ENTREVISTA A BOLA «Benfica vender João Neves abaixo da cláusula, não»

NACIONAL20.07.202409:45

Modelo de negócio atual do Benfica não agrada a Mauro Xavier, que tem o seu próprio modelo para proteger clube e jogadores da formação. Assinaria com Di María, porque o argentino «nunca será um problema», mas alerta que Roger Schmidt deveria rever sistema tático

— Vamos ao futebol profissional. Se fosse presidente do Benfica, teria mantido Roger Schmidt em funções?

— Hoje, sim. Eu pedi a saída de Roger Schmidt em novembro, porque acho que só há dois períodos para mudar de treinador. Ou no final da época ou antes da janela de dezembro, porque permite arranjos no plantel. E o modelo de jogo do Benfica tem de estar assente na formação. Obrigatoriamente, temos de ter no nosso plantel de 26, 27 jogadores, no mínimo 20% vindo da nossa formação. Mas também temos de criar aqui a ideia de que qualquer jogador do Benfica que sai, que seja internacional A e que tenha feito mais de 50 jogos do Benfica, receba um contrato, assinado pelo presidente do Benfica, dizendo que, entre os 29 e os 33 anos, pode regressar ao clube recebendo o seu salário atual, sem prémios de assinatura, sem empresários, simplesmente regressando ao clube, que terá sempre as portas abertas. Eu defendo que os jogadores da academia devem fazer a época da descoberta, a época da afirmação e a da consagração. Três épocas, aos 19, 20 e 21 anos. Sabemos que o Benfica terá de ser vendedor, mas tem depois de recuperar este talento criado no Seixal, fazer o ciclo contrário.

— Assinaria com Di María por mais uma temporada?

Di María nunca será um problema. Acabou de levantar uma Copa América, sendo o melhor jogador dessa final. O sistema tático para Di María é que tem de ser revisto, é isso que faz a diferença, um sistema que potencia os jogadores. O ano passado foi dos melhores jogadores do Benfica, foi aquele que apresentou melhores números. O ano passado tivemos uma coisa, não ganhámos e não jogámos bem. E no Benfica não chega só ganhar, é preciso ganhar e jogar bem e ter essa exigência. Houve alguma separação com os adeptos. Fiz o reset. Espero que seja Roger Schmidt da época 1 e não Roger Schmidt da época 2 e que se volte a vibrar com o futebol de Roger Schmidt.

— Se fosse presidente do Benfica, venderia João Neves abaixo da cláusula de €120 milhões?

— Não venderia nenhum jogador da formação antes da terceira época a titular, esse tem de ser um modelo. O João fez duas épocas, a da descoberta, fez 10 jogos, no ano passado foi titular, afirmou-se. E este ano seria o ano da sua consagração. Apenas Rúben Dias conseguiu fazer esse trajeto de três épocas. Estamos a falar de mais de mil pessoas que começam o trajeto nos sub-12 e, desses, quatro chegam à equipa sénior. E, depois, não os aproveitarmos… Nós somos uma escola de formação de homens. Enquanto jogadores, enquanto mística do Benfica, eu acho que é profundamente errado. As suas cláusulas têm de ser cumpridas. Portanto, qualquer coisa fora da cláusula é um não. A cláusula é inevitável, faz parte da vida do futebol. Mas era esse o modelo que eu gostava de ver, não só para o João Neves, mas para qualquer jogador do Benfica. E aí incluo também António Silva. Está à porta da sua terceira época. O Florentino já o fez.

— O modelo do Benfica assenta atualmente na venda de pelo menos um jogador por temporada, é possível sair deste ciclo vicioso?

— Assenta num modelo de ter 50 milhões de mais-valias. A questão não é o valor, é o valor das mais-valias. Acho que é possível otimizar alguma parte da gestão, mas não sou aquele que acredita que cortar, cortar, cortar vai ajudar a crescer, crescer, crescer. Temos de olhar para as nossas receitas para ajudá-las a crescer, sendo sempre os mais bem geridos. Nunca vamos ser os mais ricos, temos de ser os mais bem geridos. Nunca vamos conseguir fugir desse modelo, mas acho que não podemos ficar dependentes do modelo de venda e da Champions. Dois anos de maus resultados desportivos para o Benfica são dois anos em que entramos numa crise financeira, como vimos o FC Porto. Vão-se os anéis, ficam os dedos, já conhecemos essa história, não a queremos reviver, já a vimos de perto. Estou preocupado com alguns indicadores das contas do Benfica, que obrigam a mais receitas, a mais foco e a algum controlo na despesa. Também na despesa de salários de jogadores, desse ponto de vista tem de ser cada vez mais por objetivos. Quando não jogam, não há esse encargo.

