Mundial de clubes: limite de duas vagas na Europa desagradou às Ligas mais ricas

A 251 dias do início da prova é tempo de desfazer alguns mitos

O Central Park de Nova Iorque foi palco, há pouco mais de uma semana, do anúncio, com pompa e circunstância, dos doze estádios que vão acolher, entre 15 de junho e 13 de julho do próximo ano, os 32 clubes finalistas do I Campeonato do Mundo de Clubes, jogado numa fórmula semelhante à do Mundial de Seleções, num dos países, os Estados Unidos, que acolherá o Mundial de 2026, em parceria com o México e o Canadá.

À partida, esta podia ser uma não-notícia, porque o anúncio dos locais onde se realizarão os jogos de uma competição FIFA não devia passar de um pró-forma. Porém, pela conjuntura gerada em torno desta nova prova, que trará implicações ao calendário nacional em muitos países em 2025/26, à qual os sindicatos dos jogadores torcem o nariz, e que algumas Ligas europeias diabolizam, o que sucedeu no Central Park foi quase uma manifestação de força e determinação da FIFA, a que se seguirão outros passos.

Mas valerá a pena contextualizar o tema, em especial na sua vertente financeira, antes de dar conta das cenas dos próximos episódios. Uma competição como o Mundial de Clubes, que implica uma logística sofisticada — embora a FIFA esteja preparada, e do ponto de vista custo/benefício seja mais duro, para os cofres da entidade de Zurique, erguer os Mundiais nas categorias jovens, que não geram, nem de perto nem de longe, os mesmos proventos — trará aos Estados Unidos os problemas de segurança comuns aos grandes eventos desportivos (e servirá de balão de ensaio para o Mundial de 2026, nesse aspeto), mas, ao mesmo tempo, se olharmos para os números confortáveis de espectadores na Major League Soccer (MLS), e até para o histórico da competição desportiva, latu sensu nos States, haverá garantia de estádios cheios nas cidades-sede. Aliás, os mayors de Nova Iorque, Nova Jersey, Filadélfia, Washington DC, Charlotte, Atalanta, Orlando, Miami, Nashville, Cincinnati, Los Angeles e Seattle lutaram bastante por ter o torneio, uma vez que, por possuírem já infraestruturas suficientes, não necessitarão de investimentos avultados e preveem receitas generosas, não só geradas por quem se deslocar do estrangeiro, mas também oriundas das comunidades das mais variadas origens que vivem nos Estados Unidos e representam uma percentagem elevada dos consumidores de soccer.

Falar de dinheiro

Quando foi pública a luz verde para a realização do I Mundial de Clubes, onde tomarão parte Benfica e FC Porto, as primeiras notícias deram conta de um prémio de presença de 50 milhões de euros para cada um dos participantes. E terá sido aqui que começou a batalha da desinformação, lançada por quem não via, nem vê, com bons olhos a chegada ao mercado de um novo competidor, suscetível de roubar patrocínios e dinheiro TV a outros eventos. A verdade é que a FIFA, em nenhum momento, falou em 50 milhões de euros por clube, embora uma mentira muitas vezes repetida, em tempos de globalização e escasso ou nulo escrutínio nas redes sociais, possa passar facilmente por verdade. Ao dia de hoje, embora assuma que o prize money será sedutor para os clubes, a FIFA ainda não anunciou montantes. De qualquer forma, Zurique tem a seu lado a ECA (Associação Europeia de Clubes), que representa cerca de 700 clubes e é dirigida pelos mais ricos, como o PSG, que se assume, até, como parceira do projeto.

Mas quando se fala em clubes mais ricos do Mundo, onde os encontramos? Na Europa, sem dúvida, concentrados naqueles campeonatos a que se convencionou chamar Big Five. Ora, quem têm sido os principais adversários da ideia de haver um Mundial de Clubes de quatro em quatro anos? Precisamente três das cinco Ligas principais: a inglesa, a espanhola e a italiana, por esta ordem. A resposta a este antagonismo declarado poderá encontrar-se na forma como a FIFA decidiu distribuir os 12 lugares atribuídos a clubes europeus, determinando que nenhum país podia ter mais do que dois representantes. Desta forma, Zurique tentou democratizar a prova e fazer chegar mais dinheiro a outras paragens, fora do âmbito dos suspeitos do costume. Imagine-se que o critério era o de seguir o ranking de clubes da UEFA dos últimos dez anos: a Inglaterra teria quatro representantes, a Espanha três, a Alemanha e a Itália dois e a França um. Assim, haverá cinco países com dois representantes (Portugal, Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha) e dois com um clube cada (França e Áustria).

