ENTREVISTA A BOLA «Cheguei com muita ilusão ao Benfica»
PARTE 2 - Nandinho, ex-jogador dos encarnados, fala do percurso enquanto futebolista, que teve o ponto alto em 1998, quando assinou pelo clube da Luz, após épocas de grande nível no Salgueiros. Acabou por não vingar de águia ao peito, mas a carreira construída a pulso, desde os campeonatos distritais, é motivo de orgulho, conta a A BOLA
- Começou no modesto Vitória do Porto, depois passou por clubes como Lapa, Candal e Ataense. Como foram os primeiros passos no futebol?
- Passos naturais, do miúdo que vivia numa zona típica do Porto, no bairro da Sé. E na altura fazíamos aqueles torneios de futsal, que agora é futsal, mas na altura não se chamava futsal. Torneios de verão, mas que se resumia a isso. Até que um dia houve um treinador de um clube do distrital, o Vitória do Porto, que me convidou para ir jogar lá, porque eles iam ter futebol de 11, iam entrar no campeonato de infantis. E foi assim, naturalmente, que as coisas aconteceram.
- Foi com 22 anos que chegou, pela primeira vez, ao primeiro escalão, pelas portas do Salgueiros. Foi um percurso difícil até chegar à elite do futebol nacional?
- Foi um percurso difícil. Eu joguei toda a vida e fiz formação nos distritais. Fiz a minha formação no Candal, passei por vários clubes. Enquanto sénior, Candal, Ataense, até ir à terceira divisão, ao Castêlo da Maia, com 21 anos. Foi a primeira vez que joguei em relevado, nunca tinha jogado em relvado. Antigamente, nos distritais só havia pelados.
Foi uma aprendizagem grande. Nessas realidades, nós acabámos por adquirir algumas valências que nos vão ser úteis depois, mais tarde. Resiliência, treinar em condições adversas, sem grandes condições de trabalho, muitas vezes. E a realidade é que, quando eu cheguei à Primeira Liga, já tinha 22 anos. Não era propriamente jovem, era já a minha quarta época de sénior, numa altura em que não era muito fácil um jogador dar um salto da terceira divisão para a primeira. Acho que fui uma das exceções, com sucesso. Não quer dizer que não haja outros, mas, se calhar não tiveram o mesmo sucesso. Quando cheguei ao Salgueiros, afirmei-me logo na equipa, fui titular e acabei por ir à Seleção, nesse mesmo ano. Acabei por ser internacional sub-21, ‘Esperança’, na altura. Foi realmente uma mudança muito brusca, mas que eu, felizmente, consegui aguentar. Essa diferença de nível e a pressão que é jogar num nível de Primeira Liga.
- Depois de boas épocas ao serviço do Salgueiros, transferiu-se para o Benfica em 1998. Como é que surgiu essa oportunidade e o que falhou no clube da Luz, onde realizou apenas quatro jogos?
- Sim, o Benfica já tinha surgido, logo nessa primeira época em que eu fui para o Salgueiros. Não só o Benfica, como os outros dois grandes também mostraram interesse na altura. Infelizmente, tive uma lesão que acabou por me afetar no meio da época, que me fez parar durante uns tempos. E esses alegados interesses acabaram por ficar em banho-maria, por assim dizer. Fiz mais dois anos no Salgueiros, que era uma equipa que, nessa altura, andava sempre ali na primeira metade da tabela. Tínhamos boas equipas. Muitos jogadores foram potenciados. Eu lembro-me de alguns nomes, antes de eu chegar ao Salgueiros, como Sá Pinto, Pedrosa, depois o Edmílson, no ano seguinte… Tinham sido vendidos. No ano em que eu estive no Salgueiros, em que eu saí para o Benfica, no final da época, o Luís Carlos tinha saído em dezembro para o Benfica, o Renato e o Leão para o Sporting, outros jogadores para o Boavista…
Foram épocas fantásticas em que o Salgueiros conseguiu potenciar muitos jogadores e fazer vendas relativamente altas para aquilo que era a realidade do clube. Eu nessa época, nessa minha terceira época, acabei por ser um dos melhores marcadores do campeonato, marquei 13 golos. Acho que isso acabou por dar-me alguma visibilidade, sabendo que eu nunca fui um goleador. Eu era mais um assistente, um jogador de assistir e de dar golos.
Também porque jogava muito junto às alas. Era um ala puro, não é como estes alas modernos agora, que jogam com o pé trocado, a ir para dentro. Eu era muito mais vertical, o chamado extremo antigo. Por isso, era um jogador que assistia mais. Nas minhas últimas épocas, eu fui sempre um dos jogadores que mais assistências fazia no campeonato. Nessa época, acabei por dar o salto para o Benfica, fruto muito daquilo que foi a minha capacidade goleadora nesse campeonato.
- Acaba, a meio da época, por ser emprestado ao Alverca...
