«É muito melhor ser jogador do que treinador»

ENTREVISTA A BOLA «É muito melhor ser jogador do que treinador»

NACIONAL27.09.202411:00

PARTE 3 - Nandinho passou por clubes como Salgueiros, Benfica, Vitória de Guimarães e Gil Vicente enquanto jogador. Agora, enquanto treinador, assume que tem mais dores de cabeça. Em Portugal já orientou os gilistas, o Famalicão e a B SAD, mas ainda procura a estreia no primeiro escalão. Depois da experiência no Bahrein, onde conquistou uma taça, espera o clube ideal para dar o passo certo na carreira.

- A transição de jogador para treinador decorreu de forma natural?

 - Eu comecei no Sindicato de Jogadores. A primeira experiência que tive como treinador, foi através do convite do meu amigo Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de Jogadores, que me convidou para ser o treinador da Zona Norte. Na altura havia a Zona Norte e a Zona Sul, havia dois estágios. Eu comecei em 2011, essa foi a minha primeira experiência. Em 2012, já eu estava no segundo estágio do Sindicato, quando recebi o convite do Gil Vicente para ir treinar a equipa de juniores, que estava na 2ª Divisão Nacional. Na altura também já estava na faculdade, e acabei por aceitar esse convite, gostei e acabei por enveredar pela carreira de treinador.

Nós, enquanto somos jogadores, dependemos daquilo que fazemos. Quando somos treinadores, não dependemos só daquilo que fazemos, mas também do trabalho que os jogadores fazem dentro do campo. É diferente. Em termos de exigência, é a mesma, mas dá-nos mais dor de cabeça, traz-nos mais cabelos brancos... Eu costumo dizer que é muito melhor ser jogador de futebol do que ser treinador de futebol. Pelo menos a nível de preocupações. Claro que ficamos frustrados quando perdemos um jogo, mas passado um dia ou outro, já passou. Quando somos treinadores e perdemos um jogo, até vir o próximo jogo e ganhar…. Leva-nos a pensar e a visualizar o jogo muitas vezes, não só na cabeça, mas depois também no vídeo, para ver o que é que fizemos bem, o que é que fizemos mal…. É mais exigente. Ser treinador, pelo menos psicologicamente, é mais exigente. Fisicamente não é tanto, psicologicamente é mais.

Nandinho orientou a B SAD em 2023/23, na Liga 2 (Hélder Santos/Aspress)

- A experiência como jogador acaba por ajudá-lo agora como treinador?

 - Ajuda sempre, porque nós temos esse conhecimento empírico que adquirimos pela nossa experiência enquanto jogadores, aquilo que fomos também vendo e bebendo dos treinadores que nos foram treinando. Coisas que nós gostávamos e que acabámos por também ir buscar um bocadinho disso, outras que não gostávamos tanto, e então tentamos não reproduzir na nossa forma de liderar e pensar o jogo. Vamos mudando, até porque o futebol está sempre em crescimento, está sempre em evolução, as coisas vão evoluindo, e nós temos de acompanhar essa evolução e estar sempre atentos àquilo que se vai passando, porque senão começamos a ficar para trás. É realmente uma carreira exigente, e está sempre muita gente nova a aparecer. Novos treinadores que estão sempre a aparecer.

- Já conta com algumas passagens pelo estrangeiro, a primeira foi na Almería, inicialmente na equipa B do clube espanhol. Como é que correu essa experiência?

 - Foi uma experiência enriquecedora, muito boa, numa equipa B. A verdade é que chegámos lá e tivemos logo um impacto muito positivo na equipa, com bons resultados, com boas exibições, e isso depois transferiu-se para a equipa principal. Acabei por integrar a equipa principal juntamente com o Mário Silva, que era o coordenador, e foi ele que me levou para lá. Acabou por assumir a equipa e eu fui com ele. Foram dois anos bons, ali em Espanha, em Almeria, numa realidade diferente. A equipa era e é liderada por árabes, ainda são eles os donos do clube. Foi uma realidade diferente, mas deu para constatar aquilo que é o futebol em Espanha e a qualidade do futebol espanhol, do jogador espanhol. Não quer dizer que sejam melhores que os portugueses, mas são diferentes, até porque a escola espanhola está um bocadinho mais desenvolvida, ou pelo menos há mais tempo do que a portuguesa.

- É um mercado que esteve muitos anos por explorar aqui em Portugal?

 - Havia alguns jogadores pontualmente. Quando estava no Vitória de Guimarães e no Gil Vicente joguei com espanhóis, na altura. O Carlos Álvarez, que já faleceu, era um grande amigo, esteve comigo no Vitória, o Rodri [ex-Gil Vicente]…. Portanto, já iam buscar pontualmente jogadores a Espanha. Não com tanta assiduidade como estão a ir agora alguns clubes portugueses, e estão a ir buscá-los às equipas bês. São jogadores que têm qualidade, que não jogam na primeira equipa, mas que competem a um bom nível. São campeonatos que têm realmente muita qualidade, e com uma exigência muito grande. Comparativamente aqui a Portugal, o mesmo nível, é um patamar sempre acima, é a minha opinião. Uma Primera RFEF, que é a terceira liga em Espanha, está ao nível de uma Segunda Liga aqui. Por isso mesmo, acho que os jogadores já competem num patamar de exigência elevada, e depois chegam aqui e afirmam-se na Primeira Liga, porque realmente não há uma grande diferença entre essas ligas e a nossa realidade aqui.

- Mais recentemente esteve também no Bahrein, ao serviço do Al-Ahli...

 - É uma realidade diferente, eu já tinha lidado com árabes no Almería, portanto, tinha algum conhecimento sobre como é que eles funcionam, como pensam o futebol. Agora, quando cheguei ao Médio Oriente, o choque com a realidade é realmente muito mais impactante, porque fui para um país com uma cultura completamente diferente, com pensamentos diferentes em termos futebolísticos, em termos profissionais. Aquilo que é a exigência do futebol aqui e aquilo que é a exigência do futebol lá, pelo menos nessa realidade do Bahrein, são completamente diferentes.

O treinador português tem tido muito sucesso e é muito requisitado lá fora porque nós temos capacidade de nos adaptarmos facilmente às realidades que encontramos e tentamos arranjar soluções o mais rapidamente possível. Acho que isso faz de nós realmente ser treinadores com sucesso. Não só pela nossa forma de trabalhar, pela nossa evolução em termos de ideias de jogo, pela nossa metodologia de treino, mas acima de tudo pela capacidade que temos de nos adaptarmos às culturas, às mentalidades, para os países em que nós abraçamos projetos.

- Quais são os próximos passos da sua carreira enquanto treinador? Já recebeu convites de equipas portuguesas?

 - Tenho tido vários convites, felizmente. Mais daquela zona, porque a realidade é que eu fiz um trabalho extraordinário no Bahrein, onde ganhei a Taça num clube que já não a ganhava há mais de 20 anos, um clube histórico. Tive várias propostas de lá e daqueles países ali à volta, a Arábia Saudita, há pouco tempo tive do Kuwait, tive da Jordânia, inclusive tive da Tanzânia…. Mas o próximo passo que der tem de ser o passo certo. Tem de ser um clube que me dê condições não só a nível financeiro, porque quando estamos nesses países, procuramos um bocadinho também ter boas condições financeiras, mas também que me dê garantias em termos desportivos, para poder realizar um bom trabalho.