ENTREVISTA A BOLA «O Benfica há muito que discute mais pessoas do que ideias»
Mauro Xavier é sócio do Benfica, foi voz ativa na última Assembleia Geral do clube e diz ser «um benfiquista doente», mas recusa abordar uma eventual candidatura à presidência. O discurso, todavia, poderia ser de um candidato
— É candidato, ou vai ser candidato, às eleições do Benfica que vão ter lugar em 2025?
— Sou candidato a festejar as vitórias do Benfica, sou candidato, enquanto sócio, a contribuir com ideias para o Benfica e para o futuro do Benfica e é apenas isso que sou. Tive oportunidade de o dizer na última Assembleia Geral, é com gosto e carinho que vou recebendo o apoio de muitos sócios espalhados pelo País, mas acho que não é o tempo de eleições e, portanto, temos uma época para trazer para casa o 39. Qualquer discussão eleitoral é totalmente prematura e fora de tempo e essa questão não se põe sequer. O que mais gosto é celebrar vitórias do Benfica. Candidato-me a muitas coisas, mas o que mais queria era estar no Marquês de Pombal em Maio.
— Qual é, então, o motivo deste posicionamento recente? Tem estado bastante exposto, e ativo, na abordagem à atualidade do clube, como se viu, aliás, na última Assembleia Geral.
— Quando fiz 40 anos, tomei a decisão de participar mais ativamente na vida do clube, entendi que o momento em que atingi pessoalmente a minha independência financeira seria uma boa oportunidade para dedicar o meu tempo e a minha paixão ao Benfica. O Benfica faz-me extremamente feliz, sofro muito com o Benfica, sempre fui um benfiquista doente e achei que era o momento de tentar contribuir com o saber que fui ganhando ao longo da minha carreira e também com a minha vontade de estudar e perceber quais eram as melhores práticas no futebol para tentar contribuir para uma discussão interna no clube. É isso que me leva também a lançar em novembro, ou dezembro, um livro com reflexões sobre o futuro do Benfica, que será gratuito e estará disponível em várias plataformas. Acho que o Benfica há muito que discute mais pessoas do que ideias e eu acho que é tempo de voltarmos ao básico, que é discutir ideias e projetos de futuro do Benfica. Benfica quer ganhar em campo de forma limpa e honesta, em Portugal nem sempre isso se passou ao longo dos tempos. Considero que posso contribuir com ideias para que o Benfica possa vir a ser mais bem gerido.
— Quais são, afinal, as suas principais preocupações em relação ao Benfica?
— A principal preocupação é sempre desportiva, o Benfica não entra em campo para participar, o Benfica entra em campo para ganhar. A parte desportiva começa um bocadinho atrás, na formação, depois na estruturação de um plantel. E acaba depois na forma como o clube é gerido. Temos aqui várias camadas, várias formas de poder gerir, nunca se consegue responder de uma forma tão simples. De forma simples, quero que a bola entre na baliza, essa é a minha principal preocupação, que o Benfica vença e jogue bem.
— Mauro Xavier identifica-se com a visão de Rui Costa? Com a visão de Luís Filipe Vieira? Ou é alguém que tem uma visão diferente para o Benfica?
— O meu modelo é o de Cosme Damião, os nossos fundadores são sempre aqueles que nos devem inspirar. Todos os presidentes do Benfica fizeram coisas boas e menos boas, todos os futuros presidentes do Benfica farão exatamente a mesma coisa. Não sou da componente de seguidismos, já tive a oportunidade de votar, e não votar, em muitos presidentes do Benfica e, portanto, costumo aplicar uma regra muito pragmática: ganhando dois campeonatos, esse presidente do Benfica terá o meu apoio nas próximas eleições, quando não ganha dois campeonatos gosto de tentar apoiar uma alternativa, porque acho que o Benfica, pelo tamanho da sua massa adepta, pelas capacidades financeiras, tem obrigação de ser hegemónico, de ganhar no mínimo 5 títulos a cada 10 épocas, dois títulos a cada 4 anos de mandato.
— Mauro Xavier é uma cara recente e um novo nome para muitos adeptos do Benfica, convido-o, por isso, a apresentar-se.
— Não tenho essa sensação, porque quando estou no estádio, ou nas casas do Benfica, vejo que os sócios e os adeptos do Benfica já conhecem o Mauro Xavier. Tenho mais de 300 artigos publicados em jornais desportivos, mais de 150 horas de televisão a fazer comentário e, portanto, diria que já não sou um desconhecido dos adeptos do Benfica. No meu percurso profissional trabalhei em três multinacionais, atualmente resido em Madrid, trabalho numa outra multinacional, estive muitos anos associado à Microsoft e à inovação tecnológica, embarquei agora numa organização nova [Sócio da PwC]. Sou um português de fim de semana [passa toda a semana de trabalho em Espanha], tenho dupla nacionalidade portuguesa e espanhola e o Benfica faz-me gostar de percorrer Portugal e o mundo sempre que posso, com a minha família.
— João Noronha Lopes e João Diogo Manteigas são nomes que têm também surgido de forma ativa na vida do Benfica e, por conseguinte, associados a uma eventual candidatura. Qual é a sua opinião?
