«Não descarto a hipótese de concorrer às próximas eleições»

ENTREVISTA A BOLA «Não descarto a hipótese de concorrer às próximas eleições»

NACIONAL20.06.202408:15

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— Tem oito anos de mandato, que foram os oito anos de maior revolução de sempre na arbitragem a nível mundial. Como é que foi passar por essa revolução e implementá-la, porque em termos logísticos e de pessoal, tudo mudou radicalmente?

— Foi extremamente difícil e desafiante, com coisas a acontecerem quase de um dia para o outro. Neste período lançámos a vídeo-arbitragem, fomos pioneiros em vários projetos de grande dimensão e somos únicos no mundo com quatro competições com VAR. Passar de um estado em que a arbitragem esteve praticamente parada durante vinte ou trinta anos para o que temos hoje foi extremamente difícil, e envolveu muita gente. Houve muita colaboração das associações distritais com quem tenho uma relação muito próxima, e dos seus Conselhos de Arbitragem, bem como uma profícua parceria com a APAF e outras associações de classe.

— E foi preciso quem investisse…

— Nunca podemos esquecer a visão do dr. Fernando Gomes, que nos acompanhou, ajudou e apoiou financeiramente, dando-nos autonomia plena. Começamos agora a colher frutos do que foi feito, e provavelmente estas nomeações internacionais são a prova mais visível disso mesmo.

— O dr. Fernando Gomes está no último mandato, enquanto que o José Fontelas Gomes ainda pode fazer mais um. Em princípio haverá eleições para a FPF em janeiro de 2025, e a pergunta que lhe faço é se está a pensar concorrer, com uma lista autónoma, à presidência do próximo Conselho de Arbitragem?

— Bom, para ser sincero, aquilo de que eu preciso agora é descansar um pouco. Porém, como viu, o nosso descanso é este, a preparar já a próxima época, e esse é o meu grande foco. Quanto à sua pergunta, primeiro vou ouvir os sócios da FPF, saber o que querem para a arbitragem distrital e nacional, para o futebol nacional e distrital. Quero perceber, efetivamente, qual será o caminho do futebol português e, só depois disso, é que tomarei uma decisão. Neste momento, digo que é difícil continuar na arbitragem com outro presidente, porque tive uma experiência muito boa com o dr. Fernando Gomes, porque só com investimento e a autonomia é que a arbitragem pode continuar a evoluir.

«O VAR sempre foi pensado como carreira autónoma»

20 junho 2024, 08:00

«O VAR sempre foi pensado como carreira autónoma»

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— Mas admite apresentar uma lista independente às eleições para o CA?

— Pode ser uma solução. Mas antes farei uma auscultação aos sócios da FPF. É preciso saber o que se quer para o futebol português e aquilo com que, em termos pessoais, posso contribuir. Estarei disponível para contribuir para uma harmonização no nosso futebol.

— Então não descarta apresentar-se em lista autónoma às eleições?

— Não, não descarto.

— Sente que, após oito anos, ainda tem coisas que gostava de ver feitas na arbitragem?

— Cresci muito, como dirigente, ao longo destes oito anos, aprendi com os erros, construí um trajeto internacional, até com o Comité de Arbitragem da UEFA, com quem temos uma relação muito próxima, sustentada e verdadeira, e isso é algo que não deve ser deitado fora para que a arbitragem continue a ganhar espaço fora de portas. Acho que é justo reconhecer que não foram só os árbitros a crescer nestes oito anos. Eu e a minha equipa também melhoramos, aprendemos com alguns erros que acabam por ser naturais num percurso tão complexo como este.

— E do ponto de vista pessoal?

— Pessoalmente, tenho hoje capacidades de gestão que não tinha quando o presidente Fernando Gomes me convidou. Devo agradecer à minha equipa, aos árbitros, mas sobretudo à FPF, uma organização que nos permite evoluir e participar em áreas que não são apenas a arbitragem. Hoje posso dizer que uma pessoa que é capaz de gerir algo tão complexo e profundo como a arbitragem está capacitada para trabalhar em qualquer área do futebol.

«Um árbitro ganha, por norma, entre os 5 mil e os 6 mil euros brutos por mês»

20 junho 2024, 08:30

«Um árbitro ganha, por norma, entre os 5 mil e os 6 mil euros brutos por mês»

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— Se não continuar, fica com a consciência que entrega ‘a casa’ melhor do que a encontrou?

— Houve nestes anos uma evolução muito grande e há uma enorme diferença entre o que era e o que é, a todos os níveis. O plano que tínhamos para a evolução da arbitragem portuguesa deu seus frutos e posso avançar com alguns exemplos: em 2016 dávamos cerca de 667 horas de formação anuais em todo o país; hoje damos mais de 4 mil horas! E nos últimos três anos o nosso foco tem estado em alargar a base da formação, e para isso temos um plano para colaborar com as Associações distritais. Trata-se de um trabalho menos visível, como é natural, mas só assim poderemos ter melhores árbitros no dia de amanhã.

— Ao dia de hoje, quantos árbitros gere, diretamente, o Conselho de Arbitragem da FPF, e quanto custa a arbitragem, anualmente?

— Nós gerimos, em termos nacionais, cerca de 850 árbitros, a que associam, indiretamente, um milhar de pessoas, com um orçamento de nove milhões de euros anuais. É um trabalho realizado com técnicos, com Conselhos de Arbitragem distritais e regionais, com outros árbitros em categorias próximas de subir à primeira divisão e com um scouting que procura árbitros com qualidade. Esta metodologia, ao longo destes oito anos, tinha que dar frutos…

— Quantos árbitros há, a nível nacional?

