Com mais de 200 internacionalizações por Portugal, João Matos, de 37 anos, recorda as várias mudanças desde 2008 e os primeiros passos sob a liderança de Jorge Braz. Assume «tristeza» por se pensar pouco a jogar a modalidade. Sobre o futuro, deixa um recado...
— São mais de dezasseis anos na Seleção. Consegue lembrar-se do primeiro dia?
— Lembro-me perfeitamente do meu primeiro estágio, do jogo [a 25 de novembro de 2008, num encontro de preparação com a Geórgia, no Pavilhão Municipal Alto Moinho, que terminou com vitória lusa por 8-1]. São boas memórias, muito nervosismo, dificuldades também. Era muito jovem. Eram outros tempos, modelo e organização diferentes. Tudo mudou de 2008 até aos dias de hoje.
Com mais de 200 internacionalizações por Portugal, João Matos, de 37 anos, é, atualmente, o capitão da Seleção Nacional que vai defender o título no Mundial do Uzbequistão, entre este sábado e 6 de outubro. Promete uma equipa nos limites pelo bicampeonato
— Teve algum mentor nesses primeiros passos?
— Não foi propriamente um mentor, mas de todo aquele leque de jogadores que lá estava, quem me deu mais a mão foi o Formiga. Não é que os outros não me tenham recebido mal, mas ele ajudou-me nas tarefas do treino, quem me recordava as bolas paradas. Nunca foi um jogador com quem privei fora do futsal, joguei várias vezes contra ele, mas acho que ele não sabe o quão importante foi para mim nessa primeira internacionalização e no meu primeiro passo aqui dentro.
— O que mudou nestes anos?
— Mudou muita coisa. Quem me dera, em 2008, saber o que sei hoje. Foi uma mudança drástica em termos de condições, de organização, de grupo, de staff. Eu próprio mudei a minha forma de jogar, adaptei-me. Faz parte da evolução adaptar à modalidade, aos membros do nosso staff, às exigências do nosso campeonato, que faz com que os jogadores cheguem aqui mais preparados. É uma bola de neve, no bom sentido, também devido ao excelente trabalho da Federação. Ter muitos escalões de formação, (sub-15, 17 e 19), faz com que os miúdos cheguem aqui bem preparados e alguns já ganharam tudo o que há para ganhar na seleção. É um projeto a longo prazo e se Deus quiser vamos continuar a ter seleções portuguesas muitos fortes.
— Desde 2011, coincide com Jorge Braz, alguém que já o apelidou como um pai…
— Já em 2009, quando fiz os jogos da Lusofonia, o Jorge Braz foi muito importante para mim. Em 2010, ao fim de uma semana de treinos sofri com uma pubalgia e se não estou em erro foi ele que disse ao selecionador Orlando Duarte para me segurar na seleção e não me dispensar devido à lesão e acabei por fazer um bom Europeu. Ele não tem a noção da real importância que ele tem para mim, porque é muito mais do que um treinador, um bom amigo, um mentor. É a ligação destes três conceitos que faz com que seja especial para mim e para muitos de nós também. É uma pessoa em quem confio de olhos cegos. Aquela humildade, a forma simples de ver a vida e o Desporto, torna-o muito especial.
— O início da era Jorge Braz não foi fácil…
— A primeira competição não oficial do Jorge Braz foi o Grand Prix [disputado em Anápolis, Brasil], que não foi de todo uma competição boa, muito menos para ele, porque não lhe facilitámos a vida. No Mundial da Tailândia [2012], estivemos a ganhar 3-0 à Itália e acabámos por ser eliminados quando tínhamos tudo na mão. Houve ali momentos em que faltou o que há hoje em dia: mentalidade competitiva, foco, concentração, espírito de sacrifício pelo companheiro. Não se sentia tanto aquilo que falamos tanto atualmente, que somos uma família, porque somos realmente uma. Antigamente havia isso, mas não era o suficiente e hoje as armas estão mais bem trabalhadas e oleadas para que o sentimento de família esteja nos limites e é por aí que temos de trabalhar.
— Em 2022, assumiu a braçadeira de capitão. Sentiu a pressão de ser o sucessor do Ricardinho?
— Não, porque eu e o Ricardo somos totalmente diferentes, de personalidade, de jogo. Quem me dera ter os pés e a criatividade dele, mas não tenho. Tive zero pressão. Privei com o Ricardo mais de 10 anos, da mesma forma que o Bruno Coelho já foi capitão e privo com ele desde 2012. É um processo natural e podia ser outro qualquer o capitão. Tive esse processo no clube, agora na Seleção. Sinto-me superconfortável com isso e agradecido por ter sido capitaneado pelo Ricardo e por outros também.
— Este Mundial será a sua última competição?
— Nunca irei abdicar. Quando deixar de ir à Seleção é porque Jorge Braz vai deixar de me convocar. Se quiser conversar comigo antes e dizer-se que não me vai convocar, por mim tudo bem. Agora não vai haver uma despedida minha da Seleção, não vou comunicar que não venho mais. Enquanto eu jogar, apto a representar o meu País e a poder ajudar, eu estou cá. Se serei opção ou não? Não compete a mim. Se vai ser a minha última competição? Não sei. Eu nem consigo pensar em jogar mais um Europeu, porque não consigo pensar para a frente. Gosto muito de me preparar, de estar bem e não sei se vou continuar a jogar futsal daqui a dois anos ou no ano que vem. Se estiver bem, sentir-me útil seja em que clube for, se for mais uma mais-valia para ajudar, ok tudo bem. Se não, vou à minha vida.
— «Futsal joga-se com a cabeça, não é com os pés.» O que quer dizer com essa frase?
— É uma frase que me protege muito, visto que não sou um jogador dotado de pés. Acredito muito e gosto do futsal pensado, que atualmente, por minha tristeza, já se pensa muito pouco. Gosto de pensar para onde se deve correr, em que sentido, onde se deve parar, quando se deve inverter movimentos, quando o passe deve entrar... Temos de correr pouco, mas para os sítios certos.