Suporte financeiro

Embora a FIFA afirme que não pretende lucrar com este novo evento planetário, dispondo-se a distribuir as mais valias pelo futebol, a verdade é que uma organização deste calibre, para não ser ruinosa, tem de contar com uma fortíssima entrada de dinheiro, que chega, invariavelmente, por quatro vias: Direitos televisivos e provenientes das demais plataformas difusoras, sponsorização, publicidade e bilhética. Relativamente à venda de bilhetes e à lotação dos estádios, os Estados Unidos dão, só por si, garantias de sucesso e não será surpreendente que se verifique uma corrida aos ingressos imediatamente após o sorteio, previsto para dezembro de 2024.

Em relação às outras formas de receita, quando estamos a pouco menos de oito meses do kick off do Mundial, ainda não há notícia de fumo branco, ou seja, de contratos assinados. Segundo a FIFA, têm sido constantes as conversas com dezenas de players do vários setores, já foram abertos concursos para diferentes regiões do mundo, que estão com os prazos a decorrer, os patrocinadores vão começar a ser anunciados provavelmente ainda em outubro, ou o mais tardar na primeira quinzena de novembro, tudo isto antecedendo o sorteio.

Haverá, pois, que aguardar pela apresentação das entidades que irão associar-se a este I Mundial de Clubes, e a partir do que for apurado fazer contas ao que, efetivamente, cada clube receberá e que, desde já, não será, à cabeça, aqueles 50 milhões de euros que a FIFA nunca disse que ia pagar. Provavelmente, ficar-se-á por qualquer coisa entre os 25 e os 30 milhões, ainda sujeitos a ponderações.

No meio da batalha de desinformação que tem assumido alguns contornos complexos, com algumas conexões inesperadas e até contra-natura a emergirem, Gianni Infantino, presidente da FIFA, tem dado o peito às balas, ao contrário do que muitas vezes fazia o seu antecessor, Sepp Blatter — esteve na primeira linha no anúncio dos estádios, em Nova Iorque — como líder de uma das mais poderosas organizações não governamentais do mundo.

Calendário internacional

Cada vez se ouvem, com maior insistência, críticas à sobrecarga de jogos a que os futebolistas estão sujeitos, fruto do aumento da competição interna e externa — em muitos países a Taça da Liga ou a Supertaça passaram a ser jogadas em sistema de final four, muitas vezes a milhares de quilómetros do país de origem; exceção feita à França, os campeonatos não têm sido reduzidos em número de competidores; o novo formato das competições europeias requer mais datas; tornou-se moda, para os clubes mais mediáticos, ir arrecadar receita em voltas ao mundo esgotantes na pré-época; e ao mesmo tempo os trabalhos das seleções são cada vez mais exigentes, com a chegada dos jogos a doer da Liga das Nações, que vieram ocupar as datas FIFA dos jogos particulares, a feijões, de muito menor intensidade. Este cenário, que merece reflexão, sem dúvida, não será por certo agravado por uma competição que irá disputar-se de quatro em quatro anos, com um máximo de sete jogos, como a dramatização de alguns sindicatos tem vindo a fazer crer. Outros pontos haverá, mais sensíveis, que poderão ser alvo de revisão, no sentido de não pedir aos jogadores esforços para os quais não estejam preparados. Mas, como quando se fala em clubes que podem fazer 70 ou 80 jogos por época, estamos a falar de uma elite muito reduzida, talvez boa parte da solução — e deixemos o Mundial de Clubes, por irrelevante nesta equação, fora de jogo — passe por plantéis mais alargados, um pouco à imagem do que se vê no futebol americano, onde o soccer tem ido beber tantas ideias e tantas fórmulas de análise e de organização de treino. De qualquer forma, e prometendo voltar em breve a esta questão específica, será interessante lembrar que a época com mais jogos oficiais realizados pelo Real Madrid neste século foi a de 2001/02 (66), o Manchester United chegou aos 71 em 2019/20, e o Bayern de Munique teve como máximo os 57 em 2007/08. É comum a estes três gigantes terem realizado mais jogos oficiais no início do século do que aqueles que fizeram, por exemplo, na época passada.

Mas especificamente quanto ao calendário internacional de 2024/25, deve ser dito que foi aprovado, por unanimidade, pelo Conselho da FIFA, órgão máximo da organização, que é composto pelas várias confederações — UEFA, AFC, CONMEBOL, CAF, OFC, e CONCACAF, entre presidentes e membros eleitos, até um número de 36, a que se junta o presidente, o 37.º elemento, que tem direito a um voto como os demais conselheiros — de forma pacífica.