— Há pouco tocou no tema Seixal, que é uma bandeira do clube, tanto pela obra como pela formação. Considera que o Seixal está como deveria estar?

— Não. Penso que o Seixal é uma bandeira e que o Benfica recuperou muito e conseguiu ser das melhores academias do mundo. Mas hoje já não faz top 10 das academias do mundo. Só fazemos top 10 nas vendas, porque somos claramente um clube vendedor. Quando queremos pensar em inovação, já ninguém visita o Seixal para ver inovação. Já ninguém visita o Seixal para ver instalações. Portanto, acho que o Benfica tem de modernizar-se. Do meu ponto de vista, sendo isto  core business do clube, acho que o Seixal deveria reportar diretamente ao presidente do clube. É uma das coisas que têm de ser mudadas muito rapidamente na orgânica do clube. O Seixal é o futuro, a equipa A é o presente. E, portanto, temos de juntar o presente e o futuro. E sendo o terceiro braço o scouting, que pode ser adicionado àquilo que é o core business do futebol. O que é que eu defendo para o Seixal? A expansão do Seixal, não só para incorporar o feminino, mas para permitir melhores práticas. Em segundo, a incorporação do colégio para permitir formar homens adaptados ao futebol e não externamente. E, três, a criação de um centro de inovação, onde se ponham startups a inovar tudo o que seja relacionado com o desporto, para o Benfica estar sempre à frente. Para depois ser replicado noutros clubes. Ou seja, nós sermos participantes do capital destas startups para ajudar a criar novos modelos de negócio. E é fundamental criar estas três alternativas no curto prazo do Seixal.

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— Que relação deve o Benfica ter com os outros clubes grandes em Portugal?

— Deve ter uma rivalidade saudável, que se joga apenas dentro de campo. E deve ter a capacidade de sentar-se à mesa em temas como direitos televisivos, que interessam a todos. Em arbitragem, da qual ainda não falámos. Em disciplina. Em modelos das competições. Ou seja, o Benfica tem de ser o adulto na sala com os seus rivais e com os outros clubes. Porque é aquele que tem sempre mais a perder e, portanto, tem de liderar. Tem de liderar nas relações com o Governo. Tem de liderar nas relações com os outros clubes. E é isso que eu espero do Benfica. Não é que o Benfica se deixe ir pelas lideranças da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga. Um Benfica que queira liderar na Liga, na Federação e nos outros clubes.

— Creio que defende uma ideia para o Estádio da Luz que vem do tempo de Domingos Soares de Oliveira na administração da SAD.

— É fazer o peão, rapidamente, a UEFA já permitiu que exista em Portugal. E o Governo tem de legislar rapidamente e vamos a tempo, isto é uma obra curta. Existe em várias ligas e isto permite reduzir o preço dos bilhetes tendo mais gente. Permite preços mais acessíveis. É a sétima maior indústria na Europa e temos poucas indústrias nacionais que compitam com as melhores. O bilhete é cobrado a 23%. Sendo um evento cultural. E todos os outros eventos culturais são cobrados a 6%. E, portanto, tem de baixar o valor do IVA de 23% para 6%, permitindo, novamente, bilhetes mais baratos. Os adeptos gastam muito dinheiro para apoiar os seus clubes, não fazendo o Governo a sua parte. Os nossos clubes, para competirem com os outros, pagam mais 53% de impostos, mais 11% de Segurança Social. Ou seja, o nosso problema não era dar €4 milhões a João Neves, o problema é que para dar €4 milhões a João Neves temos de pagar €10 milhões. Gostávamos de poder competir com todos, com as regras de todos. E nós não estamos a competir com todos, com as regras de todos. Isso cabe ao também ao Governo alterar e ao Benfica liderar isso.

— Pergunto se há algum tema que gostasse de abordar e que não tenha sido focado.

— Uma palavra para os benfiquistas que vão estar em Paris. Os nossos 200 benfiquistas do Projeto Olímpico, dos projetos de que mais me orgulho no Benfica  e do atleta Fernando Pimenta, que representa toda a mística. Votos de recordes pessoais, recordes nacionais e medalhas.