Antigo médio simula para A BOLA o cruzamento de março de 1975 e exclama: «Mesmo com pouca força, logo já tenho que fazer gelo no joelho...»
Vaz e Toni, pelo meio de uma feijoada de chocos e umas ovas, vão desfiando memórias: «Eu e mais três ou quatro fomos dos poucos guarda-redes que defenderam um penálti do Eusébio, sabia?». Não, António, não sabíamos. Mas perguntámos: como era Eusébio à frente de um guarda-redes? Vaz, sem dúvidas: «Um furacão, um furacão. Era um grande jogador. Ronaldo é bom jogador, mas o Eusébio era melhor». Toni aproveita e ‘pica’ Vaz: «E sofreste muitos golos dele?». Vaz sorri: «Alguns, mas não muitos.»
Toni volta a falar de Eusébio. Afinal, o motivo da reunião Toni-Vaz, promovida por A BOLA. «Cheguei ao Benfica pouco depois da derrota frente ao Manchester United na final da Taça dos Campeões [maio de 1968] e, pouco depois, ele foi operado. Iniciamos a pré-época e fazemos uma digressão por Belém do Pará, depois um pentagonal na Argentina com o Santos do Pelé, o Boca Juniors, o River Plate e o Nacional de Montevideo, tudo em agosto. E agosto na Argentina é chuva por todo o lado. E o Eusébio, mesmo ao pé-coxinho, foi porque era obrigado. Depois fomos à Venezuela jogar com o Botafogo do Jairzinho e do Gérson e, mais tarde, passámos pela Colômbia para jogar com o Millonarios de Bogotá e depois, por fim, fomos a Nova Iorque jogar de novo com o Santos. Foi aí que vi o que era e quem era o senhor Eusébio. Tinha sido operado ao menisco em maio, com 20 centímetros abertos. Nessa digressão, jogava meia hora, tirava líquido, saía, voltava a jogar, tiravam-lhe líquido. Aqui começou o calvário dele, com seis operações ao joelho. Quando falarem do Eusébio, não se esqueçam disto!».
23 de março de 1975 - 23 de março de 2025. O último golo do Pantera Negra de águia ao peito foi no Estádio do Bonfim. Toni fez a assistência e Vaz sofreu o golo. A BOLA levou ambos ao relvado e à baliza onde tudo aconteceu.
1968. Toni com 21 anos e Eusébio com 26. Tratava-o por tu? Toni sorri e esclarece: «Foi devagarinho, foi devagarinho. Ele não punha barreiras, mas é preciso ver o tempo em que vivíamos e em que havia grande respeito pelos mais velhos. E Eusébio era estrela mundial, pois o Mundial de 1966 fora há dois anos e ele tinha sido o melhor marcador. O Eusébio não colocava barreiras no tratamento, eu é que as colocava. Tal como com Zé Augusto, Simões, Coluna, Cruz, tantos, tantos.»
Toni faz uma pausa e diz a quem nos serve: «Estava tudo muito bom, minha senhora, mas não como mais porque ainda tenho de ir ali ao Bonfim fazer um cruzamento para o Eusébio marcar o último golo pelo Benfica».
Levantámo-nos e fomos, pois, para o relvado do Bonfim.
Toni e Vaz não se lembram do golo que agora tentamos relembrar. «Repito que é um grande trabalho vosso estarmos aqui a relembrar esse golo, mas, sinceramente, não me lembro desse jogo, nem do golo, nem do meu passe para o Eusébio», diz Toni.
Mostramos-lhes o vídeo da jogada do golo e Toni, com uma pontinha de melancolia, olha para Vaz e avança: «É pá, vê como o tempo passou! 50 anos depois e estamos aqui a recordar o golo do King!» Vaz esclarece: «Ele marcava golos de de qualquer lado e de qualquer maneira. Sofrer um golo dele e, sobretudo, o último pelo Benfica, é quase uma medalha para mim».
Entramos no relvado, acompanhados pelo então presidente do Vitória, Carlos Silva. Toni pega na bola, revê o vídeo do golo e dirige-se para a zona de onde cruzou para a cabeça de Eusébio. «Se repararem, o meu passe é mais ou menos aqui. E a bola é metida por dentro, entre o Vaz e a marca do penálti, é aquela bola que deixa o guarda-redes indeciso e dá oportunidade para o Eusébio marcar», tenta repensar o cruzamento.
E depois, pegando na bola, tenta mesmo recriá-lo. «Vou cruzar, mas o meu joelho, se calhar, vai ficar a falar sozinho. Vamos lá tentar, mas, mesmo com esta bola [muito mais leve do que as dos anos 70], não sei se consigo chegar aí [onde o jornalista de A BOLA está a simular ser Eusébio, como se tal fosse possível]…», explica sorrindo.
Toni tenta a perfeição: «Dá cá outra vez a bola, que ela há 50 anos não estava parada. Alguém me passou a bola, claro que não sei quem foi. Talvez o Simões. Recebo a bola, olho para a movimentação do Eusébio e depois meto-a na cabeça dele e ele faz golo».
Vaz sorri, Toni sorri, todos sorriem. E Toni simula estar já lesionado: «O cruzamento foi bom, mas é preciso dar-lhe com força e eu, mesmo com pouca força, logo já tenho que fazer gelo, porque o meu joelhinho, com este movimento, já não dá para estas coisas.»
Toni recordou para A BOLA alguns dos melhores golos do Pantera Negra.