«A arbitragem custa nove milhões de euros por época, a FPF paga 5,5 milhões e a Liga o resto»

ENTREVISTA A BOLA «A arbitragem custa nove milhões de euros por época, a FPF paga 5,5 milhões e a Liga o resto»

NACIONAL20.06.202408:45

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— Como é a relação do Conselho de Arbitragem com os clubes?

— O Conselho de Arbitragem fala e recebe todos os dirigentes, sempre que algum clube tem uma dúvida sobre como foi tomada uma decisão, abrimos as portas da FPF para poderem ver e ouvir aquilo que foi esse determinado momento da arbitragem.

— Mas essa é uma realidade que não passa para a opinião pública…

— Há coisas que ficam apenas entre nós e os clubes. É esta a nossa forma de nos relacionarmos, as pessoas nos podem pôr as suas dúvidas e nós respondemos com total transparência, estejam, ou não, em causa erros dos árbitros. Aliás, vou mais longe: o que eu gostava de poder fazer e ainda não é permitido era que estivesse um elemento de cada clube a ver e ouvir tudo que se passa durante o jogo na sala do VAR. Dessa forma, todos perceberiam que não há nada a esconder.

— E quanto a ouvirem-se, ao vivo, no estádio, as comunicações entre árbitro e VAR, como sucede no râguebi?

— Acredito que, no futebol, acabaremos por lá chegar. Mas há mentalidades que têm de ser mudadas. Porém, o que nós efetivamente queremos é que as pessoas tirem alguns fantasmas da cabeça.

— Quando é que os árbitros poderão contar o seu lado da história, depois dos jogos?

— Temos trabalhado muito no aspeto da comunicação, tendo consciência de que estamos perante um equilíbrio difícil de levar a cabo. Nós estamos a trabalhar em várias matérias de comunicação da arbitragem. Queremos elucidar as pessoas, e foi por isso que, mensalmente, passámos a apresentar e explicar alguns casos de vídeo-arbitragem que marcaram as jornadas. Nestas coisas, criticar é sempre mais fácil do que elogiar, mas a verdade é que hoje ninguém fala sobre esse tema.

«O VAR sempre foi pensado como carreira autónoma»

20 junho 2024, 08:00

«O VAR sempre foi pensado como carreira autónoma»

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— A arbitragem é uma atividade que provoca muita solidão. O árbitro tem de decidir, depois tem de viver com a decisão que tomou, e por vezes precisa de superar o erro que cometeu. Qual é o apoio psicológico que é dado aos árbitros?

— Fazemos é um trabalho específico para recuperar os árbitros e temos um psicólogo que trabalha connosco desde 2017. Há um trabalho técnico que incide no erro cometido, mas sentimos a necessidade de, principalmente, recuperar o árbitro psicologicamente. Para mim, trata-se de um aspeto essencial, pelo mediatismo que um erro gera, e pela exposição e crítica da sociedade que vem associada. Nessas alturas, isolamos os árbitros da pressão da comunicação social, aliás aconselhamos mesmo a que não vejam, não oiçam, nem leiam, porque temos a noção clara de que quanto mais sentirem a crítica, mais perturbados irão ficar.

— Têm apenas um psicólogo a trabalhar convosco, sabendo-se que há árbitros que recorrem a psicólogos ou ‘coaches’ privados?

— Temos um psicólogo que trabalha de forma mais próxima com os árbitros da I Liga. O que temos como plano para o futuro é criar um departamento com mais psicólogos, que também consigam ajudar as outras categorias mais abaixo.

— Há outras áreas específicas onde façam incidir o vosso trabalho?

— Sim, por exemplo a expressão facial, qual é a melhor forma de exibir um cartão amarelo, fugindo a uma imagem arrogante, e para isso mostramos muitos vídeos daquilo que os árbitros fazem em campo, para corrigirmos o que tiver de ser corrigido. E também o VAR: o nosso psicólogo ouve muitas vezes as comunicações árbitro-VAR, para irmos moldando e limando todas as arestas.

«Não descarto a hipótese de concorrer às próximas eleições»

20 junho 2024, 08:15

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O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— É possível ser árbitro sem uma autoestima muito grande, e às vezes, até, um ego um bocadinho insuflado?

— Possível, é, mas faz parte. Às vezes esse ego, que chega a roçar a arrogância, não passa de uma forma do árbitro se defender da pressão. É uma espécie de capa que o ajuda a combater aquilo que corre menos bem.

