Ventos de mudança na Liga
Pedro Proença vai deixar a Liga para se candidatar à presidência da FPF (Foto: LPFP)

Ventos de mudança na Liga

'Mercado de Valores' é o espaço de opinião semanal de Diogo Luís, antigo jogador e economista

Evolução financeira da LPFP

Um dos principais pontos apontados à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e aos mandatos de Pedro Proença (desde 2015) foi a denominada recuperação financeira. Para nos enquadrarmos será necessário lembrar que 2015 foi precisamente o primeiro ano em que gerimos o país sem a intervenção da Troika. Todos sabemos as dificuldades e os sacrifícios que tivemos de fazer de forma a que a economia portuguesa desse a volta por cima. Entre 2015 e setembro de 2022 passámos por um período de taxas de juro negativas, o que significa que todos os financiamentos que efetuámos neste período representaram um custo muito mais reduzido para cada um de nós. Entre 2015 e 2024 o PIB português cresceu 44% (de €198.000 M para €287.000 M).

Como exemplo, os proveitos operacionais do Benfica, sem vendas de jogadores, passaram de €102 M para €179 M. Já no Sporting a evolução foi de €58 M para €103 M. Tendo em conta este enquadramento o difícil seria a LPFP não ter tido uma evolução similar. As economias mundiais tiveram uma dinâmica muito positiva, sendo que a indústria do futebol teve um desenvolvimento ainda mais robusto, com uma evolução a todos os níveis e que se reflete, por exemplo, no aumento dos prémios da Liga dos Campeões.

Analisando a evolução da LPFP no mandato de Pedro Proença podemos verificar que, em 2015, os rendimentos operacionais passaram de €14,7 M para €29 M em 2024 e os gastos de €13,2 M para €28,3 M, respetivamente. Importa referir que nos difíceis anos de Covid (2019/2020 e 2020/2021) a LPFP teve um resultado positivo de aproximadamente €2 M, quando os clubes passaram por enormes dificuldades! Se analisarmos o ativo, a diferença substancial está refletida na nova sede da Liga de clubes que está contabilizada com €20 M.

Já no passivo, Pedro Proença deixa um financiamento (dívida) substancialmente superior, numa altura em que as taxas de juro são muito mais altas do que quando chegou à Liga, o que vai acarretar um custo de financiamento muito superior para os próximos exercícios fiscais. Outro ponto importante é que a diferença entre os compromissos da Liga no curto prazo (passivo corrente-ativo corrente) apresentava um défice de dívida de €600.000 em 2015. No último relatório e contas essa diferença é de €5 M!

Não querendo retirar mérito à capacidade de organização de Pedro Proença e da sua equipa, estes dados permitem-nos concluir que a evolução financeira da LPFP foi em grande percentagem motivada por fatores externos.

Evolução desportiva

Se formos analisar a LPFP em termos desportivos a evolução também não foi substancial. Os espetáculos continuam a ser pobres. A LPFP está nivelada por baixo. Os quadros competitivos não foram alterados. A maior parte dos estádios estão despidos. Há clubes que não inscrevem jogadores por dívidas a terceiros e continuam a competir no primeiro escalão nacional. A tão abordada união entre clubes só existe nas palavras. Com os vários episódios que vão sucedendo nos estádios, as famílias ainda não se sentem confortáveis para ir a todos os jogos de futebol.

A imagem do futebol português está a melhorar, mas em grande parte pelos nossos jogadores e treinadores que nos representam pelo mundo e não pela imagem que a nossa Liga passa lá para fora. Vários episódios têm manchado essa mesma imagem. O exemplo mais recente foi o de um treinador ter entrado numa sala de imprensa rodeado de polícias!

Centralização dos direitos de TV

Este é outro dos temas quentes e que desconhecemos a evolução. Rui Caeiro, um dos representantes da LPFP, referiu em maio: «Estamos exatamente no ponto em pensámos que deveríamos estar.» A pergunta que se impõe é: qual é o ponto em que deveríamos estar? É importante realçar que este é um dos aspetos de maior importância para a evolução da nossa Liga. Se analisarmos todas as outras ligas onde a centralização entrou em vigor, percebemos que a competitividade aumentou. Os grandes ficarão sempre mais fortes se tiverem uma concorrência superior. Os espetáculos deverão melhorar. Os patrocinadores e parceiros irão aumentar. Os estádios irão ter de ter melhores condições e em consequência disso, e da maior competitividade, irão ter mais espectadores.

Para que tudo isto aconteça é fundamental começar desde baixo, ou seja, tentar criar um produto apelativo. O papel do presidente da Liga deve ser o de liderar o processo de negociação e, acima de tudo, o de fazer com que os clubes percebam que têm de ser criadas regras e condições para que todos saiam a ganhar. Analisando este importante dossiê percebemos que muito pouco foi feito neste sentido.

O futuro?

A o contrário do que muitos possam pensar, a saída de Pedro Proença pode ser muito importante para a evolução da LPFP. Já começam a surgir os primeiros nomes: Reinaldo Teixeira, presidente da Associação de Futebol do Algarve, Júlio Mendes, ex-presidente do Vitória de Guimarães, e João Fonseca, gestor, quadro da FIFA e especialista em direitos televisivos.

Analisando estas alternativas, não tenho dúvidas que os dois primeiros representam o que tem sido o futebol português ou o sistema em que entram uns e saem outros e fica tudo na mesma. João Fonseca pode ser o wild card de que o futebol português precisa. Dirigente da nova geração, com know-how e bem referenciado pelo seu trabalho na FIFA. É discreto, não se autoelogia nem faz propaganda de si mesmo. É respeitado e reconhecido internamente e externamente, nas instâncias do futebol, mas também do poder político. Tem experiência e conhecimentos na negociação de direitos de TV. Está por dentro da evolução da indústria do desporto, em geral, e do futebol, em particular. Conhece bem a realidade portuguesa e dos clubes portugueses. Numa Liga que vai enfrentar os seus maiores desafios da história será necessário escolher com critério.

Se João Fonseca decidir ser candidato é porque tem a convicção de que pode fazer diferente e melhor. Sendo uma pessoa metódica, já deverá ter o seu programa e a sua equipa, até porque tem a noção de que nada se faz sozinho e que o trabalho em equipa é fundamental. Por fim, tem um ponto que o difere dos que estão associados ao sistema: não pretende ter um cargo para ser reconhecido até porque já tem um lugar de destaque na FIFA e no Conselho Nacional do Desporto. A sua valorização e ambição serão sempre o resultado do trabalho que vier a realizar e que lhe for reconhecido. Não será fácil convênce-lo a regressar a Portugal, mas pode estar aqui uma grande oportunidade para os clubes demonstrarem o caminho que querem seguir.

A valorizar: Gonçalo Ramos

Regressou igual a si próprio. Três jogos, 85 minutos e três golos no PSG.