A contestação, liderada sobretudo pela Premier League e pelo sindicato dos jogadores ingleses, que têm firmado um protocolo de quatro anos no valor de 125 milhões de libras para uma série de programas de ordem social, que em muito beneficia a classe, a que se juntou de forma mais evidente a Liga espanhola, a Associação da Ligas europeias e a FIFpro, veio depois, e já chegou à barra dos tribunais.

Vozes contra

Em meados de junho deste ano, após acesa disputa verbal com a FIFA, a FIFpro, sindicato europeu dos jogadores profissionais, e ainda os sindicatos inglês, francês e italiano, a que se juntou a Associação das Ligas Europeias, decidiram-se por procedimentos legais contra a FIFA, por considerarem o Mundial de Clubes um atentado aos direitos dos seus filiados. Da argumentação sindical — apresentada junto do Tribunal do Comércio de Bruxelas pelo advogado Jean-Louis Dupont, o mesmo que saiu vencedor na decisão Bosman — consta a violação dos direitos dos jogadores, segundo as leis da União Europeia, ao não serem consultados, de forma consistente, pela FIFA.

Segundo a FIFpro — e é isso que é pretendido que o Tribunal de Comércio de Bruxelas faça — o caso deve seguir para o Tribunal de Justiça Europeu, para ser questionada a legitimidade da FIFA em definir unilateralmente o calendário internacional de jogos.

Segundo os sindicatos, este novo torneio irá acrescentar seis semanas efetivas de trabalho a cada futebolista que, em limite, poderá chegar a 85 jogos, contando com as partidas pelas Seleções, em 2024/25.

Para David Terrier, líder da FIFpro Europa, «esgotadas todas as formas de diálogo, só nos resta este recurso» para garantir que os direitos dos jogadores vão ser respeitados. Na altura, Terrier afirmou que esta nova competição «tinha sido a gota de água que fez transbordar o copo» e aproveitou para reivindicar garantias de que os trabalhadores e os seus sindicatos estão protegidos contra as exigências dos empregadores, e que têm direito a um período anual de férias remuneradas, condições de trabalho saudáveis e negociação de acordos coletivos.

Já segundo Maheta Molango, presidente do sindicato dos jogadores ingleses, cargo em que sucedeu em 2021 a Gordon Taylor, «estamos perante um momento importante para os jogadores e para os seus direitos como funcionários».

«Todos no futebol sabem que o calendário de jogos está a tornar-se impraticável», acrescenta, adiantando que «os jogadores mais requisitados veem os seus limites serem constantemente ultrapassados através da expansão e da criação de novas competições».

«São eles que me dizem que querem uma pausa devidamente protegida, onde possam descansar e recarregar as energias», afirma.

O dinheiro para os clubes

Uma das vantagens que o Mundial de Clubes pode ter, além de criar um polo competitivo que, do ponto de vista do adepto do futebol, não deixará de ser atraente, é o de, no que respeita especificamente à UEFA, ser mais um argumento para manter os clubes alinhados com os padrões europeus, afastando-os do canto da sereia da Superliga Europeia, que não morreu, apenas está a hibernar, à procura de um momento mais propício para realizar nova investida.

Vista que está, com os dados existentes, que são escassos, a forma de distribuir o dinheiro — embora esteja por saber exatamente quais as bolsas — colocou-se a questão, pertinente, de saber se em clubes com menos meios, como o Espérance Tunis ou o Auckland City, uma entrada súbita de capital não irá torná-los em eucaliptos na sua própria realidade, secando tudo à sua volta. A FIFA tem uma visão diferente, que pode desagradar aos clubes europeus: se houver uma injeção de capital numa determinada zona do globo, pode acontecer que os investidores dessas paragens deixem de meter dinheiro em emblemas dos Big Five e passem a apostar na competitividade regional, transformando-se em fator de progresso nos próprios países e confederações.

Mas a forma como o prize money inicial vai ser distribuído, se igual para todos, se sujeito a uma ponderação orwelliana, onde todos são iguais, mas uns são mais iguais que os outros, é um segredo que ainda está por desvendar.

