchester City e assegurou, em sentido inverso, a contratação de Nico Otamendi, defesa-central argentino, com passado ligado ao FC Porto, onde fora tricampeão no início da sua aventura europeia. As reações de desagrado, entre anónimos e até figuras públicas, depressa invadiram a opinião pública. O Benfica trocava, no fundo, um jovem promissor, formado no Seixal, que muitos sonhavam ver rapidamente a usar a braçadeira de capitão, por um jogador que se suspeitava estar de volta a Portugal na fase descendente da carreira, mas acima de tudo conotado com o rival FC Porto e que até se sagrara campeão em pleno Estádio da Luz, no célebre jogo em que as luzes foram apagadas no final e a rega automática ligada.

Rui Gomes da Silva, ex-dirigente do Benfica e candidato à presidência do clube no ato eleitoral agendado para outubro desse ano (2020) foi dos que deixaram críticas ao negócio. «Sai um jogador de 23 anos e titular, com espírito Benfica, e em troca vem um jogador de 32 anos, que em abril relembrava o seu espírito FCP», escreveu no Twitter em alusão a uma entrevista recente que Otamendi dera abordando a hipótese de voltar a Portugal e ao FC Porto. A contratação de argentino teve, ainda, o raro efeito de unir benfiquistas e portistas nas críticas ao jogador. Foram muitos os anónimos que invadiram as redes sociais dele com insultos... «Dragarto», «pesetero», «não mereces jogar no Benfica» ou «tem vergonha na cara» foram alguns dos impropérios. João Manuel Pinto, central que jogou no FC Porto e mais tarde no Benfica, analisava como «normal» o facto de os adeptos não aceitarem bem a troca: «É normal que não sejam bem recebidos».

Foi neste clima de desconfiança que Otamendi foi apresentado, no Seixal, a 29 de setembro de 2020, ao lado de Rui Costa, então ainda apenas diretor desportivo e administrador da SAD. «Defenderei o Benfica até à morte. Foi o clube que mais se interessou por mim e venho em busca de jogar com muita fome. Conquistas no FC Porto? Ficam na memória mas é passado», sublinhava o argentino ao mesmo tempo que revelava que Bernardo Silva lhe dissera que ia «para o melhor clube do mundo».

A alusão a Bernardo Silva, menino querido da massa adepta dos encarnados, não foi inocente e funcionou como primeiro penso-rápido para atenuar as desconfianças. Mas as críticas voltaram a subir de volume quando Jorge Jesus decide entregar-lhe a braçadeira de capitão apenas ao terceiro jogo de águia ao peito. Aconteceu na Polónia, em Poznan, a 22 de outubro de 2020, quando Pizzi saiu do relvado e entregou a braçadeira ao argentino. E usou-a, depois, logo de início no jogo seguinte, com a B SAD. Nas redes sociais adeptos novamente em polvorosa. E Jorge Jesus respondeu: «Foi uma decisão minha, mas polémica mas sei porquê. O Otamendi foi capitão do Manchester City, é sub-capitão da Argentina, só! Tem currículo, estatuto e experiência de balneário. Um capitão não é escolhido por ter muitos anos de clube, isso era no tempo do D. Afonso Henriques! Para seres capitão tens de ter argumentos. Percebo que não se goste, pois o Otamendi foi jogador do FC Porto, mas isso não existe no futebol mundial.» Fim de discussão. Otamendi terminou essa época com 12 jogos a utilizar a braçadeira no braço, numa temporada em que além dele André Almeida, Pizzi ou Jardel também eram os capitães. Subiu para 23 na época seguinte e nesta derradeira temporada sempre que esteve em campo foi ele o capitão. Foi ele que levantou o troféu de campeão, o primeiro que curiosamente conquistou de águia ao peito.

Mas mesmo nada ganhando nas duas primeiras temporadas, Otamendi rapidamente apagou a desconfiança que em redor dele existia. Os números apresentados ajudam a perceber como de mal-amado se transformou em ídolo do terceiro anel: em três anos, nos 127 jogos realizados pelo emblema da águia (em 163 possíveis), foi sempre titular, nem um único jogo como suplente utilizado e apenas em quatro ocasiões foi substituído. Aos 35 anos apresenta impressionante forma física. Comprova-o o facto de em três anos não ter falhado um jogo que fosse por lesão. Além do excesso de cartões, apenas o Covid-19 o tirou de campo em três jogos na época 2020/2021. De resto, ao longo de uma carreira que já leva mais 550 jogos (sem contar com seleção) Otamendi apenas falhou oito jogos por problemas físicos.

Quem o conhece bem de conviver com ele no balneário, garante que o central argentino é exemplo de profissionalismo para todos os companheiros, desde os mais velhos aos mais novos. É essa atitude que o Benfica não quer perder em ano de final de contrato. A saída dele implica a perda de uma referência importante no balneário, numa fase em que a equipa se rejuvenesce com o projeto iniciado esta época por Rui Costa e Roger Schmidt. Os adeptos perceberam essa influência e o «fica Otamendi» foi um dos cânticos mais entoados nos festejos do 38. Resta saber se serão música para os ouvidos do central argentino.