— Temos hoje 5418 árbitros, em termos nacionais, e quando entrámos tínhamos 3800. Temos vindo a crescer, mesmo com o problema que tivemos, no país e no mundo, com a pandemia, na qual perdemos bastantes árbitros. Fizemos uma campanha, em novembro passado, a que demos o nome de Bem Arbitrar, na qual estivemos em tudo o que foram redes sociais, televisões e jornais que nos deram muito suporte nesse sentido. Conseguimos, com essa campanha, cerca de 1300 candidatos a árbitro, o que resulta da credibilidade que passámos a ter.

— Sei que nesta altura conseguem ter árbitros em todos os jogos, mas também há, ao fim de semana, árbitros que ficam extremamente sobrecarregados. Qual seria o número ideal de árbitros para viverem com alguma qualidade?

— Penso que estamos a chegar perto deste número, graças a esta campanha. Cerca de 6000 árbitros seria o ideal. Aquilo que está estudado, e que permitia um número de jogos equilibrado por fim-de-semana, seria três. A verdade é que há árbitros a fazer seis, sete e oito jogos por fim-de-semana, o que faz com que muitos deles se desmotivem, porque não têm o tempo mínimo para poder descansar e estar com as suas famílias.

— A estrutura existente é suficiente, ou é necessário investir mais ?

— É fundamental investir mais e temos trabalhado nesse sentido. É preciso termos um profissional, nos distritos, a tempo inteiro, a trabalhar na arbitragem. Só assim haverá crescimento. E mais, não tenho quaisquer dúvidas de que o futuro passará por aí. Além disso, é uma posição que pode ser aliciante para um árbitro que termine a carreira da I ou II Liga, transportando toda a sua experiência ao mais alto nível.

— Por falar em futuro, sei que defende a criação, para a arbitragem das competições profissionais, de uma estrutura diferente da que temos, mais parecida com aquela implementada por ingleses e alemães. Esse projeto ficou pelo caminho com a queda do Governo de António Costa, já que carecia de uma alteração legislativa, que ficou sem tempo útil para ver a luz do dia. Pensa retomar, caso se recandidate e seja eleito, essa luta e essa caminhada para que a arbitragem tenha um edifício autónomo e independente, a funcionar como uma sociedade?

— Sim, sem dúvida. Com a queda do Governo houve um atraso, mas não deixámos cair esse projeto. Vamos, brevemente, falar com o atual Governo, no sentido de continuarmos a trabalhar em conjunto esse processo, que poderá resultar em mais um grande passo rumo à melhoria da Arbitragem. Não tenho dúvidas em relação a isso, porque trará uma estrutura muito mais profissional. E, principalmente, porque permitirá uma coisa que defendo desde sempre: cada gestor deve poder escolher a sua equipa, não podemos continuar este caminho de perder um árbitro por uma milésima apenas porque teve um jogo menos bom. A obrigatoriedade de subidas e descidas, por vezes faz-nos perder árbitros que têm qualidade para continuar. A gestão da arbitragem tem de ser como a gestão de um clube, que tem um departamento de scouting, que deteta talentos os leva para treinar, ou para integrá-los nas suas equipas. Nós não podemos fazer isso. Se encontrar um árbitro com qualidade num distrito com menos visibilidade, não posso trazê-lo para uma categoria nacional. Apenas posso ir acompanhando e percebendo se vai tendo, ou não, uma boa evolução, mas não posso trazê-lo. É minha convicção de que perdemos alguns talentos na arbitragem por causa deste tipo de classificação.

— Disse-me que conseguiram 1200 novos árbitros. Qual é o argumento que se dá a um jovem para ingressar na arbitragem, sendo que ainda não há uma carreira definida, trata-se de uma atividade difícil, exigente, e não muito bem remunerada?

— Tentamos passar aquilo que é a nossa paixão, quando temos essa conversa com os jovens candidatos. Mostramos-lhes o que é a família da arbitragem, e os valores que nos norteiam. Captá-los é um a coisa, mantê-los é outra, e se queremos ter uma taxa de retenção maior, o acompanhamento tem de ser melhor e isso só se consegue através da profissionalização das estruturas distritais, de maneira a que possamos segui-los, perceber qual foi o jogo em que estiveram mal, o que é que é que os melindrou, para podermos dar a volta e mantê-los. A verdade é que quando estão cá há quatro ou cinco anos e continuam a ter objetivos, devido à sua idade, de poder progredir, não saem.

— Quando fazem essa prospeção, qual é o vosso público alvo?

— Passámos a fazer muito trabalho nas escolas, entre os 14 e os 18/20 anos. Montámos alguns cursos específicos para os estabelecimentos de ensino, sensibilizámos os cursos de desporto a terem matérias de arbitragem, e fizemos protocolos com as escolas profissionais. Mas o foco está nestas idades.

— Tentam cativar, especialmente, jovens que tenham jogado nos escalões de formação?

— Sim, entendemos como uma grande mais-valia o facto de terem jogado futebol, Porque a perceção do jogo, e daquilo que é estar num campo de futebol é totalmente diferente. Além disso, a evolução, nesses casos, em termos de arbitragem, é muito mais rápida.

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