«Dia em que o herói fez o papel de vilão», a crónica do Rákow-Sporting
Gyokeres: o momento da expulsão na Polónia (Foto: Newspix/IMAGO)
Foto: IMAGO

«Dia em que o herói fez o papel de vilão», a crónica do Rákow-Sporting

NACIONAL26.10.202322:32

Organização, paciência e sofrimento ainda salvaram um pontinho

Inconcebível que ao mais alto nível uma equipa fique, logo aos 8 minutos, a jogar com apenas dez jogadores no campo do adversário, mudando, num segundo, a história do jogo, a oportunidade óbvia de o vencer, a aproximação da meta da qualificação, e, não menos importante, que esses dez jogadores, que não podiam fazer mais do que assumir a despesa do culpado, fossem forçados a jogar, praticamente, um jogo inteiro sob um sofrimento cruel e sob a dolorosa pressão de que um único erro poderia comprometer o resultado.

Entendo, obviamente, que Gyokeres não quisesse mesmo fazer o que fez. Admito que tenha sido um lance de excesso de zelo. No entanto, deu no que deu e nada poderá servir de justificação e muito menos de desculpabilização. A verdade é que o grande herói do momento da equipa do Sporting fez, na Polónia, o papel de vilão, tornando-se no mau da fita.

Amorim posto à prova

Calculo o turbilhão que, de repente, invadiu a cabeça de Rúben Amorim. Um jogo e um adversário estudados ao pormenor, a convicção de ter em campo uma equipa que sabia precisamente o que devia de fazer para ganhar o jogo e, de repente, cai-lhe uma tempestade em cima. 

Não demorou mais do que uns segundos a reação do treinador do Sporting. O mal estava feito, o assunto ficaria para ser tratado noutra altura, agora estavam dez homens em campo e tinha de ser o primeiro a enfrentar aquela situação com coragem. Por isso, virou o Sporting para um sistema de 5X3X1, recuando os laterais, deixando na frente apenas Edwards, por ser versátil, imprevisível  e capaz de inventar um golo.

O teste não poderia começar melhor, porque, seis minutos depois, um canto de Pedro Gonçalves e uma cabeça imaculada de Coates deu vantagem ao Sporting.

Pela frente estaria mais de uma hora de sofrimento. Toda a equipa sabia o que a esperava. Era preciso firmeza psicológica, paciência, organização irrepreensível e, ainda, esperteza  para, numa oportunidade, tentar matar o jogo. E assim também poderia ter sido, se Pedro Gonçalves tivesse feito melhor quando esteve isolado na frente de Kovacevic. Mesmo assim, o jogo não correu mal ao Sporting, até ao intervalo. A equipa polaca, em ressaca do golo sofrido, continuava adormecida, fazia uma circulação lenta da bola e permitia o controlo do jogo.

E de repente ‘eles’ acordaram

O problema maior foi que, logo no início da segunda parte, o Raków perdeu uma clamorosa oportunidade de golo. A bola não entrou, mas o lance serviu para os polacos acordarem, perceberem que tinham de dar largura ao seu ataque e, assim, marcar a diferença decisiva de ter um jogador a mais. A pressão foi aumentando até se tornar insustentável. O relógio corria contra, continuava a ser muito tempo, mesmo quando já faltava pouco tempo. O cansaço, o desgaste psicológico, a sensação de estar longe da praia. 

Perto da hora de jogo, Amorim mexeu na equipa. Precisava de gente fresca em todo o lado, mas a prioridade eram os homens da frente, principalmente, para conter a primeira vaga de ataque. Paulinho e Geny Catamo entraram para aquele combate difícil. Um, pela experiência e sentido tático, o outro, pela velocidade.

O treinador do Sporting teve, então, uma notícia boa e uma notícia má. A boa foi que a sua equipa mantinha uma organização de disciplina quase militar; a má foi que a mesma equipa não conseguia reter a bola por um minuto, sequer. E isso dava origem a uma avalanche de ataque do Raków, equipa sem grandes talentos, mas que começou mesmo a acreditar que era possível virar aquele jogo.

O Sporting resistiu até aos 79 minutos, altura em que sofreu o golo do empate. O objetivo essencial era, agora, o de não perder o jogo. Naquelas condições, todos sentiram que empatar e ganhar um ponto já era bom. Só quando acabou, tiveram tempo para pensar em como poderia ter sido tão diferente a história daquele jogo.