— Qual é o critério de nomeações dos árbitros e dos VAR?

— Se temos jogos, à partida, mais equilibrados, tentamos ter um bom árbitro em campo e um bom VAR. Mas temos sempre a preocupação de melhorar as ferramentas de cada um, e em jogos de previsível menor grau de dificuldade, por vezes pomos um bom árbitro e um videoárbitro menos experiente, para ir ganhando traquejo, e às vezes fazemos o contrário, colocando um árbitro com menos experiência nom jogo e pomos um bom VAR que lhe sirva de suporte.

— Há a ideia, diga-me se certa ou errada, que quase sempre que o VAR chama o árbitro para ver um lance no monitor, este acata a sugestão que chega da Cidade do Futebol…

— Sim, isso corresponde à realidade. O VAR só chama o árbitro quando deteta o que, na sua opinião é um erro. E em 90% dessas intervenções o árbitro vai ver e altera a decisão, porque apercebeu-se de algo diferente do que lhe parecera no campo. Porque é bom não esquecer que as chamadas do VAR devem reportar-se apenas, nos termos do protocolo, a erros claros e evidentes…

— Haver um protocolo-VAR é uma coisa boa, cria parâmetros, mas o que está em vigor parece carecer, cada vez mais, de reforma. Concorda?

— Sim, tem que haver uma melhoria, do meu ponto de vista, que ajude ainda mais a atingir-se a verdade desportiva, e ao mesmo tempo que ajude a arbitragem. É bom lembrar que há VAR há poucos anos, mas já nos podemos olhar para o protocolo de outra forma. No futuro haverá, pelo menos, uma ou duas alterações…

— Em relação a quê, a um segundo cartão amarelo bem mostrado, depois de um primeiro mal mostrado, e vice-versa?

— A verdade é que, em relação a esse caso em concreto, falamos dele desde a primeira hora em que se começou a imaginar a vídeoarbitragem, não só em termos internacionais, mas também nos workshops onde estivemos, e nunca chegámos a um consenso, se seria para o primeiro cartão amarelo que tinha sido mal mostrado, com um segundo bem mostrado, ou o contrário. Esta discussão existe há cinco, seis anos, e ainda não houve uma concordância quanto ao momento em que poderíamos intervir. No workshop mais recente, surgiu a hipótese de intervenção logo que o primeiro cartão amarelo era mal mostrado. Vamos ver…

«Um árbitro ganha, por norma, entre os 5 mil e os 6 mil euros brutos por mês»

20 junho 2024, 08:30

«Um árbitro ganha, por norma, entre os 5 mil e os 6 mil euros brutos por mês»

O presidente do Conselho de Arbitragem da FPF José Fontelas Gomes faz, ao longo desta entrevista, um detalhado ponto de situação sobre o setor, sem se furtar a qualquer tema. E não tem só olhos para o passado, com o que aprendeu, ou para o presente, que vê positivo: também pensa no futuro, considerando que o seu trabalho não está acabado...

— E depois há as sempiternas questões da volumetria e da intensidade…

— A volumetria é a grande questão, porque é difícil de analisar e há que manter critérios uniformes. Já a intensidade é quase impossível de avaliar pelo VAR.

— Acredita que daqui a dez ou vinte anos, com a evolução da inteligência artificial, esta vai ter um papel importante na arbitragem?

— Vai ter na arbitragem, bem como em todas as áreas da sociedade. Não podemos ter ferramentas à nossa disposição e depois não as usar. Por isso, se no futuro a inteligência artificial nos der meios que reforcem a verdade desportiva, obviamente que será considerada.

— Na próxima época, haverá tecnologia da linha de golo a funcionar em Portugal?

— Por parte da Liga só está prevista para 2025/26. Nós queremos, no âmbito da FPF, colocá-la o mais rapidamente possível em vigor.

— Disse-me que a arbitragem custa mais ou menos nove milhões de euros por época. Quem paga o quê?

— A Federação Portuguesa de Futebol suporta tudo aquilo que é formação, competições seniores não profissionais, e os correspondentes prémios de jogo e deslocações. A Liga paga, no âmbito do futebol profissional, os prémios de jogo e as viaturas, que levam os árbitros para os jogos.

— Isso dá quanto a cada uma das entidades?

— Grosso modo, dá 3,5 milhões para a Liga, e o restante (5,5 milhões) para a federação, na qual se inclui já cerca de um milhão de euros com o VAR.