— João Noronha Lopes já foi candidato, no momento em que achou que era importante haver uma rutura, esteve presente também na Assembleia Geral, é uma pessoa com méritos comprovados na sociedade e na sua carreira. João Diogo, face aos estatutos, ainda não reúne hoje as condições, está dependente do momento das eleições. As eleições ocorrerão em outubro de 2025, mas sou da corrente que acha que deveria haver eleições mais cedo, para haver oportunidade de Rui Costa renovar a sua equipa. Se amanhã houvesse eleições, o João Diogo não poderia ser candidato, mas quem vier, virá sempre por bem.
— O Benfica tem como presidente um antigo jogador, o Sporting tem como presidente um antigo médico do clube, o FC Porto tem como presidente um antigo treinador do clube. Como é que alguém que não vem do futebol pode chegar à presidência de um clube grande e, neste caso concreto, do Benfica?
— Está a partir do pressuposto de que eu quero chegar à presidência do clube.
— Estou a colocar a questão em termos abstratos.
— Se quisermos falar em termos abstratos, então essas são as exceções, não são as regras. Ou seja, quando olhamos na globalidade para os clubes eles são geridos por setores, portanto se nós nos quisermos comparar com o maior clube do ponto de vista desportivo e do ponto de vista de faturação, o Real Madrid é gerido por um gestor. Se quiser olhar para todo o resto das organizações do top 10 ou do top 15 dos clubes, normalmente os gestores gerem, os jogadores jogam, os treinadores treinam, os médicos salvam vidas. Em Portugal muitas vezes confunde-se popularidade com capacidade de gestão e baralhamos várias coisas. Acho que um gestor não estará apto para ser o melhor treinador, preparador físico ou o melhor médico, acho que temos sempre mais a ganhar quando temos as peças no sítio certo em cada um dos plantéis. Frederico Varandas tem aprendido muito sobre gestão, Luís André [Vilas-Boas] irá aprender muito sobre gestão e Rui Costa iniciou o perfil enquanto administrador da SAD antes de candidatar-se a presidente. Acredito que qualquer pessoa pode aprender e faz parte de cada um poder sentar-se na sua cadeira de sonho.
— Na Assembleia Geral mais recente, tratou, durante a sua intervenção, Rui Costa por tu. Porquê?
— Entre sócios do Benfica todos devem tratar-se por tu, somos consócios de um grande clube, respeito muito Rui Costa, mas trataria o Rui Costa por tu se o encontrasse numa deslocação do Benfica, num conselho de administração da fundação do Benfica, do qual faço parte, ou numa Assembleia Geral. É o tratamento adequado, com respeito. Tenho a certeza de que não ficou de maneira alguma melindrado com isso.
— Na referida Assembleia Geral estava em causa aprovação do orçamento do clube para 2024/25. Foram anunciados os resultados, mas não foi anunciado se o orçamento foi aprovado ou chumbado. Concorda?
— Houve um problema naquela Assembleia Geral, sabe-se que o orçamento teve mais votos, mas não se sabe qual era o universo eleitoral e, portanto, será sempre muito difícil decidir se está aprovado ou chumbado. Penso que ficou claro que a maioria dos sócios queria que o orçamento fosse aprovado, na generalidade é um orçamento positivo. Mas gostava de falar daquilo que é o mais importante para o Benfica, os seus sócios e as casas. O Benfica gasta, no clube, mais em custos bancários, em juros, do que gasta nas suas redes de casas, acho que seria fundamental que ficasse estipulado que 2% do orçamento fossem obrigatoriamente dados para as suas casas. Da mesma forma que acho que é fundamental que 1% desse orçamento fosse dado à sua fundação. Por outro lado, para se dar a mais a uns, tem de se reduzir a outros.
— É tempo de acelerar ou abrandar investimento nas modalidades?
— É tempo de investir o máximo que pudermos, todas as quotas dos sócios, dos 375 mil pagantes de quotas do Benfica, investidas nas modalidades e nada no futebol, mais as receitas que as modalidades consigam adquirir. E esse é, para mim, o limite, pois hoje estamos a pôr mais 8 milhões de euros do que o total das quotas e o total de receitas. Acho que vamos ter de pôr um bocadinho de gestão nisto.
— E qual é a sua posição em relação a dois temas da atualidade: estatutos e auditoria?
— Fui dos primeiros a pedir uma auditoria forense. E uma auditoria forense demorar três anos a ser realizada é impensável. O que foi detetado são problemas graves ao nível da gestão do Benfica. Foram, ou não foram, já alterados os procedimentos do Benfica para o futuro? Ainda não tenho qualquer garantia sobre esse assunto. Continuam, ou não, os jogadores do Benfica a ser adquiridos sem relatório de scouting, sem exames médicos, sem o dossiê do jogador? Preocupa-me bastante e gostava muito que o Benfica se constituísse assistente nos processos em que está envolvido, que os quisesse clarificar, resolver e garantir que eles terminam o mais rápido possível. Em relação aos estatutos do clube… nenhuns estatutos podem ser perfeitos. Mas os estatutos são importantes para a democracia do Benfica.