«O VAR sempre foi pensado como carreira autónoma»
Fontelas Gomes

ENTREVISTA A BOLA «O VAR sempre foi pensado como carreira autónoma»

NACIONAL20.06.202408:00

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— Que balanço faz da arbitragem, na época de 2023/24, quando começa a haver uma maior habituação ao VAR?

— O balanço é muito positivo, fizemos uma época muito boa, quer a nível interno como a nível internacional. É verdade que as coisas não começaram da na melhor forma, mas deixou-nos efetivamente felizes ter chegado ao ao fim do campeonato e perceber que a arbitragem não teve qualquer influência, nem na atribuição do campeão, nem nas despromoções. O nosso objetivo é ter o mínimo de interferência possível. Juntando a tudo isto, ter tido o Artur Soares Dias na final da Conferência Liga, termos uma equipa de arbitragem na fase final do Euro-2024, e ainda marcarmos presença. com árbitros, no Mundial de Futebol de Praia, no Europeu de sub-17 e no Mundial de sub-20, é fantástico.

— Crê que continuaremos a ter, de forma natural e contínua, os nossos árbitros nas competições internacionais?

— Para já isso foi conseguido!

— No início da época, especialmente depois do Casa Pia-Sporting, que correu mal em termos de arbitragem, chegou a assustar-se?

— Francamente, não. A experiência que fomos adquirindo ao longo destes oito anos — e todos nós crescemos — deu-nos uma carapaça e uma resiliência que nos ajudam a ultrapassar aquilo que são as fases menos boas, como qualquer equipa tem, ou como qualquer jogador acaba por ter, em termos individuais.

— Ainda estão a procurar a melhor fórmula de comunicar com o exterior?

— Sim, é um dos nossos objetivos. Queremos ser muito transparentes em relação ao que fazemos, e, diga-se, já ensaiámos uma comunicação diferente. Introduzimos explicações, para os adeptos perceberem melhor, o fundamento das decisões dos árbitros. Todos os meses realizámos uma exposição pública, e fizemos pedagogia relativamente à vídeoarbitragem. Também fomos o primeiro país a dar explicações públicas, em tempo real, das decisões tomadas em campo.

«Não descarto a hipótese de concorrer às próximas eleições»

20 junho 2024, 08:15

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O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— Prepararam os árbitros para isso?

— Temos feito essa preparação, que nos ajuda a ser mais transparentes, ao transmitirmos aos adeptos o porquê das nossas decisões. Compreendo alguma pressa que as pessoas possam ter quanto a uma maior abertura da arbitragem, mas estas coisas carecem de tempo e traduzem uma realidade positiva, que não deve ser tratada como algo negativo.

— Nos estádios portugueses comunica-se de forma mais aberta do que a que está a ser praticada no Campeonato da Europa. Isso não pode provocar alguma fricção com a UEFA?

— Sendo diferente, não causa qualquer fricção. O método que utilizamos foi aprovado pelo IFAB, e parece-me encerrar algum conteúdo, em termos pedagógicos, ajudando as pessoas a perceberem o porquê da decisão ter sido tomada. É para, manter em vigor.

— Quando, nas explicações mensais, têm de assumir erros das equipas de arbitragem, isso causa-vos algum constrangimento? Como é que os próprios árbitros se sentem?

— Não, não nos causa qualquer dificuldade. Uma das coisas que trabalhámos ao longo destes oito anos incidiu precisamente em que o grupo assumisse o seu erro. Só assim ganhamos credibilidade, e foi incutido esse espírito. Hoje, os árbitros estão muito à-vontade para assumir um erro, e mais à-vontade ainda para explicá-lo. O que mais queremos é que as pessoas percebam um bocadinho mais de arbitragem, compreendam melhor o porquê as decisões, e a razão que, por vezes, conduz aos erros.

«Um árbitro ganha, por norma, entre os 5 mil e os 6 mil euros brutos por mês»

20 junho 2024, 08:30

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— Sente que, desde que chegou o VAR, por parte dos adeptos começou a haver menos tolerância ao erro?

— Sim, é verdade. Todos nós, quando estamos a ver o jogo no sofá, acabamos por tomar uma decisão. E se, do outro lado, a decisão não vai ao encontro da nossa, passa a ser um erro. Mas atenção: há erros nossos, que acontecem; mas há outras situações em que os adeptos têm uma opinião diferente daquela que é a opinião da arbitragem!

— Têm números que apontam, na era do VAR, para uma redução substancial dos erros graves?

— Sim, sem dúvida. Para quem está envolvido na arbitragem, esta é uma ferramenta extremamente importante. Costumamos dizer que basta haver um erro ser revertido, e isso, para nós, já é uma vitória, e nesta época que agora acabou houve 121. O que queremos, efetivamente, é que haja maior verdade desportiva e que os erros dos árbitros tenham o mínimo de interferência em termos de resultados

— O VAR vai ser uma carreira?

— Do nosso ponto de vista, o VAR sempre foi pensado como uma carreira autónoma. Se reparar, e às vezes as pessoas têm menos atenção a estes detalhes, desde a primeira hora em que introduzimos a vídeo-arbitragem em Portugal, tivemos elementos especializados, que não fizeram outra coisa. E temos crescido bastante: começámos com quatro vídeoárbitros especialistas, e hoje já temos 19 nas primeira e segunda ligas. O nosso plano é que esta carreira seja cada vez mais sólida e sustentada. E é impossível falar disto sem referir o investimento adicional que a FPF fez na vídeoarbitragem, quer na segunda liga, quer na fase final da Liga 3, com 29 jogos com VAR, quer ainda no campeonato feminino. Portanto, haver uma carreira apenas de vídeoarbitragem é um objetivo em que estamos a trabalhar.

— Porém, do ponto de vista formal, não existe sequer a carreira de árbitro, os pagamentos são feitos a recibos verdes, e os árbitros recebem na qualidade de prestadores de serviços. Quando é que isso pode ser alterado? Tem ouvido conversas com o Governo? Qual é o ponto da situação?

— Já há muitos anos que os árbitros lutam por essa carreira, pela regulamentação da profissão de árbitro. Recordo que, ainda como presidente da APAF, tive várias reuniões com o Governo, no sentido de regulamentar a carreira, e até hoje nada aconteceu. Para mim trata-se de uma questão fundamental, porque uma vez resolvida irá concorrer para a estabilidade do árbitro, e para a forma como este olha para o futuro. Agora, só o Governo poderá efetivamente alterar esta situação.

— Fiz um pequeno estudo em relação ao VAR, englobando os últimos cinco anos sem VAR e os primeiros cinco anos com VAR, e uma das conclusões foi que os pontos conquistados fora de casa aumentaram entre 20% e 25% com o VAR. Isto significa que os árbitros passaram a estar mais à-vontade, sem aquele condicionamento que eventualmente sentiam antes de haver VAR?

— Estamos a trabalhar uma nova geração, e precisamos de oito a doze anos para fazer um árbitro. Com o VAR passou a haver uma grande ajuda nas decisões fulcrais, e hoje em dia os árbitros sentem que estão imunes a pressões exteriores, e estão à vontade, dentro do campo, para tomar as suas decisões. E quando estas são menos conseguidas, têm o conforto do VAR para repor a verdade desportiva. Curiosamente, nesta época que agora terminou, houve quatro equipas diferentes a ganhar os quatro títulos em disputa…

— E isso quer dizer especificamente o quê?

— Diz muito da independência que marca a arbitragem hoje em dia. Aquilo que incutimos aos árbitros é que todos os clubes têm que ser tratados por igual, sejam eles grandes ou pequenos.