Até os treinadores foram trazidos para este campo de batalha que não é tradicionalmente aquele onde exercem a sua atividade. Por exemplo, deram brado imediato declarações atribuídas a Carlo Ancelotti, treinador do Real Madrid, onde se mostrava frontalmente contra o Mundial de Clubes, no aspeto desportivo e financeiro, e mais tarde desmentidas pelo próprio e pelos merengues. Também em Inglaterra a voz de Pep Guardiola se fez ouvir em termos bem críticos, essencialmente preocupado com o crescente número de jogos que está a ser pedido aos jogadores em cada época. Sucede que o técnico catalão estava a referir-se sobretudo ao calendário inglês, e não a uma prova que ocorre de quatro em quatro anos, mas isso foi suficiente para que surgisse nova arma de arremesso mediático, fugindo ao cerne das preocupações de Pep. Dando a cara pelo Mundial de Clubes surgiu muito recentemente Luís Enrique, treinador do PSG, que veio a terreiro, em declarações à Rádio Monte Carlo, assumir não ter o direito de reclamar do calendário, que considera menos sobrecarregado que o do Manchester City, por exemplo (e é disso que Guardiola se queixa). O ex-treinador do Barcelona afirmou-se, até, «entusiasmado com a ideia de disputar o novo Mundial de Clubes no próximo verão.» Ao mesmo tempo disse compreender a posição de Pep Guardiola (com quem partilhou balneário em Camp Nou durante cinco épocas), mas lembrou que os calendários são diferentes em Inglaterra e França e esse é um problema que os ingleses devem resolver, afirmando que «os jogadores, nesse aspeto, têm uma importante palavra a dizer».

Porém, mesmo considerando que «os calendários possam ser revistos», não afastando, no futuro, até, que menos clubes participem no Mundial de Clubes, não deixou de reiterar que «vem aí uma nova competição extremamente emocionante, onde toda a gente gosta de estar».

Janela de transferências

A FIFA, dando mais uma vez prova de que vê o Mundial de Clubes como um assunto arrumado, decidiu abrir uma nova janela de transferências, entre 1 e 10 de junho do próximo ano, não só para facilitar a recomposição dos plantéis dos 32 clubes que vão estar nos Estados Unidos, como ainda para ajudar à regularização de eventuais casos de caducidade de contrato durante a competição. Haverá também uma previsão para casos de exceção, permitindo que alguns contratos sejam prorrogados pelo número de dias em que o clube de um determinado jogador se mantiver em competição no Mundial.

A vantagem que os clubes podem tirar desta janela de transferências — e a ela podem recorrer todos os clubes, e não apenas os que participem no Mundial — não será automática, carecendo de adesão à mesma da respetiva federação nacional.

Que treinadores portugueses?

Só falta conhecer um finalista do I Campeonato do Mundo de Clubes: será oriundo do CONMEBOL e poderá ser o Peñarol (Uruguai), o Atlético Mineiro ou o Botafogo (Brasil), se algum destes clubes vencer a Taça Libertadores, ou então o Olímpia de Assunção (Paraguai), caso o triunfador da Libertadores de 2024 seja o River Plate (já apurado). O outro finalista — foi conhecido há poucos dias e, embora ainda não tenha sido reconhecido oficialmente pela FIFA, subsiste uma impossibilidade de ser encontrado tempo útil para outra metodologia de qualificação — é o Inter Miami, onde jogam, entre outros, Busquets, Suarez e Leo Messi, vencedor da fase regular da MLS. A chegada da equipa de Messi, a mais mediática dos Estados Unidos por razões óbvias, dará um novo élan e servirá de elemento facilitador das negociações com, grosso modo, operadores televisivos e sponsors.

Estão apurados, da CONMEBOL, Palmeiras, Boca Juniors, Flamengo, Fluminense e River Plate. Se o River Plate vencer a Libertadores (os outros candidatos, como já se viu, são o Peñarol, o Atlético Mineiro e o Botafogo), o sexto apurado será o Olímpia do Paraguai.

Da UEFA marcarão presença 12 equipas: os últimos quatro campeões europeus, Chelsea (2021), Real Madrid (2022 e 2024) e Manchester City (2023), aos quais se juntam os que tiveram melhor ranking neste período, no caso Benfica, FC Porto, Bayern Munique, Paris Saint-Germain, Inter Milão, Borussia Dortmund, Atlético de Madrid, Juventus e Salzburgo.

Pela Confederação das Associações de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (CONCACAF) estarão presentes os últimos quatro vencedores da Liga dos Campeões, os mexicanos do Monterrey (2021), León (2023) e Pachuca (2024), e os norte-americanos do Seattle Sounders (2022) e do Inter Miami.

Os sauditas do Al Hilal, de Jorge Jesus, campeões da Ásia em 2021, os japoneses do Urawa Red Diamonds (2022) e os árabes do Al Ain (2023/24), além dos sul-coreanos do Ulsan HD, estes por ranking, serão os quatro representantes da Confederação Asiática de Futebol (AFC).

Já as quatro vagas de África (CAF) ficaram entregues ao Al-Ahly (Egito), campeão continental em 2021, 2023 e 2024, e ao WAC Casablanca (Marrocos), vencedor em 2022, além do Espérance Tunis (Tunísia), de Miguel Cardoso, e o Mamelodi Sundowns (África do Sul), ambos por ranking de desempenho.

O Auckland City, da Nova Zelândia, ficou com a vaga da Oceânia (OFC).