- Sim, a realidade era diferente. Eu cheguei com muita ilusão ao Benfica. A pré-época até me correu muito bem. Estive em destaque, mas a verdade é que depois, esse destaque que tive na pré-época acabou por não fazer sentir no campeonato, em que comecei a ser preterido, a ficar fora, a não ser convocado. É verdade que tinha um jogador extraordinário na minha posição, que era o Karel Poborsky. Naquele momento era um jogador com muito mais golo, com mais capacidade, e jogava. O problema era que quando ele não jogava, eu não era opção e isso para mim tornou-se uma frustração, até porque eu estava habituado a jogar sempre, a jogar, a jogar.
Acabei por pedir para sair, porque achei que era o melhor para mim, para eu poder continuar a evoluir. E até porque o que eu queria mesmo era ajudar, era mostrar a minha capacidade. Acabei por ser emprestado ao Alverca e as coisas felizmente correram bem lá. Fiz muito golos também, ajudei o clube a manter-se. Depois, optei por sair do Benfica. Os anos que tinha de contrato com o Benfica acabei por cumpri-los em Guimarães, por opção minha.
- Seguiram-se três épocas no Vitória de Guimarães. A primeira temporada correu bem, mas nas duas seguintes acabou por jogar menos do que esperava?
- Foi uma experiência agridoce, por assim dizer. Começou muito bem, uma primeira época em que joguei muitos jogos. Fiz 31 jogos, quase sempre jogava. Era uma equipa nova, um projeto novo. Uma equipa da qual tinham saído muitos jogadores da época anterior e que tinha sido renovada. Fernando Meira, Pedro Mendes, que tinham estado emprestados ao Felgueiras, acabaram por regressar ao clube, num projeto de três anos.
Por isso fiquei esses três anos em Guimarães, para voltar a colocar o Vitória na Europa. O treinador acabou por sair, algumas confusões, e nós acabámos de ficar arredados na Europa. Depois, no ano seguinte, veio um treinador que não contou comigo e que me dispensou. Estive três ou quatro meses a treinar à parte, até que o treinador acabou por ir embora e eu fui reintegrado. Acabei por jogar também sempre, muitas vezes até com o lateral direito. Uma época difícil para o Vitória, safámo-nos na última jornada.
No ano seguinte, acabou por acontecer o mesmo. Voltei a ser dispensado e aí, sim, tive um ano sem competir. Foi difícil, foi muito difícil. Na altura tinha 28 anos, estava na flor da idade. Ver a minha carreira interrompida e estar um ano parado nunca é bom. Foi um ano em que me passaram muitas coisas pela cabeça. De qualquer forma, acho que me agarrei um pouco à família, aos amigos, que me deram também muita força para continuar.
Depois, assinei pelo Gil Vicente. Estive quase para regressar ao Salgueiros, mas à última hora acabei por assinar pelo Gil Vicente, até porque o Salgueiros estava na Segunda Liga e o Gil era de Primeira. Fiz lá quatro anos e meio, até quase terminar a carreira.
- Depois desse momento, provavelmente o mais difícil da carreira, acaba por ir para o clube onde fez mais história, o Gil Vicente...
- Sim, foi o clube onde eu estive mais tempo. Acho que as coisas acabaram por funcionar bem. Apanhei sempre muito bons grupos, bons treinadores. E acabei por ser um jogador sempre muito utilizado, muito útil à equipa. Fiz lá quatro anos e meio. Fiz mais de 100 jogos. Houve ali uma grande empatia com os adeptos, a cidade... Tudo funcionou bem, graças também àquilo que eram os grupos de trabalho que fui encontrando. Fiz lá quatro anos e meio bons, onde deixei também a minha marca. À exceção do último clube, o Leixões, onde só joguei meio ano, em todos os clubes por onde passei deixei a minha marca. É isso que me deixa orgulhoso.
- Como já referiu, antes de terminar a carreira ainda passou pelo Leixões. Custou despedir-se dos relvados?
- Na altura foi difícil. Eu tinha 34 anos, e um jogador com 34 anos nessa altura já estava velho para o futebol. A mentalidade, felizmente, mudou e os jogadores agora conseguem durar mais tempo. Ainda poderei continuar a jogar, e tive propostas para jogar tanto lá fora como cá dentro, mas a um nível mais baixo, mas optei por recusá-las e por terminar a minha carreira. Acabei por ficar um bocadinho desiludido. Custou-me um pouco, porque nós nunca estamos preparados para acabar aquilo que gostamos de fazer, mas depois abriram-se outros horizontes. Acabei por ir me formar para a faculdade. Formei-me em Desporto, fiz licenciatura em Desporto e Educação Física. Ao mesmo tempo também, até porque já vinha fazendo isso, fui tirando os cursos de treinador, e acabei por enveredar por esta nova profissão que é a de treinador de futebol.
- Enquanto jogador partilhou balneário com grandes jogadores. Seria injusto eleger um como o melhor com quem já jogou?
- É difícil. Joguei com muitos bons jogadores, com grandes jogadores. Claro que quando cheguei ao Benfica apanhei jogadores de outra dimensão, seria injusto falar num ou noutro. Em todos os clubes da minha carreira, fui colega de grandes jogadores. Estar a discutir um ou dois, acho que seria injusto. Joguei com muitos bons jogadores, cada um com as suas características e as suas qualidades. Partilhei balneário com muitos craques, jogadores que tiveram um grande nível, nível de seleções, e acho que é um motivo de orgulho sempre.